1° Laço - Elliot

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Essa viagem não parecia certa. Não importava o quanto eu encarasse a possibilidade de conhecer uma nova cultura, algo não estava certo. Talvez eu estivesse certo e meus instintos estivessem me avisando para não ir que ia dar merda, ou talvez fosse a falta de sono, já que nos últimos dias, com todos os acontecimentos, dobramos o atendimento no hospital, e dormir era um privilegio que não tínhamos mais!
Como se não bastasse isso, cada vez que meus olhos fechavam eu escutava alguém chamando por mim, ao longe. Nas sombras. Distante do meu alcance. Uma voz grave e irritada, persistente. Em alguns sonhos, eu podia ver sua silhueta e seus olhos brilhando como o puro gelo, e sua mão estendida para mim, pálida e calejada, com cicatrizes: mãos de um guerreiro.
Nas primeiras vezes me forcei a retomar a consciência e abandonar aquele sonho, mas depois de algumas noites, eu pegava aquela mão que parecia áspera, mas era quente e se encaixava perfeitamente na minha.
Não importava quantas vezes tentasse, ou tivesse o mesmo sonho, nunca via seu rosto ou conseguia acompanha-lo quando entravamos nas sombras. Era a parte em que eu acordava suando e com dor na nuca.
Maldita falta de sono.
Foi por conta disso que dormi durante toda a viagem, sem restrição alguma. Andrews não me incomodou em nenhum momento, afinal, nos últimos dias, estávamos revezando nos atendimentos e sabíamos melhor do que qualquer um, que precisávamos de umas boas horas de sono.
Em algum momento da viagem, meu subconsciente começou a trabalhar na forma de ajudar a irmã do chefe russo, de acordo com as informações que tínhamos recebido, ela tinha sido envenenada por alguma coisa que a fazia sentir como se estivesse queimando por dentro. Obviamente precisávamos de uma amostra do veneno para podermos ter uma noção do que a estava fazendo sofrer.
Não sabíamos se já tinham tentado limpar o sangue dela de alguma forma, com uma maquina de hemodiálise talvez, era perigoso, afinal, ursos cicatrizavam depressa, repunham o sangue perdido também depressa, então no mínimo precisaríamos de uma maquina potente. Causaria algum desconforto a pobre menina, mas era uma solução plausível e nos daria tempo, se fosse algo mais grave.
O pensamento que preocupava, era saber se o veneno já tinha chegado aos órgãos dela... Aí sim! Teríamos problemas.
Quando pousamos, meu corpo estava quentinho e dormente, a ideia de sair e me chocar com aquele frio não era nenhum pouco atraente, mas infelizmente, tínhamos de fazer.
Troquei um olhar complacente com Andrews e esperei todos saírem do avião, para eu ir lentamente atrás. Parei por um momento admirando a beleza do local, mesmo com a pouca luminosidade, era tão belo e frio.
Quando notei que os outros já estavam longe demais, apertei os passos, para os alcançar e me apresentar também, alias, apenas ficar ali, já que Andrews tomou a frente das apresentações.
Engoli em seco perto do homem alto ali, parecia ser o líder do clã.

_Iron Belicov! – apresentou-se e esticou a mão para mim, e eu a apertei com firmeza, me arrependendo no segundo seguinte.

Foi como levar um soco no estômago, depois ser jogado dentro de uma maquina de lavar e girar loucamente. O chão pareceu sumir de meus pés, me fazendo cair numa espiral sem sentido e irracional. A pressão cresceu no ar, deixando a atmosfera pesada, alguém disse “puta que pariu” e minha mente não processou quem.

_com todo respeito! – Andrews tomou a frente da situação – acho melhor fazermos o que viemos para fazer, primeiramente! Sua irmã precisa de ajuda e precisamos avaliar o material que vocês tem e solicitar o que não possuem, para ajuda-la, senhor Belicov!

Os olhos azuis frios me encaram consumindo minha alma durante cada segundo, me mantendo refém daquela prisão escura e quente... Quando ele virou bruscamente, quebrando o contato visual, inspirei o ar com força para dentro dos pulmões, sem saber quando tinha parado de respirar.

_você tem razão! – ele concordou – vamos indo!

