capítulo 1

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A luz secava o espaço, exaltado de calor sem a clemência da umidade. O menor ruído estalava no silêncio complexo. No jardim da sua casa, no morro da glória.

Thereza agitava-se a cada vibração sonora. Os aromas em liberdade a invadiam e a faziam estremecer. Deu uma risada, que sacudiu o ar e a espantou, quando sentiu uma onda mais forte de cheiro de jasmim, que lhe tivesse vindo no próprio som. 

—Oh! Seu jasmim romântico, meu velho jasmim lá das Laranjeiras! Oh! Saudade das minhas
gavetas cheias de jasmim. Que sol danado I Aqui na sombra uma delícia, a pasmaceira quotidiana. Esta é a minha Bahia de cada dia... o pão nosso de Thereza. Nas Laranjeiras era o Corcovado nas minhas costas. Aqui a água me barrando os olhos. Prisioneira eterna. Esmagamento infinito. Mas fui livre, quando pequenina, na grande chácara, no meio dos bichos, que eram os companheiros, cada qual mais idiota. Deixaram-me a impressão de estupidez permanente. Sempre fazendo a mesma coisa, como o meu marido.

 Lá vai um barco a vela, medroso como meu marido, e lá ao longe um vapor insolente, como
alguém que ainda não encontrei. Para aonde vão? Capaz de ir para bem perto, para Santos, mas eu desejaria que fossem para a Islândia. Muito longe, muito gelo, diferente de tudo isto. E eu não fui á Europa I Incrível! Toda a gente vai e volta e eu sempre pregada aqui.

Quando eu era pequena, papai não podia deixar o Brasil. Tinha a casa de negócio, parecia-lhe que sem ele tudo quebrava. Trabalhador como ele. E não era português. Bem brasileiro, de velha família do Rio de Janeiro, filho de fazendeiro rico de Valença, café, casa de comissão, chácara, teatro lírico e lá ia mamãe sempre ao seu lado.
Era bonita, muito suave, prosa que só ela, muito sensível para papai, que era seco. E generosa! Mas não foi á Europa. 

Eu preciso sair daqui, preciso respirar. O outro também é só banco. Acho tudo idiota. Que ordem vai por este jardim! Monotonia. Vou acabar com estes canteiros, fazer um jardim livre. Já é um martírio viver-se e ainda em cima prisioneiro em banquetas, canteiros e
caramanchões. Nada. Vou transformar isto em cousa selvagem, que tudo volte ao primitivo, as rosas percam esse cheiro saboroso de perfumaria, e o jasmim cheire a mato. 

Ah! 1 vão ver que sou capaz. O diabo é o barulho, que vai haver. Já estou tremendo. Tenho raiva de ser tão covarde! No tempo de papai e mamãe eu era mais decidida. O velho pouco aparecia e pouco se metia comigo. Mamãe mandava muito. Devo-lhe uma coisa, ter estudado com força.

 Meu Deus como eu me desforrava em ler! 

Também não tinha irmãos, poucos parentes meninos, mamãe não queria amigas, não andei em colégio, tudo em casa. A gente que vinha era mais velha, não era mau, eu aprendia com eles e adivinhava. Religião pouca, mamãe tinha horror a padre. Papai era Maçon e lá ia às quartas-feiras á festa do bode, como dizia titia, a Carola, papai não se importava e ia saindo. 

Era irmã dele, viúva cacete e sem filhos. Morava na fazenda... Tudo morto. Como se morre nesta terra l Mais outro vapor e a tal barca a vela sempre parada. Tenho vontade de assobiar para lhe chamar vento. Dá uma aflição a imobilidade. 

—Oh! Vento tu és tão forte que derrubas a parede? Oh! Parede tu és tão forte que tapas o sol? Oh! Sol tu és tão forte que derretes a cera, a cera que prende. o meu pezinho? Mas não há vento e tudo está morto. Só aqueles que têm a força em si mesmo, é que se agitam e se vão. Tu, vapor poderoso, atrevido, vai, vai! Se voltares um dia, encontrarás neste mesmo lugar esta pobre Thereza, que te perguntará que viste neste mundo largo, enquanto ela ficou presa aqui, firme diante da Bahia, com a barra nos olhos e o morro nas costas... Vai, vai e volta! Ah! Não pensa que eu choro! 

Coragem é aqui. Suportar tudo, calada, mansa por fora. Mamãe dizia: esta menina é sonsa, vontade é ali, mas não tem coragem.

Mas mostrei que tive para me casar. Ah sim! Fui decidida.
Estupidez, eu sei, desgraça, eu sei, mas bati o pé e casei. Oh! Tempo quente lá em casa! O velho não queria, achava o tipo imbecil, mamãe implicava com os salamaleques do sujeito, sempre engasgado. O negócio foi arranjado pela irmã de papai, que conhecia a mãe do tipo, e este a bajulava. Papai era rico, eu filha única, desconhecida, retraída.

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