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9.

Acordei com uma mão que agitava o meu corpo mole vezes sem conta.

-Baunilla? Baunilla! - ouvi uma voz rouca sussurrar urgentemente.

-Harry, estou a dormir. - virei a minha barriga para baixo juntamente com a minha cara.

-É uma coisa rápida.

Grunhi. - Sim? -abri um olho, encarando-o. Tinha as mesmas roupas de ontem vestidas, o seu cabelo caia-lhe quase á frente dos olhos, enquanto se inclinava sobre o meu corpo deitado, e os seus olhos exibiam cansaço puro.

-Eu estou a ir, era só para avisar. - ele riu, provavelmente da minha cara de atropelamento, quem sabe?

Mesmo assim, o seu riso sabia bem, como uma melodia grave e profunda.

Ele arranjou-se posicionando-se de novo de pé. Ele era deveras alto. Espreguicei-me estalando os ossos, o que já era hábito, e olhei para as horas no telemóvel. Já são 11h?

-Merda. - eu queixei-me um pouco alto demais.

-Ainda me dói a cabeça, alguma piedade, por favor. - ele resmungou prontamente.

-Anda cá. -eu gesticulei, levantando-me nos entretantos e andando até á casa de banho.

Obriguei-o a ficar à porta, que nem um cãozinho, e rapidamente retirei duas aspirinas e deitei-as na mão dele.

-De nada. - sorri vitoriosa, fazendo o meu caminho de volta à confortabilidade do meu sofá.

Amarrei o meu cabelo num rabo de cavalo, vendo o rapaz arranjar o seu cabelo, tomar os comprimidos num só gesto e engoli-los.

Vi em câmara lenta a sua maçã de Adão subir e descer. Obriguei-me a desviar o olhar do Harry.

-Deus. - mexi os meus lábios sem deixar nenhum som escapar.

Inspirei para me acalmar, pensando realmente que ele tinha reparado no meu olhar psicótico sobre o seu pescoço. Mas não.

-Tchau, Babu. - ele proferiu, segundos depois, ao mesmo tempo que os seus passos ecoavam no chão de madeira.

Virei o meu corpo para Harry, acenando enquanto ele abria a porta, antes de me mandar um meio sorriso, típico dele.

- Ah, e na próxima eu não vou beber tanto. -disse.

E fechou a porta.

Próxima?

-

Acabei por me vestir, esquecendo o Harry por um dos períodos mais longos dos últimos tempos. Com uma roupa mais quente, devido ao tempo miserável que se fazia sentir neste dia, dirigi-me para o cemitério.

O cemitério New Groul é um daqueles antigos, construídos a partir de variadas pedras, cobre e ferro. É no geral um sítio melancólico, verde e alaranjado, devido apenas à oxidação dos metais. Não me tomo como uma pessoa religiosa, nunca fui, mas há alguma coisa na morte, que é diferente. Quer dizer, ninguém quer realmente que não haja nada além da vida, só vazio, só escuridão. E eu não sou exceção. Não acredito em nada, mas acredito em alguma coisa.

Eu sou ligeiramente obcecada com a ideia de um dia eu estar ali, debaixo do chão. E tenho medo. Tenho medo de ser uma daquelas campas tristes em que as flores murcham lentamente, sem nunca serem mudadas, até se desintegrarem completamente. Não parece certo.

Então, como a minha mãe sempre me ensinou a apenas fazer aos outros aquilo que gostaria que fizessem por mim, todos os fim de semanas em que tenho tempo, faço a pequena caminhada de seis quarteirões até ao cemitério para deixar uma flor nas campas 'tristes', como eu lhes gosto de chamar.

troublemaker // h.s.Onde histórias criam vida. Descubra agora