O último de nós

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A chuva havia diminuído até se transformar em uma garoa fina, a noite estava densa, era próximo as 05:00 da manhã, nenhum sinal de vida até ali.
- Faz tempo desde que ouvimos algum animal.
- É, três meses e meio.
- Você se sente solitário, devia ir atrás de um cachorro.
Rick contava as balas no tambor de sua arma, cinco, não se preocupou em responder, apenas continuou manuseando o objeto.
- Até quando você vai se apegar a mim?
- Até o dia em que você for embora de vez.
- Eu estarei aqui, enquanto você quiser que eu esteja.
- Então, até o dia em que eu decidir te mandar embora de vez.
- Já se passaram sete anos, Rick. Dois desde seu último contato com um humano.
(Silêncio)
- Até os mortos já estão deixando de caminhar sobre a terra, você provavelmente é o único no planeta que ainda insiste em se prender ao passado.
- E é por isso que eu ainda estou aqui.
- Porque você é louco. Devia estar procurando pessoas, não correndo atrás do passado.
- Eu estou procurando por alguém, e depois disso, eu irei atrás de pessoas.
- Talvez não tenha sobrado muitas até lá.
- Se eu estiver com sorte. - Rick se levanta, abana a poeira de suas calças e olha para o horizonte. A chuva havia parado, e o sol começava a nascer. Ele enfiou a mão no bolso da frente e tirou um frasco de vidro, destampou, e derrubou três pílulas em sua mão, logo em seguida as jogou dentro da boca, engolindo-as.
- Já é a terceira vez que você insiste em tomar esses remédios em menos de oito horas.
- Não fizeram mal até hoje.
- Estão te impedindo de dormir.
- Então estão cumprindo o propósito.
- Rick!
O jovem fechou os olhos e respirou fundo, soltando o ar devagar. Ao abrir avistou uma silhueta distante, cambaleando em sua direção. - Faz semanas que não vejo um deles.
- Estamos em um campo aberto, ele deve ter perambulado pela região durante esses anos, o vento deve ter carregado seu cheiro até ele.
- Não são mais como antes, perderam a agilidade com os anos.
- Mas os sentidos ainda são os mesmos.
- Se eu tivesse esperado, com você.
- Com certeza seria diferente, seria você cambaleando lá na frente.
- Eu poderia ter evitado tudo isso, se eu tivesse ficado.
- Não, não poderia.
Rick abaixou pegou sua mochila, e a pôs nas costas, guardou o revólver na cintura e tomou o último gole d'água do cantil. - Preciso achar um lugar pra encher isso.
- Passamos por um riacho ontem.
- Não vou voltar lá, deve ter algum lugar mais a frente.
- São três horas daqui, ainda será manhã quando voltar.
- Não tenho três horas para perder, preciso chegar a cidade.
- Precisa chegar a cidade, ou a nossa antiga casa?
- Faz diferença, Henry?
- Isso vai matar você.
Silêncio, Rick encarou o caminhar trêmulo do morto vivo por alguns instantes, estendeu a mão levantando a arma, e então parou, com a mira cravada no alvo. Ele contou até dez, em voz baixa, e então abaixou a arma novamente. Pegou suas coisas, colocou na mochila, calçou suas botas, e saiu.

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