Uma Parte

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Por um momento angustiante, Hector teve certeza que sua alma seria partida em pedaços infinitos e espalhados pela escuridão cósmica e claustrofóbica em que ele estava imerso no momento. Estava vagamente ciente de seus amigos segurando seu ombro, mas não sentia de fato o toque em sua pele. Após o que pareceu uma eternidade, seus olhos vislumbraram uma pequena chama verde cálida, perdida em um mar de trevas. Ele agarrou-se a imagem e então caiu de joelhos no chão de pedra bruta sem a menor delicadeza, antes que pudesse processar qualquer informação, ouviu o retinir de várias lâminas sendo desembainhadas e ergueu o olhar calmamente.

― Quem são vocês?

Estavam cercados por várias pessoas vestidas em túnicas negras de tecido grosseiro, com abraçadeiras de couro cobrindo os antebraços e bainhas de espadas vazias, lâminas de aço negro apontadas para gargantas, cabeça e tronco, um movimento em falso e Hector sabia, em seu âmago, que perderia sua vida. A ponta gélida de uma espada de fio duplo, pressionou um pouco mais sua garganta, enquanto a pessoa que estava a sua frente exigia mais uma vez atenção e repetia a pergunta com uma calma fria e calculada. Hector notou que se tratava de uma garota, não muito mais velha que ele próprio, talvez até mais nova. Cabelos negros como azeviche e lisos como uma superfície polida. Os olhos verdes como duas esmeraldas brilhavam ameaçadores na meia luz do local, que Hector ainda não havia observado os detalhes.

Forçando sua própria voz a sair, o garoto respondeu:

― Meu nome é Hector. Estes são Luke e a Alixia, fomos enviados pela Sacerdotisa Sara.

Luke aproveitou aquele momento para vomitar nos pés da garota ameaçadora que estava parada com a espada pressionando o pomo de adão de Hector. Por alguns momentos o único som que se ouviu foi o do esforço de Luke para se acalmar. Quando finalmente ele conseguiu, ergueu os olhos cheios de lágrimas e abriu um sorriso coberto de bile enquanto falava:

― Por favor, não mata a gente!

Após as corajosas palavras, Hector viu o amigo desmaiar. Alarmado e agindo meramente por impulso, o garoto tentou segurar seu amigo, mas acabou com um pequeno corte onde a ponta da espada estava pressionando seu pescoço. Irritado ele falou:

― Com todo respeito, senhorita...

― Caroline! Meu nome é Caroline.

― Com todo respeito Caroline, nós fomos enviados pela Sacerdotisa Sara, não sei se isso faz muito sentido pra você, mas deve ter alguma maneira de confirmar o que estou dizendo, então, se você puder...

A espada foi retirada do pescoço de Hector, mas não foi embainhada, o que ele fez questão de notar. Não se sentia seguro mesmo sem a lâmina a poucos centímetros de tirar sua vida, sentia o pequeno filete de sangue escorrendo por seu pescoço e os intensos olhos de Caroline pareciam perscrutar cada canto da alma de Hector, vasculhar todo tipo de memória dentro da mente do garoto e expor todos os segredos dele.

― Suas palavras fazem todo sentido Hector, mas não podem ser verdade.

Hector tentou se levantar de novo, mas a mão forte de Alixia segurou-o. Ele a encarou por alguns segundos, claramente irritado por ter sido parado. A garota limitou-se a balançar a cabeça e tomou a palavra:

― Por que não pode ser verdade?

― Muito simples, a sacerdotisa não sai do templo para nada. As raras ocasiões ao longo dos séculos em que ela se dispôs a fazer isso, foi...

― Em situações que os mundos estavam à beira de um colapso ou sofrendo ameaças sem precedentes. Estou certa?

Todos os outros que estavam no local baixaram as armas e olharam para Caroline que permanecia impassível encarando Hector e Alixia. Luke gemia constantemente no chão, aparentemente estava sonhando com algo alegre. Hector não conseguia acreditar que o amigo pudesse sonhar depois de ter vomitado nas botas de uma mulher armada.

Entre Reis e Demônios - A Filha do TempoOnde histórias criam vida. Descubra agora