PRÓLOGO - Do Outro Lado do Véu

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Daenerys Targaryen sentia o gosto quente e salgado de suas lágrimas se juntarem com o gosto frio e de ferro de seu sangue. Seu coração batia mais forte e a cada batida, o punhal enfincado em seu coração tornava a dor mais dilacerante. Aquém da dor física, sua maior dor era a traição e a desolação que a abraçavam. – O sangue do meu sangue, o meu verdadeiro amor me traiu e me matou. – Não conseguiu emitir qualquer som, apenas o som ofegante de sua respiração desvanecendo.

As cinzas caiam cuidadosamente em cima de seu corpo e o frio a abraçava. Ela ouvia ao longe o doce e assustador canto do vento uivando nas ruínas da Fortaleza Vermelha e bem ao longe ouviu um rugido de dor de seu filho Drogon. Foi a última coisa que ouviu, até que o frio da morte a abraçou e tudo escureceu.

Seus olhos abriram com cuidado ao sentir o Sol aquecer seu corpo por uma fresta na janela do quarto onde repousava. Sentiu o cheiro de limoeiro invadir o quarto quando abriu a veneziana para sentir mais do Sol em sua pele. O frio da morte parecia uma lembrança distante, como se tivesse acabado de acordar de um sonho, como se fosse de uma outra vida.

Ali estava o limoeiro de suas lembranças de criança, ela estava na casa da porta vermelha, não se lembrava ao certo o porquê e como estava ali, mas havia uma criança com lindos cabelos prateados e moreno pulando para pegar os limões pendidos nos galhos mais baixos.

– Aqui. – Entregou ao belo menino um limão e ele pegou delicadamente de suas mãos sorrindo. Seus olhos eram lilases, seu cabelo prateado e sua pele era levemente acobreada. Seu coração disparou ao reconhecer. – Rhaego. – Lágrimas escorreram de seus olhos quando se aproximou de seu pequeno filho e a pequena criança sorriu e balbuciou algumas palavras na língua dothraki.

Aos céus escutou os rugidos imponentes e as sombras aladas escureceram o Sol ao voar sob a casa da porta vermelha.

– Rhaegal e Viserion! – Ela os chamou e eles rugiram ao ar se aproximando da casa, e então Dany pegou a criança no colo e correu para fora daquela casa através da grande porta vermelha.

Ela não se lembrava direito dos belos jardins que rodeavam a casa, mas lá estavam, havia um caminho de pedras delicadamente acentuadas que culminava numa fonte de dragão escoando água e vapor pela sua boca. Ao redor a grama era verde, com hortênsias de todas as cores ao seu redor. – É assim que a morte se parece então? – Pensou ao olhar para trás e lá estava a grande porta vermelha, aos céus estavam seus filhos dragões e no seu colo o filho que jamais conheceu Rhaego, seus amores, sua única família e habitantes de seus sonhos.

Os dias se passaram e as noites também. Cada dia ela e Rhaego junto com os dragões Viserion e Rhaegal voavam pela imensidão dos céus e avistavam por cima desde o O Mar Dothraki até o Mar de Jade e de lá até a Baia dos Dragões e voltavam para a casa da grande Porta Vermelha. – Se eu olhar para trás, eu estarei perdida. – Pensou toda a vez que pensava em voar para o Oeste, para Westeros junto de seus filhos. – Se eu pensar muito sobre antes, talvez eu não tenha mais o que tenho agora. – Ela sabia que o que tinha hoje era algo além da vida, tinha essa consciência e tinha medo de até isso lhe ser negado e ir para algum lugar perdido no tempo e espaço.

Voltaram para a casa e sentaram-se no jardim enquanto assistiam o espetáculo do Sol se por, com seus raios refletindo nas nuvens e o crepúsculo começar a tomar forma no ar. O vento agitava as flores, que se encurvavam numa dança leve e serena e emanavam odores relaxantes e calmantes. Os dragões rugiam e ficavam junto deles para assistir ao belíssimo espetáculo de luzes e calmaria.

- Sou do sangue do Dragão – O pensamento veio como um baque. – Olhou ao redor e seus filhos haviam desaparecido.

