Conhecimentos proibidos

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O velho cavaleiro estava em seu aconchegante escritório, fazendo certas anotações como de costume, mas a paciência, que era uma de suas principais características, não estava lhe fazendo companhia naquela noite. Aparentemente, a viagem que ele havia feito com seu aprendiz foi diferente de quase tudo que ele já havia presenciado. As imagens daqueles residentes, a paisagem diferenciada, nada daquilo conseguia sair de sua mente. Ele chegou a se questionar a respeito do motivo dos grandes líderes dos reinos, deixarem aquelas pessoas viverem tal sofrimento. Eram perguntas e mais perguntas que o cavaleiro fazia a si mesmo, e quanto mais ele fazia, mais longe ficava de obter respostas. O foco era tamanho, que nem percebeu seu aprendiz chegando, como ele mesmo havia ordenado.

― O que é todo esse alvoroço mestre? ― disse o rapaz, de forma surpresa.

― Procure nas três últimas prateleiras livros que apresentem relatos parecidos como a da irmã de Vídia. ― disse o Sir, enquanto fazia algumas anotações. ― Caso não ache, tente procurar algo na biblioteca. Eu nunca presenciei algo parecido, precisamos nos precaver. Não conte para ninguém por enquanto. Amanhã é o festival, não quero deixar o povoado em pânico.

― Mas mestre, eu acho que seria melhor se enviássemos uma carta para os Blessed's, afinal, eles devem ter uma solução para esse ocorrido.

― Não seja tolo, Luck. Em qual momento você não percebeu que para os grandes líderes aquele povo não tem importância. ― disse o mestre, levantando-se de sua cadeira. ― Eu posso não ter sido um guerreiro de Royalflame, ou até mesmo um Paladino de Onurb, mas compreender os pensamentos de grandes líderes não é uma tarefa difícil. Para eles, o mundo gira em volta de seus próprios narizes.

― Nunca soube que o senhor já teve o interesse de ser um guerreiro do povo Royal, muito menos um Paladino. ― disse o rapaz, levantando uma de suas sobrancelhas.

― Esse é o sonho de qualquer guerreiro que nasce em Eldfjall, seguir aqueles que são os herdeiros dos criadores. Mas ao longo de minha vida, tive a oportunidade de presenciar diversas situações, que foram essenciais para formar quem eu sou nos dias de hoje. E além de tudo, eu devo muito a família Quitamés. ― comentou o cavaleiro, olhando para o quadro em sua parede.

― Eu acreditava que os Royais fossem temidos, não respeitados como o senhor está dizendo. A senhorita Skyla costuma dizer que eles são tão loucos quanto o deus que eles cultuam. E compaixão é algo que eles não compreendem. ― disse Luck, esperando seu mestre fazer um comentário.

― A relação entre Royalflame e o restante do reino foi ficando meio conturbada ao passar dos anos e o principal motivo foram as constantes guerras. A maioria delas, ocorreram aqui em Eldfjall. Poucos lordes conseguiram reerguer suas cidades após os embates épicos, contra o exército de Stargold. Isso fez com que outras famílias ficassem com medo de perder tudo o que já haviam conquistado. O Lorde Quitamés foi um dos poucos que priorizou manter uma boa relação com seu Rei, pois durante uma época alguns lordes tentaram conspirar contra o Reino, se aliando secretamente a nação rival, como consequência, tiveram todo seu vilarejo destruído.

― Como essas guerras acabaram cessando? Algum lado saiu vitorioso? ― Questionou Luck, se interessando na conversa.

― Pelo que você pode observar, as guerras tiveram um fim há um bom tempo atrás. Faz cerca de vinte anos que os reinos de Eldfjall e Alheimurinn não entram em confronto. Contudo, a relação é muito conturbada, os líderes do outro reino, os Stargolds, chegaram a oferecer a muitos lordes, terras para eles governarem, bastando apenas seguir o deus Spekki e obviamente, muitos aceitaram. Enquanto isso, Royalflame proibiu a entrada de qualquer pessoa que fosse de Alheimurinn. Muitos comerciantes que não foram avisados morreram, afinal a fronteira com os outros reinos é vigiada pelo próprio exército Royal. Mas respondendo a sua pergunta, desculpe fugir um pouco do assunto. Pois bem, Royalflame perdeu suas forças, os Stars's procuraram evoluir a cada guerra que eles travavam. É dito que eles aprenderam sobre magia e a partir disso, foi um pequeno passo para usarem esse trunfo na guerra. Esse foi o momento que os Blessed's tiveram que interferir. Eles julgaram que uma nação herdeira dos deuses teria grandes chances de ser exterminada. Então, como donos do mundo, obrigaram os dois reis a assinarem um tratado, dando fim à guerra. Royalflame enfraquecida foi obrigada a aceitar o acordo, e como havia cometido danos contra seu próprio reino, os Blessed's passaram a controlar o rumo de seu desenvolvimento, alegando que qualquer evolução bélica serviria como uma ameaça ao acordo de paz.

