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Meu dia tinha começado extremamente bem e eu não acreditava que um simples post-it colado na tela do computador poderia estragar minha felicidade.

Na balança de coisas boas estavam a corrida matinal que eu não tinha adiado por pura preguiça, o café da manhã saudável que não estragava meu Projeto Verão e a brisa fresca que tornava aquele dia de janeiro menos insuportavelmente quente. Eu não tinha pegado trânsito e era a sexta-feira do mês em que Theo vinha me visitar em Porto Alegre e passar o final de semana comigo.

Mas mesmo eu tinha problemas e aquele post-it apenas deixava tudo muito claro.

Suspirei e fechei os olhos após recostar a cabeça na cadeira, mentalizando os exercícios da aula de yoga e tentando não surtar e deixar que aquele pequeno lembrete arruinasse a animação e felicidade do meu dia. Afinal, eu precisava mesmo comparecer àquele jantar? E por que, diabos, meus pais insistiam naquela confraternização todo mês? Eu sempre deixava claro o quanto aquilo não era do meu agrado e minha mãe sempre trazia o mesmo discurso sobre responsabilidade.

Eu era a única filha de Alberto e Márcia Albuquerque, donos de uma das maiores redes de imobiliárias de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Ao contrário do que meu pai havia desejado, eu não havia me formado em administração e não pretendia assumir o negócio da família. Não completamente, pelo menos. Me formara em marketing havia dois anos e trabalhava naquele ramo desde o primeiro semestre da faculdade. Primeiro eu havia estagiado e, após a formatura, assumira o controle do setor de marketing das quatro imobiliárias que pertenciam à minha família. Eu não queria e não iria lidar com a papelada do administrativo e, mesmo que meu pai tivesse sido contra a ideia de deixar o controle daquela área da empresa para os filhos de seus sócios — que ele considerava seus afilhados, de qualquer forma —, ele havia aceitado as minhas decisões e hoje me apoiava completamente, já que entendia que eu não seria feliz fazendo qualquer outra coisa.

Mas aquilo não me dava o privilégio de faltar aos jantares, mesmo que meu setor não fosse responsável por qualquer parte administrativa. Desde que eu me entendia por gente, meus pais organizavam jantares mensais com os melhores amigos da família, que também eram sócios da empresa. Era uma forma de manter a amizade e o amor pelo negócio firme e forte, e eu precisava admitir que funcionava. Em vinte anos, eles nunca haviam tido nenhuma briga e os negócios sempre iam de vento e popa. Eu já não podia dizer que tinha o mesmo relacionamento com os filhos deles.

Aproveitei os segundos de introspecção para atualizar meu Instagram com uma selfie que havia tirado antes de sair para correr e observei as curtidas e comentários serem notificados por alguns instantes, me sentindo completamente satisfeita com o resultado. Eu tinha muitos seguidores nas redes sociais e fazia parte daquela parcela da população que não postava uma foto caso ela não combinasse com as outras fotos postadas. Não via nenhum problema em expor a minha vida na internet, desde que sempre estivesse me sentindo bonita. Gostava de receber elogios e de sempre manter minhas redes sociais com fotos bem editadas e postagens interessantes. Nada de política ou qualquer coisa que pudesse me dar dor de cabeça; apenas fotos onde minha maquiagem estava impecável e minhas roupas pareciam ter saído de um catálogo de moda. Aquela era a casca que eu mostrava para o mundo e gostava de ser elogiada por ela.

Tinha muita coisa para fazer. Estávamos com uma promoção de Carnaval e a campanha de marketing precisava estar impecável; afinal, precisávamos vender algumas casas e apartamentos para manter o faturamento do mês — era o que meu pai dizia, já que eu não entendia nada de contas. Mesmo com tanto trabalho acumulado, eu me daria ao luxo de gastar alguns minutinhos para falar com meu namorado antes de não poder mais ignorar o post-it e adiar a ligação para a minha mãe.

— Fugi de uma reunião para falar com você — Theo murmurou assim que atendeu à chamada, carregado de sotaque, algo que eu achava um charme. Ele era fluente em quatro línguas, mas o sotaque carioca sempre entregava o lugar onde havia crescido.

— Interrompi o trabalho para atender à ligação. — Me recostei na cadeira para rodopiar nela. Eu fazia aquilo quando estava entediada. Ou nervosa. Ou ambos.

— Estou ansioso para ver você — Theo sussurrou. — Senti sua falta todos os dias desde que entrei no avião e deixei Porto Alegre no mês passado.

Nos víamos apenas uma vez por mês, por conta do trabalho e da distância entre os estados, e eu não aguentava mais de vontade de vê-lo e tocar nele. Odiava aquela realidade, mas sabia que era um obstáculo que precisávamos enfrentar e que apenas mostraria o quanto nosso amor era forte.

— Eu tô contando os minutos pra sair daqui e ir te buscar — confessei com um sorriso.

— Eu percebi, já que você não começou a trabalhar ainda, que eu sei — ele falou e eu soube que ele estava sorrindo. Acabei rindo.

— Posso me dar ao luxo de enrolar um pouquinho porque sempre sou a primeira a chegar e a última a ir embora. — Dei de ombros para mim mesma. — E espero que já tenha desistido da ideia de ficar em um hotel. — Estalei os lábios de forma insatisfeita.

Estávamos juntos havia quatro meses e, a cada visita de Theo, eu precisava lembrá-lo de que ele não precisava se hospedar em um hotel quando eu tinha um apartamento inteiro apenas para nós. Ele insistia um pouco, até eu vencê-lo no cansaço e ele se deixar ser mimado por mim. Eu não me importava em pagar pelos jantares ou dividir o apartamento com ele, principalmente quando Theo estava economizando para comprar um apartamento em Porto Alegre para estar perto de mim. Ele queria um bom apartamento, mas seus pais — com quem eu nunca havia conversado nem pelo telefone — não apoiavam a decisão dele de se mudar. Não apoiavam nosso namoro e, por este motivo, estavam fazendo da vida de Theo um inferno.

Visando fazê-lo desistir da mudança, haviam diminuído o salário dele, cortado suas férias e encurtado seu expediente para que todos os cortes fossem regulares dentro da lei. Theodore se negava a fazer uma queixa formal no Ministério do Trabalho e eu só podia apoiar as decisões do meu namorado, mesmo que achasse tudo aquilo um absurdo. Então eu o mimava como podia, mesmo que às vezes exagerasse um pouquinho — como quando comprei um monte de roupas para ele, e enviei pelos Correios, e tive que ameaçá-lo para que não recusasse a entrega.

— Eu nem mesmo fiz uma reserva, porque sabia que você não iria desistir. Nunca desistiu. — Ele riu fraco.

— Eu amo como me conhece tão bem. — Eu sorri largo.

— Preciso voltar para a reunião. — O resmungo insatisfeito estava ali e eu torci os lábios. Queria continuar ouvindo sua voz por mais algumas horas, apenas para sufocar a saudade no meu peito.

— Bons negócios — desejei e, após uma despedidacarinhosa, me vi obrigada a mandar uma mensagem para a minha mãe e confirmar onosso almoço.

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