CAPÍTULO UM

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26 de setembro de 2019
Orange County, Califórnia, Estados Unidos
Any's POV

Eu sou a Any Gabrielly, mas sempre fui chamada apenas de Any. Quando eu nasci, meus pais me deixaram em um orfanato. Não me lembro de nenhum deles, a única coisa que sei é que são brasileiros e vieram para os Estados Unidos por causa de uma grande oportunidade em suas carreiras, minha mãe acabou engravidando de mim e eles me abandonaram, para não ter uma distração em suas vidas tão ocupadas. Tia Luiza, dona do orfanato, é como se fosse minha mãe de verdade, sempre cuidou de mim enquanto estive lá e agora na minha nova vida.

Desde sempre nunca fui escolhida por nenhuma família. Por quê? Essa é bem fácil. Eu sou negra. Em um país dominados por brancos, uma criança negra nunca ganha atenção ou agrada uma família que esbanja privilégios. O preconceito foi e é grande, mas infelizmente aprendi a viver com isso. Logo, quando completei meus 18 anos, fui obrigada a sair do orfanato. Hoje com 20 anos, moro nas ruas de Orange County. Se eu sofro? Sim! E muito! Ainda mais com o inverno ameno da região, sempre passo frio, mas acho que meu corpo já está se acostumando com isso, ou não, já que me encontro tremendo de frio no momento. Ainda não está com temperaturas tão baixas, pois é início de outono, mas logo as tão temidas aparecem. Porém sempre estou ajudando a Tia Luiza e as crianças do orfanato.

Mesmo atualmente morando sozinha nas ruas, eu tenho duas melhores amigas que sempre estão me ajudando, a Hina e a Sina. Bom, Hina Yoshihara e Sina Deinert. Elas moravam no mesmo orfanato que eu, e tinham uma história parecida com a minha. E como devem saber, elas também não foram adotadas. Não enquanto estavam no orfanato. Mas assim que saímos, Sina achou um família, que hoje em dia a cuida como se fosse sua filha. Fiquei muito feliz por ela. Sempre estranhei o fato dela não ser adotada, uma vez que ela continha todos as características de um verdadeiro norte-americano, além de apresentar todos os privilégios. Muitas vezes achei que não a escolhiam, pelo simples fato dela ter uma melhor amiga negra, e sempre me culpava muito quando uma família nos visitavam. Ela quase sempre era analisada pelos casais e eu, bom, nem olhavam para minha cara. Quando Sina falava comigo, via que os visitantes recuavam, então eu realmente estragava sua oportunidades. Isso me desencadeou grandes crises de ansiedades, que não vem ao caso agora.

Já Hina, passou um tempo na rua, mas logo achou um trabalho como babá e, consequentemente, conseguiu um lugar para morar, na casa onde trabalha. Elas sempre me ajudam, até porque não consegui um trabalho, nem um lugar para morar. Por isso, muitas pessoas falam para eu me prostituir para ganhar dinheiro, mas nunca pensei nisso e também Tia Luiza sempre me disse para não fazer.

Perto de onde eu "moro" sempre passa uma família linda, um pai, de cabelo castanho bem claro e olhos verdes, bem bonito por sinal, uma mãe, de cabelo castanho mais escuro que o do pai e olhos azuis, que está grávida, e um filho, de cabelo castanho bem claro e olhos verdes, igualzinho ao pai, o qual aparentava ter uns 2 anos.

Não quero parecer boba nem nada, porém sempre choro quando vejo aquela família. Nunca vou ter uma família tão linda quanto aquela. Ah, uma coisa que eu não falei. Eu via a família constantemente, porém eles não me viam. Se estou louca? Não! Apenas me escondo por medo deles nunca mais voltarem por minha causa. Não quero atrapalhar a felicidade deles, agora eu podia ver uma família feliz, a qual eu nunca tive. Tia Luiza sempre brincava comigo, mas nunca seria como o amor verdadeiro que nossa família nos dá, até porque ela tinha sua própria família e, também, o orfanato possuía muitas crianças, mesmo assim ela sempre deu o seu melhor para todos nós.

Já se passava das dez horas da noite e me encontrava sentada, enrolada em um cobertor, num banco que dava visão para praça. Essa hora não era nem um pouco movimentada, os estabelecimentos fechavam às oito em ponto e o único lugar aberto era a famosa "night club", que funcionava até às duas da manhã. Avisto uma pessoa caminhando em minha direção e uma corrente de adrenalina invade o meu corpo. Era uma cidade segura, não tinha do que reclamar, porém não consigo não sentir medo de alguém me fazer algo. O indivíduo sentou-se ao meu lado e pude perceber através de seu cheiro que havia ingerido bebidas alcoólicas. Ainda com medo, resolvi puxar assunto com o homem desconhecido.