Passei por ele de cabeça baixa, sentindo minhas entranhas revirarem de nervoso. Andrews me enfiou no carro e sentou-se ao meu lado. Ian do outro e valquíria no banco da frente do carona, Iron falou algo com o motorista que nos olhou brevemente pelo espelho e então partiu.

_jesus! Pensei que ele fosse te atacar bem ali, e tipo devorar você vivo! – Ian disparou me deixando ainda mais nervoso – minha alma quase saiu de mim!

_deixe de escândalo! – Andrews bufou.

_qual é, Andy, eles são companheiros! E Ele é o Líder! – enfatizou todos os motivos de aquela situação ser a pior possível – você viu o tamanho dele? Da dois de nós, facinho!

_Ian, controla a franga! – Andrews me encarou – e você?

_e-eu vim pra a-ajudar a ga-garota! – falei encarando minhas mãos – é o que vou fa-fazer!

_você esta ignorando a situação... Não tente fugir do problema! – ele ponderou – mas primeiro, vamos fazer nosso trabalho, e Elliot, você vai lidar com isso depois! De acordo?

_ok! – era uma sentença de escravidão sexual assinada e sem retorno.

Eu sabia como funcionava as ligações entre homens shifters, um dos lados sempre sofria mais do que o outro... Minha dedicação de anos para ajudar os meus irmãos de raça, iria por água abaixo com o aparecimento de um companheiro, e pior, de um Líder de clã. Não poderia mais viajar buscando conhecimento, não poderia ir até quem precisava de ajuda e em algum momento, teria de ver meu companheiro acasalando com uma fêmea, para ter um herdeiro para seu trono.

_é o fi-fim! – murmurei sentindo um nó se prender em minha garganta.

Não podia chorar ali, não podia me dar o luxo de desmoronar naquele momento, afinal, alguém ainda precisava de mim. Minha mente tinha de estar limpa e calma, para que conseguisse elaborar soluções com clareza, mesmo que todo o resto de mim estivesse imerso em uma tempestade impetuosa.

_não se empurre para tão fundo! – Andrews falou baixinho em meu ouvido – você esta com aquela cara, de quem esta se afundando dentro de si mesmo, para se tornar uma maquina de solucionar problemas e salvar vidas! Elliot, você também precisa de ajuda...

_es-estou bem! – sorri tentando convencê-lo, mas só por seu revirar de olhos, sei que falhei ridicularmente.

Entramos num vilarejo lindo, as casas eram todas simétricas, com tijolos grandes e rustico, as ruas iluminadas de azul e branco, algumas crianças brincavam na calçada com filhotes de Rusky Siberiano, talvez ali conseguisse um para mim. Nos afastamos da vila um pouco, até chegarmos numa propriedade maior, sem muros ou cercas, era uma mansão antiga. Entramos numa garagem subterrânea, onde fomos recebidos pelo segundo no comando, apenas trocamos de carro e de escolta, deixamos valquíria no local e seguimos para o hospital.

De fato era um hospital, com muitos quartos, alas medicas, enfermeiros, alguns médicos, medicamentos, mas nada especifico ou potente o suficiente para nos deixar impressionado. Felizmente o chefe da equipe também falava nossa língua e assim dispensamos qualquer tradutor e colocamos as mãos na massa.
Nos lavamos, trancei meu cabelos, Andrews e eu colocamos nossos jalecos, tocas e mascaras, luvas esterilizadas e imediatamente iniciamos a avaliação. Ian nos acompanhava atento a tudo, devidamente vestido e com luvas. O local da entrava estava roxo e exalava um cheiro ruim, algumas veias apareciam, mas a julgar pelo estado geral, o veneno ainda não tinha atingido nenhum órgão vital, o que significava que ele agia lentamente. O que não o tornava menos perigoso.

_eu vou ti-tirar! Esta pu-putre-fando! – apontei para o local.

_certo! – Andrews pegou uma mangueira e iniciou a sucção de secreção. Ian se aproximou com os utensílios.

_o que vão fazer? – Dancan, o líder da equipe medica, perguntou aflito.

_vamos tirar a carne podre e limpar o local! – Andrews respondeu por mim. Infelizmente eu demoraria demais para falar, além de que me enrolaria por ser gago e provavelmente me alteraria, o que não me deixaria terminar de falar, me deixando mais frustrado ainda. Então eu só agia calado.

