unicorns in Seoul

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    14 de junho de 2016

    — Sook, quantas vezes a tia vai ter que te dizer que a gente não pode se atrasar? – a jovem perguntou, ajeitando uma touca com orelhas de raposa sobre os cabelos negros da garotinha que tinha as bochechas coradas de frio e agitação. Os traços orientais da criança escondiam ali parte da semelhança física entre elas, mas um observador mais atento podia perceber que carregavam nos lábios o mesmo ar atrevido e travesso.

            — Eu seeei, tia Babi! – a forma como a criança abriu os bracinhos para se explicar fez com que a mais velha precisasse reprimir um sorriso: com o aniversário de seis anos, viera também uma veia dramática bastante apurada – Mas eu precisava buscar a tiara do V! – continuou sua explanação de forma expressiva, exibindo com orgulho uma tiara de orelhinhas de gato que era provavelmente a coisa mais chamativa em um raio de quilômetros. Adorável. Ela própria usava, por exigência de Sook, uma semelhante: um unicórnio, para combinar com os cabelos cor de rosa feito algodão doce.

            — Ahhh, então agora tá explicado! – Bárbara sorriu, pegando a mão da pequenina e fitando aqueles olhinhos puxados que brilhavam de animação – Pronta pra ir?

            — Siiiiiim! – Sook gritou, fazendo com que a tia se perguntasse como um som tão alto podia sair de uma criaturinha tão pequena. Era como se a felicidade fosse tanta, que não coubesse em seu tamanho em miniatura - Tia Babi! – ela estacou, teatralmente - O desenho!! Você pegou? – perguntou, erguendo as sobrancelhas com preocupação.

            — Oh, meu Deus! – a moça de cabelos coloridos replicou o ar dramático da primeira antes de rir, apertando a ponta do nariz da sobrinha com carinho – Peguei, guria. - apontou para a mochila, onde carregava a aquarela sobre a qual passara a noite debruçada: Taehyung era o rosto mais perfeito que já desenhara em toda a vida, mas não deixava de ser espantoso o fato de que não havia absolutamente nada que pudesse fazer com um pincel para torná-lo ainda mais bonito. Qualquer rasura poderia violar aquela beleza divinal, e ela havia se esforçado ao máximo para mantê-lo assim: feito obra-prima.

            — Vocês já vão? – uma mulher que não podia ter mais do que 30 anos surgiu na sala carregando um bebê nos braços – Juro que eu não sei quem está mais animada... – piscou um dos olhos para a irmã mais jovem que, à exceção dos cabelos, assemelhava-se tanto a ela.

        Bárbara gargalhou, jogando os cabelos para trás enquanto colocava a mochila de Sook nas costas para poupar a menina do esforço. Era difícil competir, quando a sobrinha dava pulinhos pela sala. Mas, bem, seu coração fazia o mesmo dentro do peito.

    — São os meus meninos, Cami, você sabe disso...

    E eles eram, de fato. Seus sete garotos preciosos.

É quase curioso como, àquela altura, nem mesmo os devaneios adolescentes de Babi teriam sido ousados o suficiente para fantasiar tudo o que aconteceria após aquele evento para fãs. E como poderiam? Sendo cruelmente sincera, ela já era quase velha demais para sonhar com essas coisas. Nem mesmo tinha um bias, por Deus! Como boa aficionada das listas e categorizações, costumava dizer que, cada um à sua maneira, os sete eram donos de seu mais puro afeto: Namjoon e sua mente com a profundidade de oceanos não navegados; Taehyung, e a preciosidade da alma artística que ela amava de todo o coração, por reconhecer nele parte de si; Hoseok, o sorriso mais sincero que já veio à Terra, capaz de despertar o seu melhor; Jimin, cuja existência era uma prova de que força e sutileza compõem o mais belo equilíbrio; Jin, e a graciosidade de amar a si mesmo em todas as formas; Yoongi e a certeza de que amor e cuidado estão no não-dito.

