Capítulo 4 - Ajudar também é uma forma de demonstrar gratidão ✎

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"Tudo depende do tipo de lente que você utiliza para ver as coisas

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"Tudo depende do tipo de lente que você utiliza para ver as coisas."
- O Mundo de Sofia, Jostein Gaarder

    Tinha algo especial em Shell Valley, algo que Louise não conseguira identificar, seja pelo delicioso aroma do tempero de tia Emma ou pelo modo que a cidade parecia sorrir para ela. As tardes quentes eram agraciadas com sorvete de casquinha e a contemplação do pôr do sol retirando-se educadamente para o anoitecer. Tudo parecia tão tranquilo, tão calmo e perfeito, mas ela sabia que no final das contas, não era bem assim.

   Ficar um dia sem ir à biblioteca, para Emma era como tirar um triste dia de folga. Apesar de ser professora de crianças, ela estava no período de férias, mas Emelaina e sua mente brilhante não conseguiam descansar por um dia, por isso sempre estava fazendo alguma atividade, dessa vez a jardinagem iria substituir os livros.

   Louise apreciava as plantas e flores do quintal de sua tia, adorava o cheiro de grama molhada e o modo como Emma conversava com as plantinhas, ela sempre lhe dizia: "as plantas também têm sentimentos, Loulou." Com as mãos sujas de terra e as gotículas de suor em sua testa, só deixavam claro que Emma amava o que fazia e era absolutamente boa em tudo, exceto em lidar com pessoas.

— O que está achando de voltar para casa, meu bem? Shell Valley parece diferente aos seus lindos olhos castanhos? — Emma questiona enquanto colocava fertilizante em um recipiente amarelo. — E o Chang? Ele é um rapaz bonito, vocês deveriam sair qualquer dia.

— Melhor do que eu poderia me lembrar, exceto, aquele episódio com a mulher do prefeito. Tudo estava perfeito até então. — Louise revira os olhos e sua tia sorri travessa. — Por acaso você está se especializando em formar casais, tia? O Chang parece ser legal, só isso.

— Não se preocupe, não existe um problema sem solução. Não é de hoje que eu lido com essas pessoas, não deixe isso estragar nossas férias. — A mais velha sorri e suspira fundo, solicitando a ajuda de sua sobrinha para retirar as ervas daninhas.

— Tudo bem, não vou deixar que nada atrapalhe nosso momento juntas. Inclusive, lembrei do motivo de não ter plantas no meu apartamento: não sei lidar com seres vivos, nenhum além da minha titia.

— E aquele cactus que você me mandou uma foto? Já faz um tempo, não lembro quando foi, acho que há dois meses. — Emma retirou as luvas de jardinagem e buscou limonada para as duas.

— Godofredo? Bem, ele me mostrou que não tenho talento com plantas. Descanse em paz, Godô. Sei que ele está feliz no cemitério com as outras plantas que eu não consegui cuidar. — Fora impossível não sorrir com a teatralidade de sua sobrinha, mesmo Emma sendo bem cuidadosa com suas plantas.

— Ah, querida! Preciso te dar umas aulinhas básicas de jardinagem, não podemos regar cactus todos os dias, aposto que foi esse o seu erro. — Lou sorriu em concordância e tentara em vão argumentar para amenizar seu eterno desastre com plantas.

[...]

    Quando a exaustão enfim as atingiu, Louise agradecia internamente pelo comprometimento de sua tia com os horários de cada atividade, sendo assim, apesar de cedo o almoço já estava pronto. Após boas garfadas de uma carne suculenta e um macarrão com bastante molho de tomate caseiro, Lou finalmente estava satisfeita. Não tardou para que o tempo livre virasse uma tarde de soneca para a morena, enquanto sua tia assistia novela mexicana e fazia crochê. Uma boa noite de sono era algo indispensável, e Emma não costumava dormir pela tarde, pois sempre achava que ficava com mais sono e mais cansaço.

   Como de costume, ela havia preparado um bolo de chocolate para tomar com café preto e bem forte que tanto amava. Louise acordara sentindo-se mais sonolenta e observou o sorriso de sua tia ao ver a expressão da morena.

