10 de fevereiro de 2017
— Yah!
O som quase ronronado fez com que Bárbara erguesse os olhos da enorme embalagem de m&m's na qual concentrava sua atenção: Jungkook largara as canetas coloridas com as quais desenhava em seu tênis e agora lhe encarava com a boca aberta e o pescoço estendido, esperando um lançamento. Estreitando os olhos teatralmente, ela se empenhou em mirar antes jogar a bolinha vermelha de chocolate, fazendo-a aterrissar perfeitamente na língua do garoto, que abriu um sorriso satisfeito. Ponto!
— Metade do pacote e você finalmente está ficando bom nisso... - brincou, arremessando um m&m verde que Jungkook alcançou no ar, fazendo um estalo divertido com os dentes, como se provasse ali o quanto ele era bom naquilo, e ela que se calasse!
— Vai ficar sem chocolate da próxima vez... - ele deu de ombros, fingindo não se importar, mas deixando escapar um meio sorriso quando Babi abriu a boca em indignação. Aproveitando a deixa, ele roubou um m&m do saquinho, jogando-o e acertando em cheio, pegando-a de surpresa - Cesta! - piscou, voltando a destampar uma caneta, gesticulando para que Babi voltasse à posição anterior.
— Besta! - a mulher jogou de lado os cabelos coloridos, deitando-se no o chão da sala, mantendo as pernas sobre o colo de Jungkook, sentado no sofá, para que ele continuasse o desenho que começara como alternativa à preguiça de qualquer outra coisa - principalmente escolher algo pra assistir no streaming, já que sempre acabavam perdendo a 1h30 de filme só assistindo o catálogo, brigando pelo controle remoto. Acabaram, assim, gastando a tarde fazendo absolutamente nada que não aproveitar a companhia um do outro. E eles meio que gostavam disso...
Não tinha nome, o que quer que fosse aquilo. Amizade colorida? Parecia pouco em alguns aspectos, e demais em outros. Eles mal se beijavam, afinal. Ao mesmo tempo, não eram só amigos. Talvez fosse algo especial demais, para o qual não tinham inventado um nome ainda - Jungkook pensava assim. Estava no modo como seus olhos travessos se encontravam, provocando risadas por piadas telepáticas. No cuidado de Babi ao pisar com calma naquele terreno novo para ele, deixando-o aproveitar cada passo do caminho. No carinho dele, fazendo-se sua presença rara ser, de fato, um presente. Havia afeto, antes de mais nada, mesmo que não fosse romântico. Mas então aconteceu um beijo. E outros depois deste. E a cada novo encontro de lábios, encontravam também uma nova parte daquele quebra cabeça que se montava de pouquinho em pouquinho dentro de seus corações. Talvez em breve, vendo o quadro completo, o sentimento que já tinha vida própria ganhasse também um nome.
— O que você tá fazendo aí, hein? - Bárbara ergueu o tronco, apoiando-se nos cotovelos enquanto se esticava para ver o que Jungkook desenhava na sola de seu sapato, admirando a ruguinha de concentração entre as sobrancelhas do garoto. A forma como ele puxou seu tornozelo de leve, com um sorriso brincalhão, fez com que a mulher caísse deitada de volta - Argh, deixa eu ver, guri! - ela gemeu um tom dramático movido pela curiosidade, recebendo uma negativa do garoto, acompanhada de um sorriso miúdo: ele gostava tanto quando ela o chamava assim... Sentia até mesmo as bochechas corarem com o pensamento, porque sempre foi avesso a algumas formas de tratamento - tinha um verdadeiro trauma do famigerado "oppa" - mas quando se tratava de Bárbara... ele gostava de ser seu 'guri' - Me deixa veeer! - ela insistiu, soando quase como Sook em seus draminhas, e quando foi novamente contrariada passou a balançar o pé direito de forma ritmada: se ele não lhe deixava ver, também não conseguiria desenhar!
— Noona! - Jungkook soltou um resmungo aborrecido, mas tinha um meio sorriso brincando no cantinho dos lábios: geralmente era ele quem agia como uma criança birrenta, e finalmente podia compreender o que Babi dizia sobre ser quase fofo quando ele fazia o mesmo. Quase, porque Bárbara nunca se enquadraria exatamente neste termo enquanto o encarasse de dentro daquele blusão largo, com shorts que deixando expostas as tatuagens das pernas e, como se não fosse o bastante, lábios preenchidos por um sorriso atrevido cuja visão sempre fazia que que os seus comichassem. Ele já estava se acostumando à sensação, na verdade, de tão constante. Ainda não sabia bem quando cabia um beijo... Ele podia beijá-la sempre que quisesse? Se fosse o caso, não fariam mais nada o dia inteirinho... - Vai borrar tudo... - forçou-se para fora de sua própria imaginação, e parecia tão adorável com aquele biquinho contrariado, que Babi soltou uma risada gostosa antes de enfim sossegar.
