No dia seguinte eu acordei com um suposto princípio de dor de cabeça, não quis arriscar e logo tomei um dipirona. Meu quarto para variar era uma zona completa sem espaços e tudo amontoado. Não tinha plano nenhum, meu pai não estava em casa e no primeiro sábado de manhã livre do ensino médio eu não podia de maneira alguma desperdiçar dentro do meu quarto. Liguei para Lola e marquei de nos encontrarmos na esquina de casa para andarmos de bicicleta. Provavelmente daqui a uns meses, se a minha nota tiver sido boa, estarei em uma boa faculdade, preciso estar saudável para resistir a universidade deteriorando minha saúde mental. Bom, pelo menos era o que a irmã de Maré dizia. "A faculdade acaba com a sua sanidade, rouba sua felicidade e suga a sua alma como um dementador". Talvez fosse ela querendo assustar, mas por via das dúvidas é melhor construir hábitos saudáveis antes de sucumbir a vida universitária.
Quando eu cheguei Lola já estava a dez minutos me esperando, aquele olhar de quem estava queimando no sol e queria puxar meu cabelo.
– Eu não sei porque ainda chego cedo. – Ela estava vestindo um top rosa e uma calça lycra, era muito bom vê-la com roupas que não fossem chamativas demais aos olhos. Estávamos no Rio de Janeiro, andar com aquelas roupas pretas no sol que faz aqui provavelmente são indícios de que se estar perdendo a noção;
– Aonde vamos? – Perguntei.
Ela tomou um gole d'água, pensou um pouco e depois me respondeu. – Vamos até o shopping. Preciso ir olhar uns vestidos mesmo.
Suspirei e fiz uma careta, o shopping nem era tão longe, mas com o sol que estava fazendo com certeza eu iria morrer durante o trajeto. O sedentarismo era o meu maior inimigo desde que nasci.
– Vai fazer essa cara mesmo?
Não tendo outras opções eu acenei com a cabeça relutante e saímos. Eu não gosto muito de bicicletas, não me dou tão bem, sempre acabo batendo em algum retrovisor ou quase sendo atropelado por um ônibus. Minha sorte é que aos sábados o trânsito é mais escasso. Sem os carros enchendo a rua chegamos bem rápido.
– Vamos logo, mais tarde eu ainda tenho que sair, meus pais vão na casa dos meus tios hoje. Só vou voltar às vésperas da formatura, então é o único dia que vou poder olhar os vestidos antes de ter que comparar.
Deixamos as bicicletas no cadeado e fomos até a loja "Le Bella", um nome francês genérico para atrair a atenção das pessoas. Apesar de odiar essas confraternizações, Lola parecia animada, ela tinha um sorriso bobo no rosto. Um funcionário veio até nós, mas com a doçura de praxe de Lola, ela o dispensou antes mesmo do cara dizer o próprio nome. Coitado.
Saímos em busca de alguns vestidos, eram corredores enormes, acho que vamos levar bastante tempo aqui.
– Eu gostei desse vestido. – Disse ela acariciando o tecido.
– Preto? – Questionei.
– Ué, é a minha cor, não acha?
– Quer a verdade? – Olhei sério para ela. – Não. Sua cor é o azul ou o roxo.
Ela olhou para mim como se eu tivesse acabado de falar um absurdo.
– Não curto muito essas cores.
– Disso todo mundo sabe. Sua palheta de cores se restringe ao preto, cinza e branco. Com exceção do seu cabelo que por algum motivo ganhou anistia desse crime contra moda.
Ela olhou para mim como se quisesse me acertar um peteleco. Não liguei.
– É a nossa formatura, vai. Por que não ousar um pouco e vestir algo diferente?
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Micha
RomanceDurante a visita de Michaela e suas amigas ao circo, elas descobrem a misteriosa barraca de uma vidente que supostamente pode adivinhar o futuro. Quando elas decidem participar da sessão, uma visão surge como presságio avisando-as de que um intenso...