Ouve ao longe uma voz macia e acolhedora, enquanto luzes brilhantes parecem transpassar suas retinas. Vagarosamente abre os olhos e gira a cabeça, procurando a fonte de toda aquela iluminação. A sua frente, uma figura desfocada e brilhante oscila até ganhar a aparência humanoide. Dessa vez, os milhares de rostos fundiam-se na figura de um rapaz de cabelos ondulados com uma cor rósea quase perolada. Não era nem de perto parecido com a figura feminina do dia anterior, mas todo aquele espetáculo de luz e dor nos olhos lhe fazia entender que era Lun quem estava ali. Mais uma vez, tudo naquela nave em forma de barco parecia ser realmente único.
– Olá! Como está se sentindo hoje? – Ele pergunta, parecendo animado.
Tenta responder alguma coisa enquanto ainda estava espantando o sono, mas somente alguns sons balbuciados parecem sair de sua garganta. Isso imediatamente lhe traz um frio na espinha. Toda a sua recuperação fora um sonho? Estaria perdendo aquilo que mal havia ganhado? Não, ainda não perdera tudo, pois era com certeza o medo que fazia seu coração querer pular fora pela garganta naquele momento.
– Calma, não precisa se assustar. – Ele segura seus braços, pois aparentemente começara a debater-se em algum momento. – Você só tomou a primeira dose do antídoto, então seu efeito pode passar com o tempo. Agora eu preciso que relaxe, ou a próxima dose não vai fazer efeito.
O medo agora lhe apertar por inteiro, parecia impossível imaginar um jeito de se acalmar. Mesmo assim, tenta pensar em coisas positivas para combater todo aquele turbilhão. Era verdade que ao menos não havia voltado a ser o buraco sem sentimentos e vontades que era antes. Precisava respirar fundo e mandar o medo para longe, então tudo ficaria bem, ou pelo menos era o que esperava.
– Isso mesmo, é só respirar. – A voz de Lang ecoa baixa pelo cômodo. Enquanto não estava prestando atenção, ele havia entrado e já flutuava ao lado de Lun. Ele coloca a mão no ombro do colega. – Quais os seus planos para o procedimento com o antídoto, Lun?
– Vou passar para dosagens mais diluídas até que seu sistema se acostume com o funcionamento normal da espécie. Com essa reação agora, não é muito seguro aplicar outra dosagem completa, pode causar efeitos colaterais perigosos. – Ele puxa a mesma maleta prateada de antes, abrindo-a para revelar dessa vez pequenas ampolas alaranjadas. – Mas primeiro eu preciso que não me toque, ou o antídoto vai flutuar por aí quando eu abrir o frasco.
– Desculpe, força do hábito. – O capitão se afasta de Lun, mas continua pairando próximo o suficiente para observar enquanto ele sacode uma das ampolas.
Ainda não conseguira se acalmar por completo. Concentra-se em Lun, numa tentativa de fazer seu corpo tremer menos. Agora que conseguia ver o antídoto, seu líquido parecia nojento e pegajoso. O pensamento de que aquilo seria inserido em seu organismo lhe deixava um pouco apreensivo, mas era muito melhor do que regredir ao que era antes. Agora que seu cérebro conseguia processar corretamente todos os estímulos que o ambiente lhe trazia, o que menos queria era perder aquele mar de sensações. Mesmo o medo, um dos sentimentos que mais estava presente em sua mente, parecia mil vezes melhor do que a forma apática e artificial que era antes.
– Pronto, acho que já está bom assim. – Lun abre a tampa do frasco. – Agora, você vai precisar beber isso. Como a dose é menor, ela pode ser ingerida oralmente sem problemas.
Ele obedece sem pensar muito. Seus movimentos já pareciam mais duros agora. Precisava do efeito do antídoto ou a ideia de voltar ao que era antes estaria muito mais próxima do que gostaria.
Lun lhe ajuda a tomar até a última gota do líquido. Descia por sua garganta como se fosse fogo. Por mais que parecesse doloroso, não era realmente tão incômodo. Dor era uma coisa a qual estava acostumado, muito mais do que qualquer outra coisa. Escravo de luxo ou não, em raros deslizes recebia uma punição muito maior do que o necessário, normalmente nos lugares que não fossem visíveis para que sua venda não fosse prejudicada.
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Por baixo do paraíso
Science FictionMuitos anos após a destruição da Terra, os seres humanos remanescentes são tratados como escravos e trocados como mercadorias de luxo. Entretanto, um dos poucos escravos restantes é sequestrado e recebe a chance de viver ao lado de uma tripulação au...