Capítulo 3

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Se conheceram pela segunda vez há vinte minutos, quando Minho bateu na porta com um pack de seis latas de Hite e um cigarro saindo entre os dedos relaxados.

-Oi, sou Minho, seu novo vizinho. Nós nos conhecemos antes... - naquele momento, Jisung correu para pegar seu livro e Minho comenta: estou na última página, eu acho. Sou o cara de terno.

Jisung olhou para a fotografia e depois para Minho, e aqui estão, vinte minutos depois: sentados na escada de incêndio, conversando sobre altas filosofias e romances sub-ideais que na realidade Jisung não consegue imaginar. Suas juntas e ombros colidem, o que o deixa desconfortável, e ainda mais o fato de Minho não parecer se importar. De fato, ele parece mais o tipo de homem que não se importa com nada.

- O que quer dizer com "você acha divertido"?

- A coisa mais importante: como se sente tendo vinte anos perpetuamente?

Jisung pensa sobre isso.

- Bem

- Mas você não acha terrível? Está preso no tempo, mas o tempo continua a passar. Você não se lembra das pessoas que aparecem ou das quem saem. O mundo diminui ao seu redor enquanto você está preso no centro. Todos os seus velhos amigos vão embora e você não pode fazer novos. Não pode amar. Não pode odiar.

- Então, o que parece divertido para você?

- É tão triste que é divertido - diz Minho, dando de ombros. - As pessoas tendem a sentir compaixão por pobres almas inofensivas como você. Que carregam um peso sobre-humano e têm pequenas ambições. É como ver uma formiga morrer queimada sob uma lupa e dar gritos de alegria com a tristeza de tudo. É divertidíssimo. Bem, quero dizer, eu ganho a vida espremendo essas sensações até a última gota, mas ainda segue sendo divertidíssimo.

Minho joga a ponta do cigarro entre os dedos e os dois vêem como as cinzas caem por três lances de escada. Uma brisa. Inala o verão e exala toxinas. Jisung toca os dedos das mãos e dos pés e coça as pequenas partes enferrujadas da escada de ferro antes de falar, decididamente, algo que ele não sabe ao certo o que queria dizer.

- Você parece tão deprimido...

- Todos os romancistas são.

- É por isso que você fuma tanto?

Minho escreve "inexplicavelmente bom samaritano e consequentemente, fofoqueiro" na coluna intitulada Traços de personalidade em seu caderno. Fingindo não vê-lo, Jisung lhe dá um pequeno toque para que responda e no final Minho obedece com uma careta.

- Você não precisa saber. Por que não falamos um pouco mais sobre como você...

- Não - Jisung diz com firmeza. - Não, eu quero saber.

- Oh, o livro é sobre você...

- Esta conversa é sobre nós.

Minho abaixa a cabeça, murmurando algo antes de levantá-la novamente com um sorriso neutro que fez o interior de Jisung se mover.

- Certo. Sobre nós.

-De qualquer forma, amanhã eu não vou me lembrar - lhe diz.

Minho afunda as bochechas, sugando a fumaça do cigarro até que o pequeno brilho laranja desapareça e depois deixa as palavras saírem de sua boca com veemência branca.

- Eu vou te dizer o que me deixa deprimido - Minho olha para um ponto distante, e é aí que tudo desmorona. - Eu tenho fibrose pulmonar idiopática. Isso significa que meus pulmões estão cheio de cicatrizes. Estou morrendo. É isso que me deixa deprimido, ok?

De repente, o barulho de vendedores ambulantes e crianças brincando se torna insuportavelmente leve. Jisung olha para os nós dos dedos e percebe como o sangue escorre de seu rosto.

- Em outras palavras, Deus está me sufocando em câmera lenta. Em três anos, meu coração ficará torcido pelo esforço de bombear oxigênio para todo o meu corpo. Vou ter uma falência de múltiplos órgãos. Comer será impossível porque como posso fazê-lo enquanto tento respirar através de um tubo? Para que eu fumo? Por que eu fumo. Por que.

Jisung observa como os nós de seus dedos ficam cada vez mais brancos. Quer que isso acabe. Sente muito. Sente muito e não entende nada...mas Minho tampouco quer que o faça.

- Fumo para morrer o quanto antes. Fumo para que quando eu estiver sedado no hospital eu vá através de um sussurro em vez de um clique. - Minho assente, fala sobre tristeza com itálico cinza. - Mas isso não é divertido, sabia? É simplesmente triste. Eu sou a pessoa mais triste da porra desss planeta. Deprimido, não é isso? - Soa uma risada seca, para acentuar sua raiva monocromática. - Não, estou brincando com você. É divertido. É divertido porque minha vida é cheia disso: você pensa que está escapando, e de repente esbarra em si mesmo. E vinte e dois anos depois percebo que o caminho mais longo para casa é na verdade o caminho mais curto, e que ando em círculos desde o início. É engraçado, né?

Nenhum deles ri, apesar de Minho bufar quando Jisung termina a conversa murmurando: "Amanhã eu vou ter esquecido"

Sua entrevista continua até as sete. Jisung canta esta noite, como qualquer outra, mas as palavras e tons vêm de sua boca, não do coração; E tudo o que lembra é fumaça. A dor líquida que penetra nas costuras de Minho.

Ele volta para casa depois da meia-noite e coloca um post-it na parede, um amarelo brilhante no meio de todos os outros para que não passe despercebido amanhã: "Pegar um bicho de pelúcia do trabalho. Deixa-lo na porta do apartamento ao lado. (19 de julho de 2012)"

Jisung volta para casa após sair do bar, dois dias depois, para encontrar um esquilo de pelúcia à sua porta. É o mesmo bicho de pelúcia que costura no trabalho, e se o olhar com muita firmeza, tem quase certeza de que foi si próprio quem acertou aqueles olhos, porque ele é o único que administra a supercola com tanta maestria. Há um cartão de agradecimento embaixo que diz, com uma tinta preta raivosa: "A compaixão é um presente caro demais quando se trata de alguém que não pode se importar com nada".

Não tem idéia do que essas palavras significam, mas a fisgada que sente no coração é forte demais para ser ignorada. De repente, todas as melodias e ritmos desaparecem em um silêncio esmagador. Hoje à noite há um escândalo de risadas estridentes e irregulares, que quase soluça, no apartamento ao lado. Uma multidão de vozes e conversas, com gritos vagos de Woojin, Minho, Changbin sob o zumbido das garrafas nunca vazias de uísque e vodka. Ao passar na frente do apartamento para tirar o lixo, Jisung captura a imagem fugaz de três rostos lindos flutuando atrás das cortinas, eles se parecem com velas em um castiçal, o aroma áspero de álcool, água de colônia e luxo.

Seu próprio apartamento parece particularmente desolado no momento. A escuridão engole todas as paredes e cantos. Reescreve todos os seus post-it em verde, tirando do azul, e naquela sexta-feira passa com os cliques silenciosos da caneta no papel cor neon.

𝐃𝐀𝐘𝐒 𝐆𝐎𝐍𝐄 𝐁𝐘 | minsungOnde histórias criam vida. Descubra agora