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Aslan Jade Callenreese nunca havia conhecido a importância de amar e ser amado.

Sua mãe foi embora quando não possuía idade nem mesmo para entender o que abandono significava, deixando-o só com o pai. O desaparecimento de sua mãe o afetaria em algo? Deixaria sequelas? Era aquilo que seu pai se perguntava todos os dias enquanto o via crescer e lentamente amadurecer, tornando-se cada vez mais questionador sobre quase tudo que o cercava. Entretanto, ninguém além daquela pequena criança, que com seus inocentes e infantis olhos esverdeados que só viam um mundo colorido e repleto de infinitas possibilidades ao seu redor, poderia lhe responder aquilo.

Contudo, o mundo de Ash descoloriu e tornou-se cinza logo após o primeiro abuso. Ah, aquele toque de dedos ásperos em sua pele jovial e rosada, roçando por lugares que ele próprio desconhecia, apertando, raspando, rastejando por cada mancha e pinta que existisse em seu corpo lhe causava asco, repulsa, nojo em sua forma mais pura e viciosa. Enquanto que para o demônio que o prendia abaixo de seu corpo com suas enormes pernas causava o efeito completamente contrário, e ele sorria, demonstrando seu prazer.

No auge dos seus dezessete anos é que a vida decidiu ser meramente gentil e colocou em seu caminho um japonês gentil e bondoso que lhe mostrou toda a intensidade do que é amar e se importar de verdade com alguém. Desde o momento em que Eiji demonstrou toda a inocência que carregava dentro de si ao pedir para segurar a arma de Ash, até o momento em que desabou em lágrimas ao deixar seus sentimentos fluírem dos pensamentos ao papel na forma de uma carta que Aslan leria mais tarde, como uma breve despedida entre eles ou uma possível chance de recomeço. Ash não sabe como e nem quando notou estar disposto até mesmo a morrer para proteger Eiji.

É por isto que, lendo aquela carta, com a passagem de avião dentro do envelope, na mesma biblioteca de sempre em meio a tantos e tantos livros contando diferentes histórias, Ash sentiu pela primeira vez que poderia reescrever a sua, tomar as rédeas da própria vida e, talvez, recomeçar em outro lugar. Ao lado da única pessoa que ele sabe que sempre acreditaria nele, a única pessoa que sempre lutaria por ele.

O vento bagunçando seus fios loiros, o coração acelerando, as veias pulsando e a adrenalina aumentando na medida em que seus pés avançavam numa corrida veloz em direção ao aeroporto. Aslan via-se viajando com Eiji, pondo sua mão sobre uma de suas coxas, ambos encarando-se e sorrindo um para o outro. Recordando de todos os momentos em que Eiji mencionou o Japão e falou um pouco sobre os costumes de lá, ele se imaginou visitando diferentes lugares com o mesmo, indo a parques, zoológicos, bares, festas e restaurantes. Aprender mais sobre o lugar onde a pessoa mais incrível que já conheceu cresceu era fascinante e despertava uma imensa curiosidade dentro de Ash. Apesar de compreender que não poderia fugir para sempre, que esse mundo perigoso a qual pertenceria eternamente, como correntes pesadas de confusões e problemas presas a seus braços e pernas, sempre o perseguiria aonde quer que fosse parar, ele mesmo assim tentaria. Por Eiji, por sua própria felicidade, ele tentaria fugir de todas as formas possíveis. Ele nunca mais falaria sayonara para Eiji novamente.

Mas de repente sua visão ficou turva, os joelhos foram de encontro ao chão. Lágrimas incessantes preencheram seus olhos e escorreram por suas bochechas rosadas. Sensação de perda. O avião com destino ao Japão já havia decolado. Ele estava de novo vendo ir embora quem mais queria manter por perto.

O lugar estava movimentado, pessoas passavam para lá e para cá o tempo todo, alguns paravam e o olhavam com pesar e tristeza, outros apenas passavam ligeiros e lhe lançavam uns olhares como se compreendessem e dissessem baixinho para ele se manter firme e ser forte. Ele sempre teve que ser forte. Cada dia, a cada minuto e a cada segundo de sua vida, para sobreviver, Ash precisou ser forte. Naquele instante ele apenas sentou-se em uma das milhares de cadeiras de espera e deixou que seu subconsciente o comandasse, chorando por intermináveis minutos.

Aslan perdeu o voo. Ele poderia comprar outra passagem? Sim, poderia. Mas valeria a pena causar mais dor e sofrimento a Eiji? Arruinar de vez sua vida? Ah, Eiji... Como será que ele se sentiu durante esse tempo em que eles conviveram juntos, onde passou por inúmeras situações de quase-morte, tendo que se esconder, fugir de pessoas maldosas que o usariam para chegar até Ash, aprender a manusear uma arma e todas as diversas outras coisas que construíram a relação entre eles dois? Quer dizer, Eiji chegou sendo apenas o assistente de um jornalista e de repente se enfiou com a pessoa que mais lhe traria problemas. Existe um medo dentro de Ash de que Eiji tenha se arrependido de tudo, de que ele tenha desejado nunca tê-lo conhecido. E isso o desespera, pois ele faria tudo de novo. Independentemente das circunstâncias, Eiji sempre será a melhor coisa que já lhe aconteceu. Ele só poderia voltar para casa e desejar que tudo voltasse ao seu devido lugar. Eiji estava seguro longe dali, longe dele, e Ash precisava se convencer de que era apenas isso que importava.

Desde que ele esteja bem, eu estarei bem também.

The EndOnde histórias criam vida. Descubra agora