A Picada (Parte I)

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A PICADA
(M.M.F. Ikka) @MarcelloFerreiraIka

Um par de asas batia. Dez pares. Cem. Insetos vinham da Floresta, enquanto era ferida pelos homens. Ao passo que os bichinhos voavam até a nossa cidade, eu continuava sonhando. Porém, eu iria acordar.
Finalmente! Porque eu sempre sonhei.

   Eu em toda a minha adolescência: escondendo as mãos suadas quando na frente de muitos juízes de cara feia e os seus nãos

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Eu em toda a minha adolescência: escondendo as mãos suadas quando na frente de muitos juízes de cara feia e os seus nãos. Eu realmente pensei que já seria famosa e relevante aos meus vinte e tantos. Uma modelo e atriz eu tentara me tornar quando adolescente. O famoso clichê antes de ter influenciadores digitais no mundo. Apesar dessas jovens frustrações, eu não desisti. Eu tive mais idéias. Minha tentativa mais recente foi escrever algumas músicas e gravar capas para a internet. Meu ponto alto foi uns trinta views num deles. Pelo fracasso de todas essas tentativas, eu culpava a falta de dinheiro para continuar pagando pelo que quer que fosse necessário para que cada uma das atividades se desenvolvesse com o tempo e florescesse. Era um estado constante de perdedora que queria ser apreciada por algum talento, pela minha arte. Porém qualquer um que olhasse para mim julgaria que a fama me seria impossível. Eu, com meu rabo de cabelo entediante, olhos apáticos e as suas olheiras. A caixa de um mercado que não chegava a ser super aqui nessa cidade minúscula cercada por mato chamada Santa Letícia. Aqui não era onde eu tinha pensado que estaria aos vinte e seis. Isso me atormenta todos os dias. Mas, um dia, enquanto eu criava um refrão deprimido sobre a minha vida após os dezoito, o universo parece ter respondido à minha raiva constante pelo não ser. Eu fora picada no pescoço por um daqueles mosquitos que andavam se espalhando devido ao desmatamento da Floresta. Porém, os efeitos de tal fato, eu só fui saber depois.
Na manhã após a picada, eu acordei com a mesma frustração de sempre. Todo o resto continuava igual até que mandei a minha mãe ir embora, após os seus comentários sobre a minha prima da mesma idade que já ganha os seus cinco mil, tem um carro e vai se casar. Assim que ela ouviu o meu pedido nascido da raiva, ela se levantou da pequena mesa para quatro, foi até a porta, abriu-a e passou a descer a rua. Eu fiquei perplexa. Nunca que minha mãe atenderia um momento de nervosismo meu assim. Minutos se passaram e eu havia terminado meu café-com-leite. Peguei minha mochila velha e saí. Quis fingir que eu não ligava para o recente e ligeiro sumiço da minha mãe. Uma vez fora de casa, dei meus passos em direção ao ponto de ônibus, enquanto passeava o meu olhar para encontrar a dona Laura. Eu comecei a me sentir nervosa. Porém, foi no banco à espera do ônibus que a encontrei. Perguntei-lhe sobre o que ela estava fazendo. Ela me respondeu enquanto piscava saindo de um transe:
- Eu-eu não sei...Você me mandou ir embora. Eu obedeci.

Ela acabou voltando para casa e eu segui para o trabalho

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Ela acabou voltando para casa e eu segui para o trabalho. Lá outro evento estranho me ocorreu uma hora depois que eu tinha chegado.
Eu vi aquele homem alto, engomadinho e com cara de cidadão de bem apertar os braços de sua mulher e jogá-la contra a prateleira de pacotes de macarrão. No primeiro momento, eu senti arrepios por todo o meu corpo. O que eu devo fazer?
- Se-nhor? - eu gaguejei temerosa com a voz trêmula.
- Greta, fica no seu canto - o agressor sabia meu nome e me dirigiu o seu olhar faminto por violência. Que dia! Irritei-me a ponto de explodir:
- Larga ela agora!

