- Não, espera!
Sangue escorre pelo meu rosto.Acordei. A minha frente, o teto preto com pontinhos brancos espalhados. Era pra ser estrelhas, mas eu estava com dor de cabeça quando pintei, então fiz de qualquer jeito. Mantenho meu olhar fixo nesses pontos enquanto espero minha respiração acalmar, e a lembrança do gosto do sangue sumir da minha boca. Trago minha mão direita pro rosto, e tateio a cicatriz funda abaixo do meu olho.
"I don't wanna to breathe! I don't want to die!"
Meu celular começa a tocar. Procuro ao meu lado, mas não está. Cadê meu travesseiro?
"I can't feel. I'm paralyzed."
Procuro no chão, ao lado da cama, e ambos estão lá. Pelo visto tive um sono bem inquieto.
"I'm not taking this tonight."
Meu chefe está me ligando. Já são 10:00 da manhã?! Nem preciso tentar adivinhar o motivo da ligação.
"Give me back my life!"
- Já tô saindo de casa. - Digo ao atender a ligação.
- Bom dia, meu anjo! O que houve? - Ele responde.
- Eu passei mal essa noite... - Mentira. - Precisei tomar uns remédios pra enjoo. - Whisky. - Perdi a hora de acordar por isso.
- Entendi. Sorte sua que não tem ninguém agendado pra ti agora pela manhã. Mas vem logo, que sempre aparece gente querendo ser atendido na hora!
- Beleza. Tô saindo já. Tchau. - Encerro a ligação.
Me levanto, tropeço na garrafa vazia de whisky, tomo um banho, e na volta para o quarto paro em frente ao espelho. Me permito olhar um pouco aquele corpo magro e pálido. A barba por fazer. Meu cabelo, atualmente azul, está desbotando um pouco. Preciso lembrar de retocar a cor depois. A vantagem de ter um guarda-roupa todo de camisas pretas é que não preciso perder tempo escolhendo qual vou vestir hoje. Me arrumo e saio, encarando o sol forte, um castigo justo pra quem perde a hora e acorda tarde.
Por sorte a estação de metrô é próxima da minha casa, então meu atraso não será tão grande. Ouço vozes exaltadas ao meu lado. Um grupo de adolescentes com uniformes escolares. Pelo uniforme da pra ver que são de uma escola cara. Estão matando aula? Bem, não interessa. Chegamos a estação em que eu desço.
Há uma certa magia em andar no shopping pela manhã, pouco depois que ele abre. Sabe, tem poucas pessoas, sem barulho de conversas, passos, risadas e gritos... Isso sem falar no suspense em não saber se o responsável pelo som ambiente hoje será o Walter ou a Alicia. E, ao chegar no 3° piso, consigo ve-la de longe, com sua caveira envolta em chamas azuis adesivada na vitrine, e a placa azul acesa acima da entrada. Blue Flames Tattoo. Sem dúvidas, essa é uma das artes que eu mais me orgulho de ter desenhado. E claro, lá dentro está ele, me encarando.
- Bom dia. Você tá melhor? - Perguntou, enquanto estende a mão pra mim.
- Tô sim. Relaxa. - Aperto a mão dele, e nos puxamos, fazendo nossos ombros baterem. Ele adora esse cumprimento.
- Bom dia, flor do dia! - Diz uma voz feminina de dentro do estúdio, um pouco abafada pelo som do motor da caneta de tatuagem.
- Oi vagabunda. - Respondo.
- Vagabunda, eu? Quem foi que chegou 40 minutos atrasado?! - Ela começou a gritar.
Entro no estúdio, e lá está ela, sentada ao lado da cama, tatuando o braço de um homem que devia ter uns 38 anos. Estava fazendo o animal de um time de futebol no braço dele.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Serpente marinha
RomanceO quanto você está disposto a encarar os traumas de alguém que ama?