Com precisão cirúrgica removi as partes podres e aproveitei para avaliar o estrado dentro dela. Com uma pinça, retirei alguns micro fragmentos de capsulas que estava, presos ali, e sugamos o máximo de veneno com a mangueira. A bala devia possuir uma ponta de vidro, que se quebraria dentro do alvo e espalharia lentamente o veneno.

_pre-precisamos de u-uma ma-maquina de hemo-hemodialise! – falei para Dancan – Va-vamos manter o san-gue dela lim-limpo! – conclui o mais breve meu pensamento.

_é claro! Vamos providenciar! – rapidamente ele se retirou e comecei a suturar o local, após ter certeza de que estava limpo.

_esta bem feio ai! – Ian comentou – Elliot, você acha que é mortal ou apenas para causar dor? Veja, é escuro, visgoso e age lentamente...

_ta-tambem pen-sei ni-nisso! – respondi – des-descons-trua a mo-molécula e veja com o q-ue es-estamos li-lidando!

_certo! – ele coletou uma amostra e saiu em busca de um laboratório.

Terminei a sutura e junto com Andrews fizemos outras avaliações com a menina, e tudo parecia não tão ruim, mas ainda ruim! Fizemos um monitoramento por amostragem e aguardamos. Pensando arduamente em todas as probabilidades que envolviam a situação.
Quando meu corpo estremeceu, e eu me arrepiei por inteiro, antes mesmo de me virar, sabia quem estava me observando. Era como se eu me tornasse incapaz de fazer qualquer coisa sob o olhar dele.

_ele finalmente apareceu! – Andrews comentou – fique aqui, deixe que eu entrego o relatório incial!

_o-obriga-da! – me encolhi em meu jaleco e permaneci de costas para Ele.

Meu coração batia acelerado e por alguns segundos pensei estar entrando em uma crise de pânico, mas isso foi subitamente empurrado para longe, quando a jovem na cama acordou, chamando justamente Ele.

_Iron! – sua voz doce preencheu o local, aflita e temerosa. Quando Ele entrou no quarto, e foi diretamente para o lado dela, sem me olhar por um segundo, senti um pequeno incodomo.

Não deveria sentir. Não queria sentir. Eu já sabia de toda aquela merda, e ainda sim, não tinha como fazer nada a respeito. Estava enraizado em mim, era parte de quem eu era.

_você esta bem? – ele perguntou e ela assentiu.

_eu sinto muito... – balbuciou – deveria ter sido mais cuidadosa...

_está tudo bem! – confortou-a.

_não queria trazer problemas pra você!

_deveria ter me dito de imediato que tinha sido atingida! – repreendeu-a – desde quando esconde coisas de mim?

_sinto muito...

_quando isso tudo acabar, você vai ficar de castigo! – ele brigou, mas ela sorriu.

Aquele não era um momento meu. Não deveria estar ali. Tentei me virar discretamente e sair da sala, porém antes de chegar a porta, ela me chamou.

_ei doutor! Já esta indo? – indagou. Engoli em seco, virei-me para ambos e afirmei com a cabeça – você não é daqui! Conheço toda a equipe de Dancan! Qual seu nome?

_E-Elliot! – respondi encarando-a, sem desviar os olhos para quem realmente queria encarar.

_Gael o mandou para nos ajudar! – Iron falou finalmente me encarando.

_veio de tão longe... – murmurou – sou Aya!

_Pra-zer! – notei que Iron levantou uma das sobrancelhas, como se estivesse indagando minha forma de falar. Já tinha superado o constrangimento publico por ser gago, mas diante dele... Eu me sentia envergonhado. – Você pre-precisa d-des-cansar! – falei o mais rápido que pude e sai do quarto de uma vez, não iria ficar ali me torturando a toa.

_Elliot! – Andrews me chamou, mas passei direto por ele, bufando.

Aquela maldita viagem... Pelo visto as coisas seriam piores do que eu esperava.


Oieee, Pandinhas! Feliz 2020 pra todos vocês! Desculpem a demora, mas estava segurando o capitulo, pra começar do jeito certo! Então já esta dada a largada, e os capítulos serão postados, conforme forem sendo escritos, ok? Tenham paciência comigo! Rsrs comentem e deixem a estrelinha, só pra dar aquele incentivo! Bjinhos de bambu!

Companheiro do Urso - Livro III - Série Amores Indomáveis Onde histórias criam vida. Descubra agora