Os Demônios

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O silêncio imperou opressor por alguns segundos após a pergunta ousada e imprópria de Hector. A parte racional do cérebro do garoto lhe advertiu que ele estava falando com a princesa de todo o reino de Solstício dentro do seu castelo, portanto, lhe devia respeito e a devida cortesia. Uma pergunta mais urgente martelou em seu cérebro causando ainda mais estresse.

­― Por que você se importa?

O pensamento o enfureceu mais do que lhe ajudou e o garoto passou a sentir as batidas de seu coração irado, em suas têmporas, lembrando-lhe que estava próximo de um colapso.

Helena estava parada, inerte, respiração suspensa e tão pálida como um fantasma. Todos na cozinha haviam parado suas tarefas e o único som que se ouvia, era de uma panela com água fervente em algum lugar atrás de Amélia. Hector foi poupado de um constrangimento ainda maior quando o rei Adrião surgiu de rompante cozinha adentro, esbaforido, sorridente com suas roupas opulentas e a barba negra por fazer. Aparentemente rei e princesa estavam brincando pelo castelo como pai e filha, algo que Hector sabia que Helena adorava em seu pai.

― Hector meu bom rapaz, há quanto tempo não nos vemos? Como estás?

Hector conseguiu lembrar-se de suas boas maneiras bem a tempo de fazer uma mesura respeitosa e responder com calma controlada e cortesia apropriada.

― Vossa Majestade! Estou bem, muito obrigado!

Todos na cozinha voltaram a seus afazeres apagando qualquer indício do que havia acabado de acontecer.

― Seu pai veio com você hoje?

― Sim senhor, está lá fora conversando com os guardas!

― Bem, acho incrível como o ajuda! Helena sempre falou muito bem de você meu rapaz. Meus guardas me contaram que você anda lutando na Taverna do Porco?

Hector sentiu-se estranho ao saber que o rei Adrião tinha conhecimento de um detalhe como aquele. Mesmo Hector ganhando boa reputação entre os lutadores, não achou que o rei de Solstício prestasse muita atenção ao que os súditos faziam em suas horas vagas, por outro lado, o garoto supôs ser prudente para um rei, manter as atividades dele sob vigia, afinal, ele era amigo de sua filha e um plebeu, uma amizade muito improvável que Hector sabia já ter metido Helena em alguns problemas.

― Sim Vossa Majestade, eu descobri que as lutas são uma boa forma de descontar algumas frustrações da vida!

Por sua visão periférica, Hector conseguiu ver uma leve indignação surgir na expressão de Helena enquanto uma pequena onda de satisfação o preenchia, ele sabia que não era aconselhável ser tão ousado perante um rei e sua princesa, mas não conseguia evitar.

― E que frustrações um garoto de sua idade poderia ter?

O tom do rei não revelava qualquer chateação, portanto Hector deduziu que o rei Adrião não havia se ofendido.

― Coisas triviais meu senhor, garantir um pouco mais de comida para meus pais e irmãos, ajudar alguns amigos queridos, esquecer algumas traições.

Foi preciso toda sua força de vontade para controlar o impulso de olhar para Helena. Hector se amaldiçoou logo que pronunciou as palavras, precisava sair dali o mais rápido possível antes que falasse demais, estava tentando se manter calmo e no controle de si mesmo, porém, estava perdendo a guerra.

― Traições constroem sua força Hector. Quando você descobre que o ser humano é capaz de qualquer coisa, você deixa de criar expectativas e começa a criar alternativas, começa a pensar que tudo sempre será um recomeço e desde que você não seja o lado errado da história, você pode simplesmente pegar o aprendizado e seguir em frente.

Entre Reis e Demônios - A Filha do TempoOnde histórias criam vida. Descubra agora