— "Vai borrar tudo..." - ela o imitou, de um jeitinho cantarolado, começando a rir porque sabia, antes mesmo que Jungkook erguesse os olhos, a expressão de criança enfezada encontraria em seu rosto - Jungkook-ah! - o gritinho agudo interrompeu a gargalhada no instante em que, com um sorriso maldoso, Kook começou a rabiscar seu tornozelo - Para, garoto! - exclamou, ocupada em tentar livrar a perna das mãos de Jungkook que agora a segurava com mais força, alargando o sorriso ao vê-la se debater e rabiscando ainda mais, perna acima - Argh! - um novo grito se misturou à risada quando ele deixou de lado a caneta hidrográfica para morder de brincadeira a pele exposta do tornozelo da mulher, fazendo a barriga dela doer de tanto rir - da mesma forma como as bochechas dele doíam pelo sorriso.
Eram momentos como aquele que faziam um sentimento engraçada tomar conta do peito do garoto, algo que o deixava com a sensação de que poderia flutuar acima das nuvens, mas também afundar dentro do friozinho que tomava conta de seu estômago. Era incômodo, fazia seu coração bater rápido demais, mas também era gostoso. Algo que só sentia quando estava perto dela. Estar no Mundo de Babi era feito adentrar um universo paralelo em que risadas fora de hora, cabelos de algodão doce, carinhos atrapalhados, silêncios confortáveis e unicórnios se misturavam, e era aquela bagunça que lhe causava o sentimento esquisito.
As vezes ele se perguntava o que Namjoon-hyung teria a dizer sobre aquilo, mas a pergunta morria em sua mente porque não sabia nem mesmo explicar o que sentia. Taehyung era quem mais falava sobre a 'garota-unicórnio', mas Kook sempre reagia com protestos e não gostava de lhe dar ouvidos - afinal, como poderia, se Tae insistia em dizer que estava apaixonado?
— Já tá quase acabando... - ele trocou a caneta azul pela cor de rosa, e continuou seu desenho sob o olhar da artista que, não era novidade alguma, tinha um fraco ridículo pela expressão dele quando ele estava realmente focado em algo. Era espetacular o quão enormes e sedentos do mundo os olhos dele pareciam, e ser expectadora daquilo era um de seus prazeres secretos. E não só dos olhos, mas o sorriso. Céus, o sorriso de Jungkook diante de algo novo e empolgante era um espetáculo à parte. E foi se lembrando de um sorriso em especial, o que ele deu quando se beijaram pela primeira vez, que ela perdeu a noção do tempo, despertando apenas quando o garoto quebrou o contato com sua perna, olhando satisfeito para sua obra de arte - Pronto! - exclamou, falseando um suspiro enfadado, mas soltando uma risada para o modo como Babi recolheu a perna rápido demais, sentando-se em um verdadeiro contorcionismo para ver cada detalhe do desenho.
— Jungkook! - ela exclamou, um sorriso tão grande que Kook se sentiu quase orgulhoso: estava se tornando um hobby, fazer coisas que a fizessem sorrir bem assim - Eu amei! - ela gargalhou, erguendo o pé para pertinho do rosto, examinando cada detalhe do desenho que trazia o Plancton, vilão do Bob Esponja, amassado sob a sola de seus pés. Era divertido, descolado e tão bonito: combinava com ele. Combinava com ela.
— Pra combinar com a sua blusa. - ele riu, referindo-se a uma camiseta da garota, estampada com o personagem tentando sobrar a fórmula mágica do Hambúrguer de Siri. Jungkook a vira com ela há algum tempo, e achara genial. Bárbara sorriu, sentindo seu estômago dar uma cambalhota gostosa e ansiosa. Oh merda.
Aos 25 anos, ela não era mais ingênua: era por coisas assim - o cuidado aos menores detalhes, como se lembrar de uma camiseta que ela usou meses atrás - que as pessoas, ou pelo menos ela, se apaixonavam.
— Kook - chamou com um meio sorriso enquanto subia no sofá, sentando-se ao seu lado. Ele a encarava despretensiosamente enquanto levava um m&m até a boca, mas seus olhos se nublaram com expectativa quando viu os da mulher tomarem o rumo de seus lábios, e deixou o doce ali, preso entre os incisivos. Babi riu baixinho enquanto se aproximava, pegando-o de surpresa ao roubar o chocolate só com a pontinha dos dentes - Desculpa, mas realmente preciso fazer uma coisa. - murmurou, um segundo antes de se inclinar sobre ele, unindo seus lábios em um beijo doce.
É. Talvez Taehyung estivesse certo, afinal.
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DECALCOMANIA • Jeon Jungkook
Short StoryAinda que não fosse capaz de se lembrar da primeira vez em que teve um pincel entre os dedos, Bárbara nunca se esqueceria do dia em que compreendeu, enfim, o que era arte. Até então, sua ideia era que o artístico estava na alma, e não no amor. Afina...