𝟎𝟗

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Arthur

Quando chego em casa, ouço um barulho vindo do andar de cima, e meu coração se aperta.

— Arthur, seu pai precisa de água. — Mamãe diz, descendo das escadas com um pedaço de papel ensanguentado. Rapidamente, me viro e encho um copo d'água, depois subo com mais um papel higiênico.

Quando entro no quarto, ele está deitado na cama e tossindo. Minha mãe, como sempre, o ajuda nas vezes em que o sangue espirra no papel. Eu me sento na beirada da cama e estendo o copo de água pra ele.

Papai pega o copo e o bebe, enquanto deixo o papel higiênico em cima de sua cômoda, e então espero que ele acabe de beber. Fios ligados em um aparelho estão espalhados por seu rosto.

— Você nunca mais me contou da sua vida, filho... como vão as coisas? — Ele diz, tendo dificuldade para controlar sua respiração.

— Não conto porque não posso, e também, você não pode falar. — Eu digo. Gostaria de poder dizer que estou me sentindo mal por todas as vezes que o vejo nesse estado, morrendo. Mas dizer... parece que dizer torna tudo mais real. E de real, já basta ver papai desse jeito, sangrando e morrendo.

— Eu não posso falar, mas você pode. — Ele diz, e depois respira fundo e tosse mais uma vez. Um nó se forma na minha garganta. Odeio com todas as minhas forças vê-lo nesse estado.

— Falar sobre o quê? Que vida eu estou tendo agora? — Começo a ficar nervoso, segurando a garganta para não chorar. Meus olhos ameaçam arder, mas me recuso a derramar uma lágrima. Na frente dele não.

— Arthur... — Minha mãe me repreende. Seus olhos cansados encontram os meus de uma forma terna, como se ela implorasse para que eu fosse compreensível. O que é impossível.

— Desculpa. — Eu digo. Tenho que ficar mais perto dele, aproveitar cada momento ao lado dele, é isso que preciso fazer, de acordo com a Carol.

Minha mãe se levanta e pega todos os papéis sujos. Ela deixa o inalador do lado da tomada, mas não sei porquê ainda usam essa merda, se não adianta mais. Nem o aparelho que liga vários fios em seu rosto... com ou sem, a diferença é mínima.

— Bom, o time de futebol foi classificado. — Eu começo a dizer, enquanto minha mãe sai do quarto.

— Me avise qualquer coisa. — Ela avisa. Faço que sim com a cabeça, embora ela saiba que a primeira coisa que eu faria se caso algo acontecesse, era chamar ela.

— Parabéns! — Ele diz, com a voz rouca, dando um sorriso. Retribuo apenas curvando as bochechas. — Você fez um... — Ele para quando tosse.

— Um gol? Fiz, mas não foi nada demais. — Eu digo, como se não tivesse feito um ponto decisivo nos últimos minutos. Ele sorri de novo.

— E as garotas? — Ele pergunta. Encolho os ombros e desencolho, num sinal de pouca importância. Ter garotas eu tenho, mas isso pra mim simplesmente não importa.

— Nenhuma? Ah, deve ter uma aí dentro... — Ele diz, tossindo novamente. Se ele soubesse que transo com qualquer uma pra esconder o quanto estou triste por ele... mas sei que não é isso que ele quer saber. Meu pai quer saber se tenho uma garota dentro do meu coração.

— Bom, eu conheci uma, mas ela não passa de uma amiga... eu acho. — Inclino levemente a cabeça, pensando em Carolina. Acabei de conhecer ela, e sinto como se fôssemos ligados. Tudo que ela diz se conecta com o que eu sinto. A maneira como sorri aquece meu coração. E o visual da noite anterior...

— E como... — Ele diz, mas eu respondo por cima, para poupar o oxigênio dele.

— Como ela é? — Pergunto por ele. — Tem olhos lindos, cabelo loiro escuro...  — Eu digo, dando um sorrisinho descontraído. Olho para meu pai. Ele me observa com um sorriso.

— Olhos? Que cor? — Ele pergunta, controlando a respiração.

— Cinzas... ou esverdeados. Isso depende se for noite ou dia. — Eu digo. — Mas ficam muito mais lindos de noite. — Dou um sorriso, me lembrando da noite em que ela me devolveu o celular.

Estou observando ela demais e nem percebi.

— Gostaria de conhecer ela... — Ele tosse. — Qualquer dia.

— Ah... não sei se ela aceita, e a gente só conversa. — Eu digo.

— Sabe quem conversava também? Eu e sua mãe. — Ele diz, me provocando uma risada abafada. Ele tenta rir. É bom ver meu pai sorrir. Até mesmo passar o tempo ao lado dele, mesmo sabendo que... Bem, que ele pode não estar aqui daqui a uma semana. Ou menos.

Minha mãe aparece no quarto com uma caneca de chá borbulhando que coloca em cima da cômoda ao lado, se sentando na beirada da cama.

— Vá dormir filho, amanhã você tem colégio. — Ela diz, deixando um beijo no topo da minha cabeça. Dou um último sorriso para meu pai e me levanto, indo em direção ao meu quarto.

Talisman | Volsher. [Concluída]Onde histórias criam vida. Descubra agora