Todos que sobraram do grupo de amigos estavam agora em um pequeno parque de diversões na cidade de Hawkings, acompanhados por Steve e Robin, gargalhando alto de piadas que em um contexto diferente não teriam a menor graça. Mike nunca estivera em um estado de tamanha confusão. Seus pensamentos insistiam em questioná-lo, se contradizendo a cada minuto. Ele chegou em muitas conclusões que foram depois desfeitas, mas a esse ponto, existia apenas uma certeza; ele era imundo.
Mike sempre sentiu algo forte por Will, muito mais do que deveria, sentimentos que em hipótese alguma deveriam ser sentidos de um garoto para outro. No começo, era simples demais; era um amor puro e ele não tinha ideia do que aquilo poderia significar. O tempo passou, e acompanhando o amadurecimento pequenas linhas de raciocínio chegaram com dúvidas bobas, perguntas idiotas com respostas teoricamente tão fáceis que chegava a ser ridículo. Mike sempre teve o incrível talento de calar essas perguntas, mas mais maturidade veio, e as perguntas antes bobas faziam cada vez mais sentido; foi então que ele não mais conseguiu calá-las sozinho, por isso se "apaixonou" por uma garota tão perdida quanto ele, se convenceu de que o que sentia por ela era paixão e o que sentia pelo garoto era um simples amor fraternal.
À medida que a puberdade chegou, seus desejos ficaram cada vez mais sujos e carnais. Mike sempre teve uma imaginação fértil, que agora pregava imagens na sua cabeça de coisas que ao mesmo tempo o faziam querer sair da própria mente e ficar, explorar e deixar que os pensamentos atulhassem seu estômago com borboletas. Os desejos eram, infelizmente, direcionados para pessoas a quem não deveriam ser.
Talvez, se Mike não gastasse toda sua energia tentando negar a conclusão; que era óbvia; ele já estaria no caminho de superar a dúvida que, de uma forma ou de outra, lhe atormentou a vida toda.
"Mike!" Robin disse, arrancando ele de sua reflexão interna atemporal. Ela começou a puxar o garoto pelo braço, o distanciando do grupo. "Tudo bem?" Robin quase nunca perguntava isso para ninguém, ela era provavelmente a única pessoa que Mike conhecia que não usava tal pergunta como cumprimento, ela só perguntava quando realmente estava interessada em saber.
"Sim." Mike respondeu, eles já estavam longe do resto do grupo e das luzes do parque, se situando atrás de uma barraca de comida, onde era escuro demais para ver cores com clareza. Mesmo assim, o jeito agressivo com que Mike ditou a palavra foi mais que suficiente para alguém como a Robin; uma garota extremamente observadora; perceber que ele mentia.
"Você não disse uma palavra desde que chegamos no parque, Mike." completou, mas seguiu sem resposta. Ao invés de o interrogar novamente, ela só esperou, olhando nos olhos escuros do garoto que acabara de voltar de seu próprio universo.
Depois de poucos segundos de silêncio que pareceram para Mike uma eternidade; talvez pelo encarar intenso e constante de Robin ou pelo tempo que teve para pensar no que lhe afligia; uma lágrima desceu pelo lado mais iluminado de seu rosto, eliminando as chances da garota em frente não notar. Ela não precisou dizer nada, Mike já sabia que estava encurralado; não sairia dali antes de deixá-la informada.
"Não é nada demais…" ele disse, secando a única lágrima e desviando o olhar. Depois de hesitar por não muito tempo, continuou: "Eu só fiz muita merda."
"O que exatamente?"
"Eu menti. Muito para muita gente. Para pessoas que eu amo, e machuquei talvez a pessoa mais importante para mim."
"Você pode desmentir, pedir desculpas não precisa se martirizar." Robin falou, fazendo, como sempre, as coisas soarem muito mais práticas e simples do que realmente eram.
"Não é tão simples." Mike respondeu, se esforçando para não chorar de novo, sua voz falhou no meio da frase.
"Por que não?"
"Porque eu nunca falei a verdade para ninguém, eu tenho quase certeza que ninguém gostaria de saber, e sou covarde demais para testar essa teoria." As lágrimas saíram apesar do esforço, ele realmente estava falando isso para alguém? Era inevitável o pensamento de que se Mike falasse em voz alta, tudo se tornaria real, e essa é última coisa que poderia acontecer.
"Covarde? Do que você tem medo, Mike?" Robin disse com um olhar não só simpático, mas também empático. Olhar esse que deu ao garoto coragem suficiente para falar, para tornar real;
"De mim." Ele falou, apesar de tudo. Não faria nenhum sentido, compartilhar um de seus segredos mais profundos, tão bem enterrado que já não via mais luz, com alguém que conhecia há tão pouco tempo; tempo esse que não chegava a um ano. Mas existia algo na energia que ela exalava, algo que fazia Mike pensar que ela gostaria de saber.
O contato visual que antes era estável foi quebrado pelo garoto que por um descuido deixou sua vulnerabilidade escapar. Foram anos de medo contido que transbordaram em lágrimas salgadas e soluços altos apesar das tentativas de silêncio. Robin sustentou o corpo de Mike com um abraço compreensivo, em silêncio nos primeiros minutos enquanto pensava sobre o quão familiar a situação parecia. O garoto a agarrava com uma força quase desesperada e só se acalmou quando notou o ritmo constante que era Robin passando a mão por seu cabelo.
"Tudo bem." Ela sussurrou, tentando afirmar uma segurança que não existia fora daquela bolha. "Isso é sobre o garoto da pasta?" Falou, lembrando-se de ter ajudado Mike junto com os outros a colar desenhos que antes ficavam numa pasta velha e surrada nas paredes do quarto onde Mike dormia. Haviam centenas deles, foram mais que o suficiente para cobrir todas as quatro paredes. Os mais valiosos ficaram preservados ainda na pasta. Ele não respondeu, não precisou. A situação já havia se tornado óbvia, não são muitas pessoas que guardam as centenas de desenhos (e rabiscos de uma época mais antiga) que o amigo produziu. A verdade é que cada traço (ou rabisco) fascinava Mike.
"Tudo bem," Robin repetiu antes de afastá-lo apenas o suficiente para manter contato visual, que dessa vez não foi quebrado, e continuou; "eu também."
Os olhos de Mike brilharam de um jeito que nunca haviam antes, brilho esse que iluminaria o parque inteiro por si só. As lágrimas pararam de descer, mas deixaram um rastro molhado por toda sua bochecha. A garota levantou a mão para secar o rosto dele, rindo discretamente da esperança que era agora clara nos olhos de alguém que não se sentia mais sozinho. Mike devolveu a risada e depois de alguns segundos os dois estavam se abraçando e rindo alto, porque em Hawkins, Indiana depois de anos perdidos, os dois por fim, se encontraram.
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Michael Wheeler não gosta de garotas [byler]
FanfictionEssa história acompanha o crescimento de Mike, que vem carregando há anos o peso que é não poder amar Will byers. [Short fic]