21 de setembro de 2018
Bárbara despertou aos pouquinhos, flutuando por alguns minutos naquele estado gostoso do limbo entre o sonho e a consciência, conectando-se a seus sentidos pouco a pouco: o sol que entrava pela janela do estúdio, tornando o interior de suas pálpebras avermelhadas; o som eventual dos carros do lado de fora denunciando que o dia já começara naquela manhã de inverno; o cheiro familiar em seus lençóis, e naquele cujo calor ela sentia ao seu lado. Quando se espreguiçou, ainda de olhos fechados, o peso conhecido ao redor de sua cintura se acentuou, e ela abriu um sorriso quase preguiçoso. Só então, diante desse incentivo, reuniu a determinação necessária para vencer a claridade uma vez que, por mais que odiasse acordar cedo, flagrar Jungkook dormindo nunca falhava em aquecer seu coração.
Kook dormia de bruços, com um dos braços em torno dela, e havia algo na expressão serena dele que Babi aprendera a apreciar profundamente: era gostoso demais senti-lo assim tão tranquilo e saber que parte disso se devia àquele laço alegre e despretensioso que construíam, pouco a pouco. A garota moveu o corpo devagar ao se virar de lado, cuidando mesmo sabendo que seria necessário muito mais do que aquilo para que ele acordasse, e riu baixinho da forma como o rapaz franziu o nariz, mexendo os lábios discretamente e denunciando que notara algum movimento na cama. Ali, com os cabelos bagunçados e os olhos espertos escondidos detrás dos cílios grossos, ele se parecia com o garoto de vinte e poucos anos que era. E ela não poderia gostar mais do que via.
A mulher escorregou ainda mais para dentro do abraço dele, chegando o rosto perto de seu ombro para pousar ali um beijo leve, que logo se abriu em sorriso. Diante da ausência de qualquer reação, alinhou seu rosto ao dele, roubando-lhe a ponta do travesseiro, e levou uma das mãos até os cabelos do rapaz, agora tingidos de castanho próximo do natural, correndo os fios entre os dedos até afastá-los do rosto. Depois de desenhar aqueles traços tantas vezes com tinta sobre tela, desta vez ela os desenhava sobre o rosto dele com ponta dos dedos: tocou com carinho suas pálpebras que escondiam o que havia de mais bonito no garoto, e então a pontinha do nariz, rindo quando ele resmungou baixinho, para enfim contornar os lábios em forma de coração, sem perceber que mordia um sorriso ao fazê-lo.
— Acorda, guri... - murmurou baixinho, apoiando-se sobre um dos cotovelos para alcançar o pescoço dele, deixando ali um beijo mais estalado, objetivando trazê-lo de volta à consciência com carinho - Kook... - chamou mais uma vez, e dessa vez a mão dele em suas costas a trouxe para mais perto, deixando-os frente a frente, e Babi não sabia se sorria porque estava enfim conseguindo começar a acordá-lo, ou porque ele a abraçava mesmo no sono. A garota passou uma das pernas por sobre as dele, encaixando-os ainda mais, para só então ver os cílios de Jungkook tremerem de levinho, denunciando que acordara - Bom dia... - Bárbara murmurou, tocando os lábios dele com os seus levemente, permitindo-se atrasar um pouco mais aquele abrir de olhos. As mãos de Jungkook brincavam em um carinho preguiçoso nas costas da garota, e quando ele abriu os olhos - e um sorriso sonolento - foi como se acariciasse o coração dela da mesma maneira.
— Bom dia... - aquele tom murmurado aliado ao modo como a voz dele parecia rouca pela manhã era algo que Babi teria tocando em seus fones de ouvido, se fosse possível.
Jungkook subiu uma das mãos pelas costas da garota, um sorriso miúdo e culpado surgindo em seu rosto ao não encontrar nada que impedisse o avanço, contornando o ombro até chegar ao rosto apenas segurá-lo com carinho, desenhando a mandíbula da artista com o polegar e demorando o que pareceu uma vida até unir seus lábios mais uma vez num beijo tranquilo e delicioso, que se partiu com meia dúzia de sorrisos.
— Você acordou há muito tempo? - ele perguntou, brincando com alguns fios dos cabelos cor de rosa da garota, que negou com a cabeça, arrancando-lhe um meio sorriso - Não consegue mesmo ficar acordada sozinha, não é? - continuou, rindo de verdade quando Bárbara negou mais uma vez, rindo com certa culpa. Ele não se importava de acordar com ela, no entanto: naquela rotina tão maluca, cada minuto na presença de Babi parecia precioso demais, porque era quando estava com ela - comendo na cama, rindo debaixo do chuveiro ou amando no sofá da sala - que ele sentia a cabeça nas nuvens, mas os pés bem perto do chão.
— Eu vou te recompensar com café da manhã. - ela mordeu a língua em um sorriso, segurando o queixo dele com os dedos para lhe roubar um beijo estalado antes se sentar na cama, deixando Jungkook com a visão de suas costas nuas. O garoto permitiu que seus olhos vagassem por ali por um instante, mas se apressou em afastá-los, quase como se não tivesse autorização para uma vista tão íntima que, apesar de já ter tido tantas vezes, ainda lhe fazia enrubescer quando fora de um contexto de sensualidade.