– Oh não! Rhaego? Rhaegal... Viserion? – Gritou levantando-se do jardim onde a pouco era apenas sua morada, tranquilidade e paz. Daenerys sentiu a escuridão atrás de si, e a porta vermelha parecia mais longínqua que nunca. – Oh eu não queria acordar o dragão! – Pensou relutante e se culpou por pensar em Westeros. Pensar em Westeros lembrava de tudo que perdeu, lembrava que Drogon estava sozinho e com certeza estavam atrás da sombra alada que poderia trazer perigo e medo, lembrava da voz rouca daquele que lhe traiu e roubou sua vida, lembrava de seu pequeno conselheiro que no fim também a traiu, lembrou da súbita ira que lhe atingiu como um raio e fez o céu cair sob Porto Real.

Ao mirar a porta vermelha percebeu que estava tão longe à sua frente, e Dany sentiu a respiração gelada atrás de si, aproximando-se pesadamente. Com certeza se a atingisse, teria uma morte que seria mais que morte, uivando para sempre sozinha na escuridão. Pôs-se a correr. – Talvez esse é meu destino, perder tudo inclusive após a morte. – Pensou com lágrimas nos olhos e tudo ao seu redor passou a desmoronar, virar ruínas, mas a porta vermelha, essa resistia.

Tudo ao seu redor era escuridão, mas a porta estava erguida em na sua frente, a porta vermelha, tão próxima, tão próxima, mas o corredor de pedras era um borrão à sua volta e trincava a medida que corria e o calor ficava para trás e o frio passou a acompanhar com seu abraço.

Ouviu ao longe aquela voz conhecida lhe murmurando: – Para ir ao norte, deve viajar para o sul. Para alcançar o oeste, tem de ir para o leste. Para ir em frente, deve voltar para trás, e para tocar a luz, tem de passar sob a sombra.

E agora já não havia pedra, não havia mais céu, sol ou lua. As trincas no chão desapareceram e se tornaram para todos os lados negros. Sombra, tudo ao seu redor era sombra, como Quaithe, a mulher da máscara vermelha lhe dissera quando passou por Qarth, há uma vida.

Ouviu a mesma voz lhe alertando: - Os dragões são fogo feito carne, e o fogo é poder.

Ouviu outras vozes ao fundo, vozes conhecidas, sim, mas não se lembrava ao certo de onde, lembrava-se das profecias: - Filha de três, filha da morte, matadora de mentiras, noiva do fogo. Tantos três. Três fogos, três montarias a montar, três traições.

Passou a ouvir a voz do imortal Pyat Pree que falava através de seus lábios que estavam mais azuis que nunca, passou a ouvir o cântico das vozes fantasmagorias que gemiam e continuavam a ecoar a profecia que lhe tirou a vida, os sussurros passaram a entoar a canção da traição: - ... Três cabeças tem o dragão... Mãe de dragões... filha da tormenta... Três fogueiras tem de acender... uma pela vida, uma pela morte e uma pelo amor... Três montarias tem de montar... uma para o sexo, uma para o terror e uma para o amor... Três traições conhecerá... uma vez por sangue, uma vez por ouro e uma vez por amor...

Ela conseguia sentir o cheiro de casa, o cheiro do limoeiro, o cheiro dos óleos de lavanda que passava nos cabelos de Rhaego a cada manhã ao acordarem, conseguia sentir o odor de enxofre das respirações vibrantes dos dragões, e conseguia vê-la, ali, por trás daquela porta, talvez voltaria para seu sonho de morte para os o grande jardim florido e a casa de pedra que envolvia a porta vermelha e talvez ao passar pela porta, sentiria novamente os braços quentes de seu filho ao redor dela, ali.

Escancarou a porta.

— Escute-me, Daenerys Targaryen. As velas de vidro estão ardendo. Em breve, chegará à égua branca e depois dela virão os outros. Lula gigante e chama escura, leão e grifo, o filho do sol e o dragão do pantomineiro. Não confie em nenhum deles. Lembre-se dos Imortais. Tenha cautela com o senescal perfumado.

Passou pela porta e entrou envolta com mais sombras e com olhos marejados, ao seu redor começou a brotar centenas de rostos de Quaithe e de Pyat Pree para todos os lados na escuridão falando em uma só voz: — Mãe de dragões, filha da morte...Mãe de dragões, matadora de mentiras... Sua jornada não acabou...

E então, Daenerys Targaryen abriu os olhos.

Renascida das CinzasOnde histórias criam vida. Descubra agora