Lar

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1 ano depois

"Você tem certeza, Chae? Não quer ficar um pouco mais?", Im não podia conter as lágrimas de despedida.

"Eu já fiquei tempo demais, Nayeon, chegou a hora de recomeçar", diz ela.

Jeongyeon fecha o porta malas do carro e se aproxima das duas para avisar que estava na hora de partir. Im Nayeon não queria que Son Chaeyoung deixasse a residência do casal onde ela viveu os dois últimos anos, mas era fato que a menor precisava seguir em frente. "Ela não vai voltar, mas você ainda está aqui", costumava dizer Yoo. Estava mais do que na hora da jovem encontrar um lugar para si, ainda mais agora que estava aos poucos voltando a trabalhar.

"Fique bem, minha amiga", Nayeon a abraça forte.

"É um apartamento grande e com vista para o parque, eu vou ficar muito bem", Son ri.

"Sua cretina, eu queria morar em um desses mas a Jeong prefere casa".

"A casa que a Chaeyoung construiu para nós.", lembra Jeongyeon. "Ela vai ficar ofendida desse jeito".

"Não vou, não se preocupem. Podemos ir agora?".

Yoo acena com a cabeça e adentra o Versa azul, sinalizando para que a mais nova se sente no banco do carona. Há um último aceno para Nayeon antes do carro desaparecer pela rua. O novo apartamento ficava em um bairro distante daquele, exatamente como Son procurava. Não que ela não gostasse de morar com Jeongyeon e Nayeon, ou não gostasse do bairro. Era tudo muito recheado de lembranças e na maioria das vezes, ruins. É claro, as boas estavam sempre lá. Chaeyoung e a esposa costumavam morar no mesmo bairro que as amigas, estavam sempre visitando a casa uma da outra. Era como um grande família.

"Você vai sentir falta daqui?", pergunta Yoo enquanto dirige.

"Apenas das coisas boas", responde Chaeyoung.

Son tira um pequeno cochilo até sentir o movimento do carro diminuir. Jeongyeon estava estacionando em frente ao prédio, onde a nova moradora parecia ansiosa para morar. Tinha alugado a cobertura, queria um lugar de onde ela pudesse ver toda a cidade — e talvez, se jogar lá de cima. Era uma possibilidade que se passava pela cabeça da jovem, infelizmente. Ela negava a Nayeon que estava pensando sobre algo do tipo, mas desde que perdeu a pessoa que mais amava, a morte parecia uma espécie de convidada de honra. "Entre, não gostaria de uma xícara de chá antes de prosseguirmos?", faz a piada em seus pensamentos.

Jeongyeon ajuda Chaeyoung a subir com as três pesadas malas de roupas e equipamentos de trabalho, boa parte de suas coisas já estavam no apartamento, o restante ela conseguiu enfiar nas malas de viagem de Im. "Você tem muita tranqueira, você devia se tratar!", dizia Yoo. Son não se considerava uma acumuladora compulsiva, não costumava ser uma prática que ela carregava consigo. Desde a morte da esposa, as coisas pareciam ter um significado grande para Chaeyoung, que se apegou a muitas delas. Uma roupa, um jornal, um copo que a falecida tocou em algum momento, tudo era lembrança, tudo a torturava, tudo estava guardado porque ela não sabia como dizer adeus.

"Você liga se precisar de algo?", pergunta Jeongyeon.

"Com toda certeza".

As duas se despedem de forma rápida, Yoo odiava chorar na frente das pessoas e confessar que despedidas eram seu ponto fraco. Pela janela da espaçosa cobertura, Son acompanha sua melhor amiga se afastar de volta para casa. O dia parecia perfeito para recomeçar.

• • •

Faltavam sete minutos para o relógio avisar a chegada da meia-noite, Son Chaeyoung adormeceu no sofá de couro preto enquanto assistia a temporada de tênis na televisão. Ela sempre foi bagunceira, nunca tentou negar isso. Algumas embalagens de comida se espalhavam pela mesa de centro e pelo tapete pêssego. No sofá, restos de pizza e uma garrafa de cerveja estava encaixada debaixo do braço da jovem. Ela costumava levar um tempo para se sentir a vontade, mas não desta vez, aquela era sua casa agora. No fundo ela agradecia por não ter mais Jeongyeon, a maníaca da limpeza, pegando no seu pé. "Ela teria surtado vendo essa bagunça", pensou minutos antes de apagar.

Quando o relógio de cuco anuncia o início da madrugada, a moça desperta com a claridade da TV. "Está passando O Sexto Sentido de novo?", se pergunta. "Todo mundo já sabe que o menino vê gente morta o tempo todo!". A porta de entrada bate com força, fazendo com que Chaeyoung saltasse do sofá. Ela estava certa de que havia trancado-a mais cedo e a única pessoa com a chave era a corretora. No meio de sua bagunça, havia um taco de golf.

"Se você estiver aí, saiba que estou armada!", avisa, segurando com força o taco.

As luzes se apagam, deixando Son completamente em pânico. "Vou morrer no meu primeiro dia aqui, sério?", pensa. Antes que ela pudesse dar um passo, a iluminação está de volta e trazendo consigo uma companhia.

"Isso sempre acontece nas tempestades", resmuga uma mulher de costas. "Eu- AHHH!"

"AHH!", grita Son junto com ela.

"QUEM É VOCÊ?"

"Eu é quem te pergunto isso!"

"Eu quero que saia da minha casa agora!", ordena ela. "Antes que eu chame a polícia para você."

"Sua casa?", Chaeyoung ri. "Esta é minha casa, eu estou morando aqui."

"Desde de quando?"

"Desde hoje!"

Son pega as chaves e as balança, mostrando a estranha que ela tinha permissão para estar ali.

"Não, não. Esse apartamento é meu!", ela se aproxima. "E que bagunça é essa? Meu Deus, parece um chiqueiro! O que mais você fez?"

"Ei, você não pode-"

A jovem entra em um dos cômodos e misteriosamente desaparece. Son anda por todo o ambiente procurando a invasora, mas não havia sinal de sua presença. "Ok, estou ficando maluca", Chaeyoung esfrega os olhos. Ela volta ao sofá, onde encosta e fecha os olhos mais uma vez, ainda imaginando que tudo não se passava de um sonho esquisito.

"Olha, eu não sei quem te deixou entrar mas você vai ter que sair!", a voz retorna.

Son dá outro pulo do sofá.

"Você é maluca, eu não vou a lugar algum!"

"Não? Eu vou ligar para a polícia."

A coisa se tornou ainda mais estranha, já que a mulher de face rosada não conseguia segurar o telefone em mãos. Era como se seus dedos atravessassem a matéria, algo que Chaeyoung nunca havia presenciado antes.

"O que você fez com o meu telefone?"

"EU NÃO FIZ NADA!", se irrita Son. "Será que você pode por favor sair?"

"SAI VOCÊ!"

Ela corre em direção a Chaeyoung, tentando empurrar a menor pela janela. Seu corpo atravessa o da pequenina e some através do vidro, mais uma vez desaparecendo do ambiente. "O que diabos acabou de acontecer?", pensa.

Na TV, a frase clássica do filme da madrugada ecoa por toda a sala.

"Eu vejo gente morta...", diz o menino.

"É, acho que eu também.", conclui Son Chaeyoung.

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