— A gente não pode só esquentar a pizza de ontem à noite? - ele coçou os olhos, espreguiçando-se, e quando voltou a olhar para ela, um de seus moletons engolia o corpo de Babi, fazendo-o sorrir. Era como se a peça fosse feita para abrigá-la, e Bárbara parecia concordar visto que passava mais tempo do que ele com o agasalho. E, mais uma vez, Jungkook não se importava nadinha com aquilo.
— Não, senhor... - Bárbara riu, andando até a cozinha, pronta para agir como a noona que era. Ou quase. - Você nunca come direito quando tá aqui, eu já tô me sentindo culpada... - argumentou, tirando uma frigideira de dentro do armário para preparar ovos mexidos com torradas, o que era seu ápice do saudável. Jungkook enrolou na cama por mais alguns minutos, mas logo o cheiro do café fez com que se levantasse. O garoto resgatou as calças de moletom do chão, vestindo-as antes de se sentar no balcão diante de Babi bem no momento em que ela colocava os ovos sobre as torradas.
O rapaz agradeceu, como sempre fazia diante do menor gesto de carinho, e Bárbara sorriu enquanto contornava o balcão, sentando-se ao lado dele com as pernas cruzadas. Jungkook não tinha percebido que sentia tanta fome, e soltou pequenas exclamações de satisfação enquanto comia, até que a garota não pudesse mais segurar uma risada.
— Argh, como eu queria que você provasse pão na chapa e café com leite, guri. - riu, imaginando como ele reagiria àquilo, e Jungkook lhe devolveu o sorriso, porque adorava aquela forma como ela lhe chamava. Guri. E quando ela falava assim, ele também queria provar café com leite, pão na chapa, e o que quer que ela sugerisse, além disso.
— Como peço isso em português? - ele perguntou, segurando os olhos dela nos seus, que pareciam querer apreender o mundo inteiro.
— Café com leite. - Bárbara ensinou, sorrindo largo quando ele repetiu, dando graça a cada palavra - E pão na chapa. - completou, e Jungkook repetiu tantas vezes o pedido, que foi feito um telefone sem fio, e o resultado final em nada se parecia com o começo. Não deixava de ser adorável.
— Eu vou pedir isso quando for no Brasil de novo. - garantiu, soando tão fofo Bárbara não conteve uma risada antes de selar seus lábios aos dele, mais uma vez.
Terminaram de comer conversando sobre o final do filme que viram na noite anterior, e Bárbara não perdeu a oportunidade de implicar com o garoto por ter dormido no meio, só porque adorava aquela mania dele de colocar a língua contra a bochecha, denunciando seu próprio incômodo. O rosto de Kook era um espelho de seus pensamentos, e era por isso que pintá-lo nunca deixava de ser interessante: havia uma infinitude de expressões que Bárbara se divertia em decifrar, uma a uma.
Ainda era tão cedo que voltaram para a cama, escondendo-se do frio sob as cobertas, e aproveitando o silêncio do lado de fora para cerrarem os olhos por mais alguns minutos. Bárbara se deitou sobre o peito do garoto, passando sobre as pernas dele uma das suas, na qual Kook fazia um carinho sonolento com as pontas dos dedos, começando no meio da coxa e terminando próximo das costelas, por dentro do moletom largo. E aquilo era tão gostoso que Babi sentiu seu corpo se arrepiar.
Os beijos que vieram a seguir não eram como os anteriores, e hoje Jungkook sabia bem diferenciá-los. Nestes, havia mãos por todos os lugares, e sons também. E, por Deus, como ele amava conquistar algum som baixinho de Babi, especialmente quando ela lhe entregava aquilo direto em seus lábios. Bárbara estava em cima dele com o moletom erguido a ponto de já revelar a tatuagem que ela tinha sobre as costelas, e aquele era um dos momentos em que o rapaz não se sentia enrubescer diante do corpo dela. Pelo contrário, desejava-a tanto que terminava de deslizar a peça com as mãos ágeis no instante em que o telefone de Babi tocou sobre a cabeceira.
— Oh merda... - a garota suspirou ao ver o nome da irmã na tela do celular - Preciso buscar a Sook, prometi ficar com ela... - explicou, passando os dedos pelos cabelos de Jungkook apenas para colocar o que havia tirado do lugar, mordendo um sorriso culpado - Posso deixar você em casa, o que você tem hoje? - perguntou, acostumada à agenda lotada do cantor.
— Tenho que buscar a Sook, pra ficarmos com ela. - Jungkook respondeu de pronto, e quando se inclinou para beijá-la foi tarde demais, e terminou por beijar seu sorriso.
E foi ali que ele meio que descobriu seu beijo favorito.
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DECALCOMANIA • Jeon Jungkook
Short StoryAinda que não fosse capaz de se lembrar da primeira vez em que teve um pincel entre os dedos, Bárbara nunca se esqueceria do dia em que compreendeu, enfim, o que era arte. Até então, sua ideia era que o artístico estava na alma, e não no amor. Afina...