Foi aí que ele ficou com um o olhar perdido no horizonte e soltou a esposa. Assim que percebi que ele havia me obedecido, experimentei mais uma ordem:
- E vai embora!
Assim ele fez. Só tive que tirar o pacote de café que ia levando embora junto com ele. A sua esposa me observou e me mandou um "obrigada". Por mais que aquele dia estivesse estranho, eu parecia sortuda. Ou melhor: estranho era eu me sentir com sorte. Eu deveria testá-la mais uma vez. No horário do meu almoço fui até a prefeitura. Edu trabalhava no escritório de assessoria do prefeito e sempre fora um dos meus melhores amigos. Contudo andávamos afastados nos últimos tempos desde que ele começou ser alguém importante na cidade. Outra coisa: eu sempre tive uma queda por ele. Caramba! Ter crush em um dos seus amigos mais próximos é uma porcaria. Principalmente quando você se acha sem chance porque ele é muito bonito e nunca olharia para você. Mas naquele dia eu estava com sorte.
- Oi.
- Oi, Greta. Quanto tempo! Tudo bem?
- Sim. Hm... - hesitei com frio na barriga.- Me beija?
Surtada! Mentalmente me xinguei. Era a minha razão e o meu orgulho contra o meus mil desejos por mil coisas. Assim ele o fez e não foi o melhor beijo do mundo. Na verdade, nem foi bom. Acho que foi necessário para me desencantar. Digo, me desencantar dele, porque algo semelhante a um feitiço acabara de cair sobre mim. Que poder era aquele que eu tinha desenvolvido? O que estava acontecendo comigo? Não sabia, mas quis usá-lo. Depois de me despedir do Eduardo ainda todo bobo, decidi pedir para que as pessoas assistissem meus vídeos na internet. Enquanto eu andava pelo corredor central da prefeitura e divulgava meu trabalho artístico, sentindo-me mais viva do que nunca, os meus ouvidos captaram uma conversa. Domingos, o prefeito, parabenizava um cara pelo bom trabalho com a abertura de terreno. Ou seja: o desmatamento intensivo da Floresta para novas construções. Para a Greta daquele momento, isso nem chamou tanto a minha atenção. Eu não gostava nem desgostava daquele homem e nem havia votado nas eleições passadas. Achava política uma coisa inútil. Tola. Mal sabia o que eu estava para saber e sentir.
Durante o dia, as minhas views chegaram ao cinco mil em único vídeo. Muitos seguidores novos, muitos comentários, muitos me elogiando como "uma rainha!". Antes de dormir, eu li um último comentário positivo e fechei meus olhos. Mal acreditava que tudo aquilo acontecia. Eu estava com medo de dormir e acabar acordando de um sonho. Isso não aconteceu. No meio da noite, eu acordei com outra coisa. Um forte zumbido e batidas na janela. Quando abri meus olhos, eu dei de cara com um enxame de mosquitos pairando diante da minha janela. No meio do zunir que o coletivo deles fazia, eu ouvia no meu coração:
- Minha rainha! Minha rainha! Perturbada, eu os expulsei com um "vá!". Eles me obedeceram. Demorei para pegar no sono outra vez, mas o fiz. Eu tive um sonho. Eu estava na Floresta. O céu estava azul, mas, de forma gradual, fumaça se espalhou pela mata e tomara o céu. Uma voz feminina falou em minha mente enquanto um forte zumbido de um enxame se fazia constante:
- Eu sou você. Você é a rainha. Estão nos matando. Estão asfixiando a Floresta. Você deve matá-lo. Você deve matar o prefeito. Você deve dar a ordem!

Acordei com a minha mãe dizendo que eu estava chorando de dor.

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ERRO! - Princípio e Fim - ANTOLOGIA 1Onde histórias criam vida. Descubra agora