Cléa nasceu em 1982, garota forte e agitada, sempre com os olhos castanhos bem ativos e brilhantes. A sua mãe estava feliz e cuidava da menina sozinha. A família morava ao lado de um açude no sítio, bem às margens, à noite eram agraciados com a brisa que chegava pelas frestas das portas e dos espaços não preenchidos da pequena casa de pau a pique.
Ali não havia conforto, os pais dormiam no colchão de palha, colocado na antiga cama patente, Cléa dormia na sua rede, era uma rede pequenina, feita pela sua madrinha especialmente para ela. Embora a menina fosse esperta, dormia tranquila e acordava somente para mamar durante a noite ou quando molhava os cueiros, ali não havia fraldas ou algo que facilitasse a vida, o tempo passava devagar a pobreza e a escassez criavam cenas muito fortes na mente daquela família.
Maria casou aos dezoito anos contrariando a vontade do pai e dos seus irmãos, ela perdeu a mãe ainda criança e criou os seus irmãos, por isso eles eram apegados a ela como se fosse à mãe deles.
Quando ela conheceu Celso, eles namoraram apenas quatro meses e já casaram. Ele era um homem de poucas palavras, não afetuoso, machista e muito ciumento. Maria trocou a vida difícil como dona de casa junto ao pai e aos irmãos, por uma vida não muito diferente. Ela se sentia sozinha e durante os dias em casa cuidando de Cléa, chorava e se perguntava, por que fora escolhida para passar por tantas provações, dificuldades, solidão, perda.
Maria passava os dias sem grandes sonhos, somente desejava possuir uma casa e uma forma de poder ajudar ao Celso manter as coisas de casa e o sustento de Cléa, ela pensava no futuro da filha, imaginava a menina na escola pela primeira vez; mas, no coração de Maria sempre era presente o medo de morrer na juventude e deixar Cléa órfã. Ela conhecia de perto a dor de viver sem mãe, as humilhações e a solidão de não ter a sua mãe, deixaram traumas dolorosos nessa mulher.
Maria rezava todas as noites, para que pudesse criar a sua filha e nunca deixá-la sofrer ou se sentir sozinha. Entretanto, em sua inocente percepção, não imaginava que, na vida, por mais que os pais tentem viver as dores pelos filhos, eles vão sofrer as suas próprias dores, de uma forma ou de outra; e, Cléa ia crescendo, tornava-se um bebê de quase um ano.
Maria vivia a rotina bucólica, ao lado do açude do sítio ela criava algumas galinhas, plantava algumas ervas (coentro, cebolinha), buscava água com a lata na cabeça e deixava Cléa dormindo nesse intervalo. Geralmente a pequena cacimba cavada na terra era bem próxima ao açude que ficava bem ao lado da casinha da família. A pequena garotinha nem acordava, ao chegar das tarefas externas, Maria acendia novamente o fogo do fogão à lenha e catava o feijão para fazer o almoço, Celso chegava ao meio dia, era importante está tudo pronto, ele só comia rapidamente e voltava para o roçado.
A SECA
Um depois que Cléa nasceu chegou a seca, se bem que no sertão do Ceará a seca é parte da rotina, contudo, eram meses difíceis. Celso não encontrava mais roçado para trabalhar, quem iria pagar para alguém trabalhar num roçado inexistente? Celso começou a ficar em casa sempre calado, ouvia o rádio de pilhas ao final da tarde, e, logo desligava para não acabar a carga das pilhas. Ele sofria calado e se preocupava com a alimentação que estava acabando.
Durante sete meses não choveu uma gota em Palma Seca, não havia mais folha nas árvores, as galinhas foram vendidas a um comerciante que passou se aproveitando da miséria, o cachorro Joly estava emagrecendo, mas, ainda assim era o melhor companheiro daquela família. Maria percebia tudo e tentava falar, entretanto, Celso não gostava de ouvir ninguém chorando miséria, detestava falar de lamúrias, talvez sofrer calado fosse o último lugar de dignidade que tivesse restado aquele homem.
A seca não têm cores, ela tem apenas alguns tons de palha, presentes na terra seca e nas árvores despidas de folhas, mas a seca tem cheiro, ela tem odor de morte. Sentimos o cheiro da seca quando andamos pelas estradas e encontramos carcaças inteiras de animais que morreram de sede e de fome, sentimos o cheiro da seca, ao olharmos para as crianças tristes e sujas, pela falta de comida, saneamento e água. A seca é cruel.
Era início dos anos oitenta, o Brasil ainda não tinha se recuperado dos anos da Ditadura Militar, os pobres não tinham quase nenhuma assistência social, ali naquele lugar distante, quase seiscentos quilômetros de distância em relação à capital. Quem não tinha nada, jazia na seca até a chuva cair, ou ser mais uma vítima das doenças da fome.
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A Vida de Cléa
RomantikO romance conta a história de uma jovem pobre que nasceu no Ceará, sofreu com a seca, foi vítima de todas as mazelas que a pobreza e a falta de oportunidade pode fazer. Também conta sobre seus amores, a sua paixão por um rapaz em dias de se casar c...