COMO SE ESBARRAR

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Essa manhã foi uma das raras vezes em que Eleanor acordou atrasada para o trabalho. Ela estava na editora há um mês, e essa era a primeira vez que iria se atrasar. Esperava que fosse igualmente a última.

Como de costume, ao acordar, Eleanor chamou Zélia, que nunca se lembrava de colocar o celular para despertar. Após uma sessão de xingamentos da amiga em seu costumeiro mau humor matinal, ela enfim se levantou.

Eleanor sempre foi uma pessoa pacífica e calma. Alguns diriam que ela e Zélia jamais se dariam bem por terem personalidades tão distintas, mas Eleanor entendia a amiga assim como Zélia a entendia como ninguém. A convivência com o humor ácido e o estilo quase "gótico" de Zélia era algo que Eleanor aceitava com naturalidade, como dizia o velho ditado: "os opostos se atraem".

Após um café da manhã rápido, Eleanor pegou sua bolsa de trabalho com os materiais necessários e chamou um táxi para chegar mais rápido ao emprego. Foi surpreendida quando um carro, que mais parecia ter acabado de sair da loja, parou à sua frente.

O carro era bonito, de um azul incomum, e parecia ser lançamento. Eleanor se esforçou para lembrar de alguém que conhecesse que pudesse ter um carro daqueles, e apenas o chefe lhe veio à cabeça. Mas o poderoso Eduardo Moon não teria nenhum motivo para parar à sua frente na hora de ir ao trabalho, então ela descartou rapidamente a hipótese.

— Olha só! Que coincidência! — disse uma voz familiar.

Eleanor abaixou levemente os olhos para o vidro da janela do carro que havia acabado de ser aberta e se surpreendeu ao ver que quem estava no banco carona era Carlos, o rapaz que conhecera no seu primeiro dia de trabalho. Desde então, nunca mais o viu na editora, mas agora, com aquele carro, já podia imaginar o porquê. Ou Carlos era um dos sócios mais jovens da editora ou um dos clientes.

— Carlos! Que surpresa vê-lo aqui! — exclamou Eleanor, tentando esconder o mínimo de surpresa possível com a possibilidade de ter tratado tão hostilmente um provável cliente da editora.

Caio, por outro lado, escondeu a satisfação ao vê-la naquele lugar. Desde que se encontraram, ele esteve coletando informações sobre ela com os funcionários para poder fingir um encontro casual e se "esbarrar" com ela novamente. Não que ele estivesse a "stalkeando", mas sabia que apenas com ela poderia ser ele mesmo, sem medo de ser tratado de forma diferente por causa de sua posição social.

— Eu digo o mesmo, não esperava revê-la aqui — disse Caio, dando uma olhada no relógio, fingindo não saber as horas. — Ainda mais nesse horário... você não deveria estar no trabalho?

Eleanor se lembrou do seu atraso e acabou se assustando ao ver que faltavam apenas 15 minutos para o expediente começar. Inconscientemente, deu um pulo ao lembrar que ainda teria que pegar dois ônibus.

— Ah! Me desculpe, estou muito atrasada e não posso conversar agora!

Eleanor apertou a bolsa contra o corpo e começou a andar apressadamente em direção ao ponto de ônibus, lembrando que definitivamente precisava levar seu simples Fusca preto ao mecânico. Desacelerou os passos ao perceber que Carlos estava rindo divertidamente.

— Bom... se esse é o problema, aceite a minha carona. Não se acanhe.

Caio ofereceu no intuito de prolongar a conversa, até lembrar que deveria ser simples e não sair por aí com uma BMW M2 coupé com motorista e tudo. Envergonhado pela própria mentira, coçou a nuca desajeitado antes de completar:

— Meu patrão não liga de eu dar carona para moças bonitas que encontro casualmente na rua.

Após falar isso, piscou o olho direito e sorriu. Eleanor corou pelo elogio direto e acabou aceitando, afinal, não estava em posição de recusar, já que o atraso era iminente. Caio, como o bom cavaleiro que era, saiu de dentro do carro e abriu a porta traseira para que Eleanor entrasse, se divertindo ao ver um rubor se espalhando pelas bochechas dela.

— Huum... obrigada — disse ela assim que entrou.

— Não há de quê — respondeu Caio educadamente.

Metade do percurso até a editora foi feita em um silêncio constrangedor, até que Eleanor e Caio tiveram a ideia de puxar assunto ao mesmo tempo.

— Você trabalha há muito tempo na editora Moon?

— Tem certeza de que não vou te prejudicar com essa carona?

Os dois se encararam por alguns segundos e, logo depois, caíram na risada por terem falado simultaneamente.

— Não precisa se preocupar, como eu disse antes... meu chefe não liga de eu dar carona para moças bonitas que encontro na rua.

Caio foi o primeiro a responder, furtivamente, após a crise de risos. Eleanor, que já estava vermelha de tanto rir, ficou ainda mais corada pelo elogio. Ela nunca lidou bem com elogios.

— Então está bem... e não, aquele dia que nos encontramos, acredite ou não, era o meu primeiro dia de trabalho.

Eleanor respondeu, brincando com o fato de, naquele dia, ter se confundido sobre o local onde os funcionários almoçavam. Caio deu uma leve risada e se acomodou de forma mais formal no banco, afinal, estava acompanhado dessa vez.

— Então... você trabalha na editora?

A pergunta pegou Caio totalmente desprevenido. Ele conseguiu arranjar uma desculpa para o carro, mas não tinha pensado no "chefe". Coçou a nuca novamente enquanto pensava em um chefe fictício, consciente de que não era bom mentindo.

— Não!!! — pensou ter negado rápido demais e tentou completar. — Huum... meu chefe é o... senhor Waldo Moon!!

Respondeu o nome da primeira pessoa que justificaria sua presença na empresa e, ao mesmo tempo, parou para pensar que foi uma ótima escolha. Waldo Moon era seu tio por parte de pai e também um dos principais sócios da editora. Como ele estava mais presente nas reuniões, e nem sempre no escritório, poderia justificar por que Eleanor não o via todos os dias.

— Isso! Sou o assistente geral do senhor Waldo Moon — afirmou, mais confiante.

Eleanor deu um sorriso singelo para Caio e começou um novo assunto totalmente diferente. Caio, por sua vez, evitou ao máximo suspirar de alívio pelo assunto ter saído do seu falso chefe, e se envergonhou ao perceber o olhar curioso do motorista. Isso ele esclareceria depois, assim como conversaria com o tio.

Chegando à empresa, Caio saiu de dentro do carro e abriu a porta para Eleanor. Se despediram na frente da recepção, mas, antes de Eleanor passar pelas portas da empresa, Caio teve uma ideia.

— Eleanor!!! — chamou em um tom mais alto para que ela o ouvisse. Eleanor virou para trás. — Você pode me passar o seu número? Assim a gente não perde contato.

Ele falou isso totalmente sem graça e esperou pela resposta. Como ela demorou um pouco, ele ficou apreensivo, esperando uma possível recusa.

— Claro!

Ela lhe respondeu com o rosto levemente corado, e Caio sorriu pensando que o vermelho nunca havia combinado tão bem com as feições de alguém como combinou com Eleanor.

Caio sacou seu telefone do bolso e anotou o número conforme Eleanor o ditava. Logo depois, fez uma chamada para que ela também salvasse o número dele.

— Então até mais! — disse ele, dando um tchau com as mãos.

— Até! — respondeu ela, enquanto se dirigia calmamente para a recepção. Afinal, graças à carona de Carlos, ela não iria mais chegar atrasada.

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