Contos Musicais

Viagem (Chuva de Novembro - Projota)

Viagem

                Estou deitado na minha cama com o porta retratos que você me deu. Fico admirando sua imagem naquela foto que tiramos no pôr-do-sol. Entre um suspiro e outro eu me reviro na cama a procura de um fio de cabelo seu.

                Meu notebook está em cima da mesa. Assim que terminamos de nos falar ontem eu baixei aquele filme que você me indicou, mas não consegui assistir sem você ao meu lado. Nada é tão bom quando você não está aqui. Quando você se foi e passei um dia se tiver foi tão triste, e depois você passou uma semana sem me ver, foi uma maldade. Agora já fará um mês que não nos vemos, mas vou dar um jeito de te ver.

                Atravesso a cidade até a rodoviária. Paro no caminho e compro uma bolacha, um salgadinho e duas latas de refrigerante. Compro a passagem só me resta esperar para poder te ver. A viagem vai ser longa. Vejo uma floricultura e me atraso alguns minutos por uma boa causa. Te compro a mais bela flor.

                Minha blusa está molhada, a chuva em novembro sempre cai a tarde. Comprei essa roupa para poder te agradar, azul do jeito que você gosta.

                Junto com a rosa comprei um cartão com um desenho de coração, desculpa por ele ter molhado, mas eu não estava preparado para a chuva.

                Eu corro para a o ônibus, já estou atrasado. A chuva começa a ficar mais forte. Sento na minha poltrona e faço minha oração para Deus. Peço para que faça uma boa viagem e que chegue logo até você. Nada pode dar errado.

                Eu deito a poltrona até o limite permitido e olhos as montanhas passarem em alta velocidade. Estranhamente me lembro que a cada briga que temos, mais eu te amo. E lembro da briga de ontem que foi tão intensa. Eu não queria ter dito que eu não te queria ao meu lado, tudo que eu queria era te fazer entender que eu me importo muito com você. E vendo essa chuva cair imagino que ela talvez seja um reflexo dos meus sentimentos.

                E foi pensando no que passamos que resolvi te visitar, por que sei que quando eu te encontrar essa chuva vai parar. Talvez nem seja possível, as vezes sou um sonhador. Só sei que o coração dói demais, e que essa dor estranha e muito mais do que apenas saudade. Eu sinto que isso seja uma necessidade, uma necessidade de ter a certeza de que não era verdade tudo o que você me disse pelo telefone. Eu quero te provar que posso ser o seu homem.

                Você me disse, e eu me lembro, que eu sou só um garoto que não pode te sustentar, você me disse, eu não esqueço, que eu nunca seria homem o suficiente para você se casar. E foi por esse motivo que eu estou sentado nessa poltrona. Mas penso que posso estar errado e realmente ser apenas um garoto com uma rosa na mão.

                Pego me celular e disco o seu número. Decorei no mesmo dia que me passou, e nunca me esqueci. Achei melhor não fazer surpresa e te aviso que estou indo, será melhor ter você me esperando na rodoviária. Te peço com jeitinho e você concorda. Digo que te amo e minha esperança de você me dizer o mesmo acaba quando você desliga o telefone. Eu sempre me declarei para você, mas nunca ouvi essas palavras da sua boca.

                Mas tudo bem, espero que durma bem e sonhe comigo. Quando você acordar sei que vai usar aquele perfume que eu te dei de presente, por que o seu homem – e eu vou te provar que posso ser o seu homem – está chegando. Me espera amor. Me espera.

                A chuva fica mais forte a cada segundo que se passa. Tento dormir e descansar um pouco, mas a insônia é a minha melhor amiga essa noite. Limpo a janela embaçada com as mãos, minha visão da paisagem está bloqueada pelo ar quente da minha respiração. Fecho os olhos mais uma vez tentando dormir e sinto as batidas do seu coração.

                Estando aqui nesse ônibus, eu ouço o mesmo silêncio do meu quarto quando estou sem você. A culpa não é sua, em parte. É culpa de toda essa distância entre nós. Todos esses quilômetros que me impedem de ver, te sentir. Distancia essa que não me deixa te provar que eu, sim, te mereço, e que mesmo não tendo muito dinheiro, não importa, porque a alegria não tem preço.

                Falta pouco para chegar, continuou aqui pensando em você. Afinal, eu não sei fazer outra coisa além de pensar em você. Aproveito o pouco tempo que me resta para treinar o pedido de casamento. Vai ser uma grande surpresa para você. Depois daquela briga de ontem eu acordei bem cedo hoje, passei no banco e saquei todas as minhas economias e comprei a mais bela aliança da loja. Nada que chegue a altura do que você mereça, mas o suficiente para te dar uma prova de todo esse amor que sinto por você.

                Juntei cada moeda que tinha só para poder te ver hoje, e quer saber, nem me arrependo. Eu preciso te provar que esse menino pode te fazer feliz. Preciso te sentir mais uma vez, sentir pelo menos por uma vez, que achar que eu sou o seu maior sonho não é apenas uma ilusão da minha parte.

                A viagem praticamente chega ao fim, e a chuva cai forte do lado de fora. O motorista arrisca mais uma ultrapassagem e todas as lembranças sobre você dominam a minha cabeça. Ouço um barulho. Alguém grita, mas não consigo enxergar. Sinto a aliança cair do meu bolso mas nada posso fazer. Meu corpo gira, suspenso no ar. O som de pneus se junta com a chuva e forma uma bela sinfonia. Tento te chamar, mas não tenho forças e nem fôlego para falar o seu nome. Busco em meu último suspiro me lembrar do seu rosto angelical.

                Os anjos vem me buscar. O destino da viagem foi além do que eu imaginava. Entre meus últimos pensamentos estão a saudade. E foi duro partir sem ouvir você dizer que me ama. Meus dedos se fecham em volta da rosa, sinto a lama fria. Meus olhos não conseguem se sustentar, Deus está me chamando, posso ouvir sua voz.  Vejo o celular tocando longe de mim, o que será que você escreveu. Estou preso nas ferragens e não consigo me mover, fecho os olhos pela última vez, mas daria tudo para saber as palavras que estão escritas ali.