- Oi, está perdido? - pergunto sem direcionar meu olhar para ele

- Eaí - riu antes de prosseguir - não estou, e o que uma bela moça como você faz aqui sozinha essa hora? - perguntou me olhando

- Olha você nem me conhece para eu te contar algo assim da minha vida, vai que é um psicopata e quer me matar - afirmo e direciono pela primeira vez meu olhar para o rapaz, percebendo que o conhecia de algum lugar

- Você tem razão, não deveria contar nada a desconhecidos. - ele sorri e descobri de onde o conheço, era o pai daquela família que sempre observava - Por isso, eu sou o Noah Urrea, prazer!

Pensei um pouco se deveria me apresentar ou não, eu o via direto, mas não quer dizer que possa ser alguém confiável. Acho que tenho que tentar a sorte e quebrar a cara se algo der errado.

- Prazer! Me chamo Any Gabrielly - já que resolvi fazer isso, pelo menos vou tirar informações dele - O você faz aqui nesse horário?

- Estava com uns problemas em casa e para não os descontar em algo ou alguém, resolvi sair para tomar um ar e acabei indo para o Velvet Lounge beber - explicou o moreno

- Ah, bom, eu moro aqui. - joguei a informação e ele ficou com uma cara de interrogação

- Onde seria exatamente o aqui?

- Aqui! Nos arredores dessa praça, depende muito do clima para escolher qual canto dormir.

- Quer dizer que você não possui uma casa? - concordo com a cabeça e ele parece não acreditar na situação - Não querendo me meter, mas já fazendo isso, o que aconteceu para você viver aqui?

- Eu fui abandonada num orfanato pelos meus pais assim que nasci, nunca fui adotada, por motivos óbvios e quando fiz dezoito anos fui obrigada a sair de lá e cá estou com meus 20 anos - resumi para não prolongar já que não ia contar tudo a ele e percebi seu olhar de pena voltado a mim - Olha, não quero que sinta pena de mim. Sou uma pessoa saudável, que teve seus sonhos adiados por não conseguir um emprego para se manter na vida. Tenho amigos e educação básica, sei me virar sozinha. Você nem me conhece direito e se tiver oportunidade disso, tudo que quero é que reconheça a mulher independente e corajosa que sou, que não possui medo do dia de amanhã.

- Nossa, e eu aqui reclamando dos meus problemas em casa. - ele deu uma pausa, que demonstrava que estava pensando em algo - Tem alguma coisa que posso fazer para te ajudar?

Confesso que estava com muita fome no momento, a última refeição que tinha feito fora na janta do dia anterior, mas não ia pedir isso a ele.

- Só não tenha pena de mim. Já é um grande feito. - respondo, mas parece que ele leu meus pensamentos já que pergunta o que queria esconder

- Você está com fome? - pergunta me encarando - Quero que seja sincera, não me fará falta alguma te comprar algo para comer.

- Na verdade sim, mas não quero te incomodar

- Não me incomoda, até porque fui eu mesmo que te ofereci comida - ele se levanta e me espera levantar - Vem! Vamos andando até o McDonald's que tem aqui perto, não é tão longe assim e é a única coisa aberta essa hora.

Reluto um pouco, mas vejo que ele não vai desistir. Dobro meu cobertor e guardo na mochila que possuía todas as minhas coisas. No caminho até o fast-food ele vai me contando um pouco sobre ele e sua família. Quando chegamos lá, ele pede para me sentar em uma mesa, enquanto ia fazer os nossos pedidos. Alguns minutos depois, vem para a mesa com nossos lanches. Não acreditei quando observei a bandeja, tinha uma refeição completa. Achei que ele só compraria um sanduíche, mas continha batata frita, refrigerante e sorvete. Ele pegou um pote de nuggets empurrando a banheira parando-a em minha frente e falou que todo o resto era para mim.

Conversamos o tempo inteiro sobre coisas aleatórias até voltarmos para a praça. Me despedi dele e ele prometeu que me enviaria cartas para mantermos contato, já que não possuía celular. Hoje, pela primeira vez em dois anos, não tive um dia monótono. Será que isso era um aviso de que as coisas estavam para mudar?

Minha nova família! | NoanyOnde histórias criam vida. Descubra agora