― Ouvindo essa parte da história, é difícil pensar que existiu um dia que essas duas nações lutaram lado a lado. ― comentou Luck, enquanto procurava os livros que seu mestre havia pedido. ― Será que um dia Royalflame irá se voltar contra tudo isso? Aposto que eles devem ter muito ódio acumulado.

― Difícil meu aprendiz. A palavra dos Blessed's é incontestável. O atual rei pode ter o mesmo ódio que seus antecessores, contudo, as dificuldades o fizeram pensar melhor antes de iniciar uma guerra ― disse o cavaleiro, se aproximando de seu aprendiz. ― Estou lhe contando essas histórias, pois você será um dia um lorde, e manter uma boa relação com o rei é fazer com que essas terras continuem prosperando.

― Prometo honrar seus ensinamentos mestre! ― Disse Luck, com um sorriso no rosto.

― Pois bem, achou o que eu lhe pedi?

― Não sei se é o que estamos procurando, mas acho que pode nos ajudar. É um manuscrito de um alquimista, que apresenta diversas instruções para o preparo de poções, que de acordo com os relatos, curaram diversas pessoas; A maioria dos relatos está relacionado a casos sobrenaturais. Mas algo me deixou curioso, ele tem um relato dizendo que conseguiu reverter humanos que viraram vampiros. Mas a página seguinte, que explicaria, não existe. Simplesmente, a página duzentos e treze não existe, além disso, os capítulos relacionados aos demais filhos de Gleymt foram retirados.

― O Manuscrito pelo menos apresenta o nome do alquimista? ― questionou o cavaleiro. ― Pensando melhor, temos que ter a certeza se isso é uma cópia ou na verdade, o diário original desse homem. Todos nossos livros são controlados pelos Blessed's. Esses livros que estão nas minhas prateleiras são presentes de seu avô.

― Se esse for o original, meu avô pode ter retirado as partes relacionadas a Gleymt, para não sofrer sanções dos fiéis de Onurb. ― comentou Luck, folheando o manuscrito.

― Eu já li alguns livros de outros alquimistas, nenhum comentava sobre tais coisas. Na verdade, todos eram bastante simples. Nosso reino tem uma academia de alquimistas, porém depois do acordo assinado, os Bleesed's passaram a controlar o progresso. Eu cogito que esse alquimista que estamos procurando sabia de muita coisa, que não era para ele saber. ― disse o cavaleiro, com a mão no queixo. ― Tenho duas hipóteses: ou o livro desse alquimista foi aprovado, mas sofreu censuras, ou seguindo a sua linha de pensamento, o próprio entregou para seu avô. Mas por qual motivo?

― Mestre, acho que esse é o original! ― disse o rapaz, de forma confiante. ― Já descobrimos que para os Blessed's, quem divulgar conhecimentos sobre Gleymt é visto como um traidor a Onurb. Pois bem, esse homem deixou um comentário no final desse livro.

"Espero que todo o conhecimento, passado através dessas anotações, seja útil para o mundo. A cada dia que eu passo escrevendo linha por linha, eu percebo o quanto esses líderes querem ter o controle sob a mente das pessoas. O mais triste é que muitos amigos, por medo, não estão lutando contra essas mentes malignas. É com tamanha tristeza que eu tenho que dizer tais palavras, mas a academia de alquimistas, que sempre foi meu porto seguro, é uma grande farsa. Todas elas. Eu apenas quero ter a chance de ajudar as pessoas que sofreram com as atrocidades de Gleymt. Muitos eram meus amigos e sofreram nos eventos do Batizado. Infelizmente, não tive chance de ajudá-los. A academia está negligenciando todo o mal que ainda existe. Entregarei essas anotações para quem eu julgar de confiança, então iniciarei a minha jornada, para espalhar meu conhecimento ao redor dos reinos. Somente depois de ajudar a todos, poderei dormir em paz novamente".

Assinado: Kozí

― Esse Kozí pode já estar morto, ou em qualquer lugar, até mesmo em outro reino. Na verdade, nem sabemos quando isso foi entregue ― disse Sir All. ― Voltamos para a estaca Zero, meu aprendiz. Não adianta procurarmos mais nada agora, temos que descansar para o festival amanhã. Será um dia de fortes emoções. Mas antes de você ir para seu quarto, tenho que lhe contar algo, contudo, peço seu silêncio.

― Prometo não contar nada a ninguém mestre, minha boca é um túmulo. ― disse o rapaz, ficando curioso.

― Após o festival, iremos em busca desse homem. Será uma missão que ficaremos meses fora. Você está dentro ou fora?

Com um sorriso largo, o rapaz apenas abraçou seu mestre, agradecendo o mesmo de formas consecutivas. Para Sir All, aquele abraço era o jeito do jovem dizer sim.  

A crônica dos Renegados : A ascensão de RoyalflameOnde histórias criam vida. Descubra agora