3. Rotina

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Arthur acordou com o som da chuva forte açoitando sua janela. Ficou surpreso com a força do vento, se perguntando quantos minutos levaria até o vidro da janela ceder. O quarto estava escuro. Poucos segundos depois de acordar, ouviu o celular começar a tocar. Estava adorando o aplicativo de despertador que sua amiga Bárbara havia recomendado, pois o toque era uma música de kpop diferente a cada dia. Hoje era Signal, do grupo Twice. Desligou logo, pois lembrou que sua mãe não gosta desse estilo musical. Ao se espreguiçar, sentiu um leve incômodo no braço esquerdo. Olhou, e lá estava ela. Sua primeira tatuagem, um pouco avermelhada devido ao processo de cicatrização. Olhou para ela por alguns segundos, e logo lembrou do tatuador. Zack. Aquele que despertou emoções tão fortes no peito do rapaz, ao ponto de fazer seu corpo esquentar apenas por lembrar dele. Pegou o celular, abriu o Instagram, e procurou pelo perfil do estúdio. Não foi difícil de achar, já que a imagem da caveira em chamas azuladas ficou gravada em sua mente. A primeira foto do perfil, postada na noite anterior, era a de sua tatuagem. Arthur não resistiu a tentação de compartilha-la em seus stories. Em seguida começou a deslizar entre as demais fotos no perfil, vendo dezenas de outras tatuagens passarem rápido pela sua tela enquanto procurava uma informação em específico. Encontrou essa informação entre as primeiras postagens do perfil, de 3 anos atrás. Uma foto da frente do estúdio com 3 pessoas alinhadas, de braços cruzados. Reconheceu o homem no centro, pois fora recepcionado por ele. Era Marcos, ou pelo menos o seu eu de 3 anos no passado, com alguns quilos a mais e uma barba espessa. Do lado esquerdo dele, a pessoa mais baixa da equipe. Uma mulher muito bonita, com cabelos pretos curtos e bagunçados. E ao lado direito de Marcos, estava ele. Estava bem mais magro, e os cabelos ainda não eram azuis. Aquele era o Zack no passado. Parecia triste, ou cansado, pois apesar do sorriso, seus olhos estavam fundos... E aquela cicatriz... Esteve tão perdido admirando os olhos negros e os cabelos azuis, sem contar o toque firme das mãos, que mal deu atenção a esse detalhe que agora lhe parecia tão marcante. Uma marca semirreta e funda abaixo do olho direito. O que teria causado aquilo? Tocou na foto, fazendo com que surgissem os perfis das pessoas marcadas na foto. Sobre o Zack do passado surgiu "@AdeZack". Se questionou por um instante sobre isso. "A de Zack?", pensou. Seria uma brincadeira com a ordem das letras? Ou Zack não é seu verdadeiro nome?

- Arthur, levanta! Vai se atrasar! - Ouviu sua mãe chamar gritando da cozinha, o que o assustou e o fez largar o celular sobre o peito. Quando pegou o aparelho, o perfil do tatuador estava aberto, e a opção de "seguir" estava selecionada.

- Não! Ai, merda! - Exclamou. Não sabia o que fazer naquele momento. Se desmarcasse a opção, poderia parecer algum tipo de stalker, porém não se conheciam. Não havia motivo para segui-lo. E agora?

- Arthur, meu filho. Tá tudo bem? - Sua mãe abriu a porta, causando outro susto no rapaz, que só bloqueou a tela do celular.

- O... Oi. Tudo sim, mãe. Já tô indo.

- Tá. Desce logo, senão vai se atrasar pra aula. - Disse ela, saindo do quarto.

Decidiu fazer o que sua mãe mandara. O estrago já estava feito mesmo. Levantou da cama e foi direto para o banheiro, iniciando seu ritual de higiene pessoal diário. Vestiu seu uniforme de frente para os espelhos que ocupavam duas das portas de seu guarda-roupas, aproveitando para estudar melhor como seu corpo ficava com a nova marca em seu braço. Arthur não era do tipo atlético. Não tinha músculos definidos, e os pelos por seu corpo eram poucos. Em seu rosto, alguns pelos ralos no espaço entre o nariz e a boca, e no queixo, mas nenhum indício de uma barba, como sempre sonhou em ter. Gostava de se imaginar deixando os cabelos loiros crescerem até o ponto de poder fazer uma trança, ou um rabo-de-cavalo, e com uma barba espessa, adotar um visual no estilo viking. Porém isso certamente teria que esperar até a independência financeira, ou a liberdade universitária mostrada pelos filmes e séries. Jovens adultos que podem se vestir como querem, falar como querem e fazer o que querem de suas vidas. Encarou seus olhos castanhos claros, como âmbar, pelo reflexo do espelho. Respirou fundo. Passou a mão em seus cabelos loiros, ainda úmidos, fazendo um penteado "descolado", e terminou de se vestir. Desceu as escadas, e encontrou uma mulher alta e forte sentada à mesa. Usava um terno, e os cabelos presos. Delegada Annya, sua mãe. E, do outro lado do cômodo, uma senhora asiática cuja aparência não acusava sua idade. Azaleia, a doméstica contratada pela família, tinha um rosto castigado pelo tempo, mas que a tornava muito carismática quando somado a sua personalidade gentil.

Serpente marinhaOnde histórias criam vida. Descubra agora