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Alec jogou o pano na mesa e me encarou com os olhos arregalados de raiva e indignação.

— Não me compare com o seu pai, Maiara! — esbravejou, com os olhos brilhando de ofensa. — Você sabe que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Ele teria te estuprado! Como eu poderia reagir pacificamente à isso?

— Sim! Mas você acha que ver aquela cena logo em seguida iria me ajudar a ficar bem e me sentir segura? — rebati, com a voz elevada. — Eu tive uma crise de pânico, por isso desmaiei. — Adicionei, carregada, só para irritar: — Você sabe como elas funcionam, né?

Alec me fulminou com o olhar, impacientemente.

— É claro que eu sei, Maia. A pessoa entra em um estado forte de ansiedade, com medo de sentir as mesmas sensações que sentiu na situação traumática. Ou simplesmente começa a sentir. Pode ocorrer em lugares aleatórios ou em situações semelhantes com a que causou o trauma.

E, devo admitir, ele falara aquilo com uma eloquente propriedade. Alec sentou em sua cadeira, com as pernas estiradas e um biquinho contrariado. Sabia muito bem o que tinha causado. Apenas prossegui:

—Desde que papai morreu, eu tive vários desses ataques. Até que comecei a fazer tratamento psicológico e consegui superar. Depois de anos sem passar por aquela merda, ontem foi o grande dia. Por que será? — perguntei amarga.

Ele escutava com pesar no rosto, mas o final o revoltou:

— Eu não vou pedir desculpas por ter feito aquilo, não me arrependo — constatou, sua mais plena verdade. — E não fale come se eu tivesse agido igualzinho à Victor Ibrahim.

— Como não? Pareceu demais! Ontem à noite e agora, está descontrolado!

Alec soltou um som frustrado. Passou as mãos no cabelo, tentando se acalmar.

— O seu pai era um doente, eu tava batendo em alguém que fez mal para você. Você sabe que não é a porra da mesma coisa. Eu perdi a cabeça, tá bem? — admitiu. — Eu só... perco a cabeça com essas coisas.

— Precisava começar a bater nele depois? Não dava para ir lá falar comigo, me trazer pra cá?

— Eu tinha que fazer ele pagar. Imagina quantas vezes ele já não deve ter feito algo do tipo? — tão, tão triste, e ao mesmo tempo tão enraivecido, quase colérico: — Mereceu cada gota de sangue derramado, só por ter feito você sofrer, por ter feito outras sofrerem.

—Eu estou pouco me fodendo para todos os acertos de contas que você se sente na obrigação de executar, só não faça na minha frente! — aleguei com a voz elevada, meio desesperada. — Você sabe pelo o que eu passei, como achou que eu iria reagir? Batendo palmas e chamando de meu herói?

Seria meu herói se simplesmente tivesse me tirado de lá.

Falar sobre meu pai sempre foi um assunto muito delicado entre nós, agora, com pouco mais de 6 anos lacuna, parecia pior ainda. Alec suspirou, exasperado, e ajeitou a coluna. Seus olhos procuraram e seguraram os meus enquanto falava:

— Olha, eu sinto muito por ter feito aquilo na sua frente, e é por isso que estou pedindo desculpas. Não por ter feito, porque faria de novo — Verdade, verdade, verdade. Cada palavra carregava a verdade dele em sua essência. Engoli em seco. — Me descontrolei e teria ido longe demais de não tivesse escutado você gritar.

— Eu gritei? — assombrei-me. Não era assim que lembrava dos fatos.

— Sim, bastante — seu olhar caiu com a tristeza, com vergonha. — Acabei escutando e lembrando que estava lá... assistindo aquilo. Parei e fui até você. E aí você desmaiou.

Onde os Demônios se EscondemOnde histórias criam vida. Descubra agora