E então havia Jungkook. Aquele que, feito traquinagem infantil, jogava por Terra todas as suas teorias, porque havia nele um paradoxo tão extraordinário quanto incompreensível. Talvez fosse o fato de o maknae flutuar naquele espaço curioso entre o homem e o garoto, carregando nos olhos a leveza de ser menino pareada à seriedade de quem tem seu rosto estampado pelo mundo inteiro. Ou talvez estivesse justamente na admiração que nutria pela habilidade dele de ser excepcional em tudo - não por dom divino, mas por dedicação e esforço.

Bárbara poderia tecer uma infinitude de hipóteses, mas duvidava que alguma explicasse de fato o que acontecia sempre que colocava os olhos naquele sorriso tão atrevido quanto encantador. No fim, Jungkook era feito um lembrete constante de que há um limite para o que se conhece de qualquer ídolo, porque o ser humano é uma extraordinária bagunça que câmeras jamais serão capazes de capturar com vivacidade. Talvez, apenas talvez, ela tivesse mais sorte com seu pincel.

O fato é que estaria sempre ali, amando de longe cada faceta daquele garoto, até mesmo - ou especialmente - as que estava fadada a nunca desvendar.

Afinal, como poderia imaginar tudo o que aquela tarde despretensiosa, em que o céu de Seul se coloriu de cor de rosa como se emoldurasse a sua existência, lhe reservava?

Era impossível prever que os olhos de Jungkook não se perderiam dela por um segundo sequer - a garota unicórnio, cuja gargalhada aberta se destacava não apenas por pelo som que carregava notas da mais pura alegria, mas por combinar tanto com a aura de sonho que lhe davam os cabelos.

Não fazia sentido que seu coração tivesse reagido de forma tão idiota quando, ao se colocar diante dele, assistiu-o gaguejar um adorável "eu não fico bem de rosa" quando lhe foi sugeriram tingir os cabelos feito os dela, deixando exposto e vulnerável o garoto tímido por quem Babi tinha um carinho tão imenso, que mal cabia dentro do peito.

Céus! Nunca, em tempo algum, poderia sonhar com uma noite que terminasse com os dois dividindo sorrisos gêmeos, e o mesmo desejo secreto de que aquela não fosse a última vez que seus olhos - os dele, carregados de curiosidade juvenil; os dela, embebidos em admiração genuína - se cruzaram.

    Aquela noite, Bárbara passou em claro - é difícil adormecer quando a realidade tem caráter de sonho - e enquanto Sook dormia o sono mais sublime de sua vida inteirinha, a mais velha gastou horas debruçada sobre a mesa de desenho. Era um hábito antigo, cuja origem ela nem mesmo se recordava: todos os momentos marcantes de sua vida - dos mais extasiantes àqueles em que sentiu o chão ceder sob seus pés - transformavam-se em desenhos. Era assim desde seu aniversário de sete anos, quando ganhou uma coleção de aquarelas e passou deixar sobre o papel um retrato de seu coração: pulsos cheios de pulseirinhas da melhor amiga, a coroa de flores do velório do pai, os olhos marejados da mãe no dia em que deixaram uma vida para trás, rumo ao outro lado do mundo, os pezinhos de Sook recém nascida... Eram sempre detalhes desimportantes para o mundo, mas que permaneciam guardados no relicário de sua memória, e terminavam derramados em uma explosão de cores sobre o papel.

            O que encontrou naquela manhã, também eram fragmentos: o sorriso característico de Suga. Os dedos cheios de anéis de Jimin. Um esboço de rosto com orelhinhas de gato que só podia pertencer a Taehyung. Os lábios de J-Hope, curvados em um sorriso. Cabelos cor de rosa e uma tiara de unicórnio. Um par de olhos grandes e curiosos que pareciam olhar diretamente para ela.

Há quem diga que arte e o amor são, em essência, um só: a habilidade de ver a si mesmo, além de si. Pela primeira vez, quando segurou o último desenho, Bárbara compreendeu aquelas palavras: porque ela se enxergou bem ali, dentro dos olhos de Jungkook.

DECALCOMANIA • Jeon JungkookOnde histórias criam vida. Descubra agora