Olhou-se no espelho. Era um homem completo. Cabelos grandes, pequenos peitos, cintura ainda um pouco fina e uma vagina entre as pernas. Era um homem completo não importava o que dissessem. Que se foda o cromossomo XX, nunca gostara de Mendel e sua preciosa genética idiota mesmo. Era um homem, sempre fora, isso só estava um pouco mais na cara para quem olhasse pra ele. Agora podia ir ao banheiro masculino calmamente. Não tinha mais que fingir para os amigos. Nem ouvir as pessoas chamando-o pelo nome errado.
Já fazia dois anos de transição, os hormônios fizeram seu trabalho. A cirurgia para retirar as mamas era muito cara, teria que esperar mais um pouco. Mas como desde muito novo sabia que era um menino tratou de dar um jeito naqueles peitos protuberantes de alguma forma. Tentou cortá-los, feri-los, mas não funcionou. Pesquisou. Seios são gordura, descobriu. Entrou em várias dietas malucas de internet, perdeu peso demais. Foi quando seus pais repararam. Psicólogo. Diagnóstico: Depressão. Por quê?, Os pais perguntaram, como se tivesse uma vida perfeita demais para ter a doença. O médico constatou que Nico não sofria de nenhum problema e apenas deu o veredicto o qual os pais já suspeitavam: Transgênero. Teve que esperar os dezoito para começar a transição, mas pôde mudar seu nome seis meses depois do diagnóstico, graças a muita ajuda do médico.
E ele então mostrou ao mundo seu verdadeiro nome: Nicolas, ou Nico para os íntimos.
A nova solução para diminuir o tamanho dos seios sugerida pelo médico foi a natação. Far-lhe-ia bem à saúde, tornaria seus ombros mais largos- característica que Nico sempre admirara- e lhe ajudaria a perder gordura. De fato, funcionou, e agora com a ajuda do binder os seios de Nico não se notavam nem mesmo nas camisetas mais apertadinhas.
Na verdade, Nicolas nunca precisou que um médico dissesse o que ele era. Sabia que não era uma menina, nunca se sentira uma. Só não sabia que tinha um nome para como se sentia. Transgênero, mais especificamente transexual. Nome um pouco estranho, mas logo entendeu tudo o que ele implicava. Era um homem normal, mas se dizia às pessoas que era transexual já começavam as perguntas: "Você tem pênis?", "Ah, então você é uma menina!", "Você é hermafrodita?", " Como era quando você era uma menina?", "Ah, então você é gay!?" .
Não, Nico não tinha um pênis. E isso não fazia dele menos homem ou uma menina.
Não, Nico não era uma menina, nunca fora. Aquilo que usava antes era apenas uma casca que escondia quem ele realmente era.
Não, Nico não era hermafrodita. A primeira vez que o perguntaram sobre isso ele nem sabia o que era.
Repetindo, não, Nico não ERA uma garota. Dizer que ele era uma garota e agora é um homem é como dizer que ele "virou" trans e não se vira trans.
Bem, é, sim, Nico é gay. Mas isso não tem nada a ver com ser trans, é apenas sua orientação sexual. Identidade de Gênero- como você se percebe em relação ao seu gênero, se homem, mulher, ambos, nenhum e etc.- e orientação sexual- as pessoas pelas quais você sente atração, tanto sexual ou romântica, se homem, mulher, ambos, nenhum e etc.- são coisas completamente diferentes.
É, era difícil. Ser trans e gay era bem difícil. Ser trans e hetero também era bem difícil. Não sabia dizer qual dos dois era mais complicado, já que a maioria das pessoas não consegue entender que uma mulher com um pênis é uma mulher e um homem com uma vagina é um homem. Ter sexo e relações amorosas era complicado.
Principalmente para Nico. Não pretendia colocar um pênis, não se sentia confortável com a ideia, se sentia bem com a vagina no meio de suas pernas.
Nico era meio inseguro, apesar de tudo. Tinha medo de se apaixonar por não saber como a pessoa reagiria ao saber que ele era um pouco diferente. Era relativamente fácil aguentar insultos de desconhecidos, mas ouvir comentários preconceituosos de alguém que gostava seria terrível, um gatilho para uma recaída na depressão- tudo o que menos queria. Evitava ao máximo se apaixonar pra não se magoar. Mas, dessa vez, falhara.
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Transviado (Concluída)
FanfictionNico era meio inseguro, apesar de tudo. Tinha medo de se apaixonar por não saber como a pessoa reagiria ao saber que ele era um pouco diferente. Era relativamente fácil aguentar insultos de desconhecidos, mas ouvir comentários preconceituosos de alg...