Capítulo 2

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Eles se reencontram pela primeira vez na escada. O nascer do sol anuncia o início de uma segunda-feira e uma explosão de verão dissipa os últimos raios de luar. Jisung desce as escadas com pressa para chegar ao trabalho na fábrica e o homem com um cigarro apagado entre os lábios está subindo. Seus olhos colidem, e talvez seus ombros tenham se roçado, e isso é suficiente para que Jisung fique parado no meio de um passo.

Mas o homem não perdeu um segundo para retornar o seu olhar atordoado. Simplesmente continuou subindo, respirando fundo, com o rosto pálido e perolado de suor. Jisung vê suas pernas tremerem e balançarem a cada passo, como se não fossem mais fortes o suficiente para suportar o enorme e invisível peso que carrega sobre seus ombros. Como se tropeçasse e desmoronasse apenas com o menor toque da brisa. A idéia de tirar uma foto desse homem passa por sua cabeça, mas não sabe como rotular a foto, e está atrasado para o trabalho, então segue seu caminho.

Para Jisung, os verões nos subúrbios de Seul são feitos com meias vozes que se entrelaçam à meia-noite e jornais amassados ​​sob beijos leves do pôr do sol. Agora há mais páginas escritas em seu álbum de recortes. Sua vida está sendo construída com colunas de notas negras; Chan e Felix já são mais que amigos, Seungmin encontrou um novo dom, há um estranho morando no apartamento vazio à sua esquerda, e talvez tenham se falado antes. Se conheceram pela última vez nas primeiras vezes em que Jisung abre sua porta e fica cara a cara com pupilas enormes e dilatadas.

- Olá - diz o homem com um sorriso, do qual pendura um cigarro. - Me chamo Minho. Sou escritor. Novelista. Me mudei para o andar do lado há uma semana. Em nome da inspiração, arte, descobrir a pobreza, evitar as aglomerações de jornalistas na porta da minha casa, e assim por diante. O caso é que já nos falamos antes. Duas vezes.

- Oh - Jisung imediatamente se volta para sua resposta usual. - Sinto muito, tenho amnésia anterógrada, então...

- Não se lembra de mim. Eu já sei. Você esquece tudo no final do dia, assim que amanhã também não se lembrará de mim.

Minho dá um passo para trás, abre seu isqueiro arrancando uma chama para acender seu cigarro, dá uma longa tragada e deixa que a fumaça escape, viscosa e branca, entre os dentes.

- Bem, isso não importa. Escuta. Eu tenho que entregar um manuscrito ao meu editor, se você o conhecesse, saberia o quão idiota ele é; Mas o problema é que, se eu não der algo a ele em um mês, ele me dará uma branca das grandes...e, honestamente, estou sem ideias. Bem, na verdade não totalmente. Eu tenho uma idéia. E a idéia envolve...

Jisung não percebe que está prendendo a respiração até tossir pela fumaça.

- Hm, envolve..?

- Envolve você - Minho sorri.

O que acontece com o sorriso de Minho é que é apenas sua boca que se move, então Jisung só vê a bela imagem de uma cara camisa branca e uma sorridente tristeza. Um monte de sofrimento envolvido em dentes expostos e olhos estreitos. Os adjetivos mais bonitos para salpicar uma alma abandonada, os epítetos mais delicados para perfurar um coração hermético.

É o que Jisung aponta no polaroid que faz de Minho naquela noite. Este é Minho, novo vizinho, romancista, de sorriso triste. (17 de julho de 2012). Nós teremos entrevistas. Ele quer escrever um livro sobre mim. Durante o jantar de quarta-feira, Jisung decide que, embora seus rituais diários sejam simples e repetitivos, é melhor assim. Sua memória não dura o suficiente para acompanhar as mudanças a longo prazo, e ele não se cansa de fazer algo que não se lembra de fazer.

- Bem, o que você faz da vida? - Minho pergunta, com uma caneta colocada atrás da orelha e outra entre os dedos.

Jisung diz a ele que trabalha em uma fábrica de brinquedos das nove às cinco, colando pequenos olhos de vidro nas pelúcias de personagens de desenhos animados. Um sopro de artificialidade para uma centelha de vida. Esse trabalho é puramente para ter um apoio econômico, embora Jisung pense que talvez ele tenha acabado por adquirir um certo carinho por seus companheiros e a suavidade das pelúcias, tecidos, seus sorrisos eternamente alegres. O trabalho fornece apenas o suficiente para pagar o aluguel e cobrir suas necessidades. Mesmo assim, está tudo bem, porque tudo fica fixo quando as sete chegam. Às sete, ele vai ao bar para extrair cuidadosamente melodias efêmeras de sua alma. Tecnicamente, é o momento de coletar moedas timidamente no meio de um caos de embriaguez, mas para Jisung, é moldar palavras do nada, o de sopros de fumaça e vibrações da música, olhos fechados e suspiros leves que abraçam as pequenas aparas de serragem no tapete. O momento em que as musas deslizam sobre os dedos de suas mãos e se enroscam ao redor de seus pés. Sete horas é a hora da paixão. Um sonho.

Jisung permite que os duzentos e seis ossos de seu corpo se realoquem enquanto respira profundamente.

- Acho que pode parecer um pouco chato. Mas é difícil saber quando algo parece chato se você nunca sentiu a luz. Se você nunca se sentiu vivo, quero dizer.

- Então você é como um morto-vivo?

- Mais como um fóssil vivo.

Seungmin, seu amigo de infância e que também é cantor no bar, sempre brinca dizendo que como o tempo parou para Jisung há quatro, ele teria vinte anos para sempre. Embora a verdade seja que não era uma piada, e fazia muito tempo que as pessoas pararam de rir.

- Bem, parece engraçado para mim - aponta Minho, largando a ponta de cigarro na lata de cerveja e dando um trago agradecido depois. Jisung tenta não pensar em como ele saberá disso, nicotina e tabaco se afogando em um mar de trigo borbulhante. Em vez disso, conferiu o caderno de Minho, as pequenas linhas ilegíveis de tinta preta que estão espalhadas pelas bordas. Minho explica que eles são para um livro que está escrevendo. Uma história romântica sobre um homem que se apaga no final de cada dia. Jisung pergunta onde está o romantismo. Ele lhe diz para não se preocupar, que os escritores são uns fanfarrões na categoria: basta matar alguém, e a história se torna romântica.

𝐃𝐀𝐘𝐒 𝐆𝐎𝐍𝐄 𝐁𝐘 | minsungOnde histórias criam vida. Descubra agora