— Eu te avisei que iria acordar mais cansada, Loulouzinha. Engraçado como você sempre acorda na hora que estou fazendo alguma comida. — Ela sorriu servindo uma fatia generosa de bolo para a sobrinha e despejando mais calda de chocolate por cima. — Espere um pouco, ainda está quente.

— Mesmo após tomar banho, ainda estou com sono, preciso participar de suas atividades pela tarde, elas são bastante produtivas. — movendo a cadeira do lugar para que pudesse sentar-se, Lou observara o jeito distraído de sua tia. — Você sempre me disse que o lanchinho da tarde era a refeição mais importante do dia. E em minha defesa sempre acordo com o cheiro delicioso de sua comida, é irresistível.

— Eu nunca disse isso! — Emma protestara ao afastar seus lábios da xícara preta com patinhas de gato na cor branca com rosa. — O desjejum é a nossa refeição mais importante, nos mantemos fortes até o almoço, só assim para lidarmos com as atividades no decorrer do dia.

— É tão elegante o modo que seleciona as palavras para dizer que precisamos encher a barriguinha de comida, ou ficaremos fracos e indispostos. — Louise sorriu, observando a tia negar com a cabeça, as risadas foram interrompidas por uma batida na porta. — Eu atendo.

   Louise caminhara sem pressa até a porta, mas ao abrir tivera uma surpresa ao ver Chang Jin com sua habitual camiseta quadriculada, tênis e jeans surrado. Ela levou alguns segundos para retribuir o lindo sorriso que o rapaz esboçou ao vê-la tão descontraída em casa. Um silêncio inquietante se estabeleceu enquanto a morena demonstrava sua curiosidade para saber o que ele tinha em mãos.

— Desculpe incomodar, achei que a Emma atenderia a porta mas acho que ela esqueceu a data de hoje. — Chang sempre ficava estranhamente incomodado perto de Louise, a beleza de seus olhos castanhos sempre chamavam sua atenção. — Isso é para vocês. Feliz dia da colheita.

   A princípio a morena ficou sem entender o motivo de receber um saquinho amarelo com grãos, mas levara alguns segundos para perceber que se tratava de sementes de girassol. Ainda curiosa, ela tentava entender o motivo do saquinho e qual era o dia de hoje, para ela se tratava apenas de mais um começo de primavera.

— Obrigada. — agradecera ainda sem compreender, mas percebera em seguida que outros moradores também estavam recebendo sementes, uma tradição inusitada, pensara Lou. — Isso é....?

— Chang! Me desculpe, acabei esquecendo! — Emma surgiu e o rapaz pôs as mãos nos bolsos da calça. — Obrigada. Feliz dia da colheita!

— O que está acontecendo? É uma ação beneficente para entregar sementes? — Louise direcionara a pergunta para sua tia, que sorria ao perceber a timidez dele.

— Nós temos uma tradição que foi originada por uma lenda. No começo da primavera, distribuímos sementes e outros grãos, desejando para nossos vizinhos uma boa colheita.

— Sempre há um revezamento e esse ano foi a vez da minha família distribuir, ao invés de receber. — Chang complementou, acenando para um garotinho que o chamava para dar continuidade ao que faziam.

— Chang, estou um pouco ocupada para levar a Louise no lugar onde colhemos as sementes, poderia fazer isso e explicar a lenda? Eu realmente não poderei ir, ela era muito pequena quando esteve aqui, talvez não lembre mais. — Emma surgiu, fazendo Louise corar e quase cavar um buraco para enfiar sua cabeça, somente por vergonha.

— Posso sim, só vou entregar mais umas sementes e posso passar aqui para buscá-la. Tudo bem para você, Louise? — De forma tímida ele a convidou, por dentro estava temendo uma rejeição mas fora surpreendido quando ela aceitou.

   Emma tentara esconder o sorrisinho travesso que se formava em seus lábios, sabia o quão impressionada sua sobrinha ficaria ao se deparar com aquele lugar especial. Apesar de já ter visitado Shell Valley algumas vezes, o lugar em questão ficava um pouco distante e ela ainda não tinha levado Louise para conhecê-lo. Além disso, já estava na hora de Lou ter outros amigos além de uma mulher de meia idade, plantas e gatos preguiçosos. O que mais poderia acontecer nesse encontro disfarçado de passeio?!

Querida Bibliotecária | INCOMPLETAOnde histórias criam vida. Descubra agora