conto de outsidermermaid
Sábado, 17 de Dezembro de 1901
Querida Kateryn,
Ou seria Mrs. Michael Stanley, agora? Desde sua ida, papai e mamãe decidiram que esse seria seu novo nome. Não possuo preconceito a respeito de sua identidade conjugal, no entanto, sinto falta de escutar seu verdadeiro nome. Para mim, irmã, sempre será Kate.
Espero, após esta carta, receber notícias suas. Confesso que estou curiosa para ouvir de sua parte as maravilhas que a Índia guardou para vocês dois, e que até os invejo; queria eu sair da nossa cidadezinha para conhecer o mundo, mas Beau não é um aventureiro por si só.
As coisas por aqui estão calmas, mas não fui completamente honesta em minha última carta. Quando a escrevi, procurei ser o mais breve possível para não atrapalhá-la; acontece, irmã, que não ando sendo completamente verdadeira com você. Algumas coisas saíram de controle, mas nunca tive a coragem de contar a ninguém. Talvez por saber que a carta não chegará tão cedo em suas mãos, decidi que gostaria que fosse minha confidente. Veja, Kate, eu nunca escondi nada de você, e não pretendo começar agora. A verdade é que
Meus olhos fitam por minutos o papel. Minhas mãos tremulam em pegar a tinta, pois eu sei que não conseguiria escrever mais nada por enquanto. Para isso, teria de pensar nas palavras que tenho de usar e, principalmente, em como contarei algo tão delicado, que mantive em segredo por toda a vida. O relógio ao meu lado me desconcentra com seu barulho, ou ao menos é o que digo a mim mesma. É difícil encarar a realidade onde eu me sinto culpada. E por onde começaria meu relato?
Talvez eu possa começar no dia que eu e Agnes nos conhecemos.
Eu e você sempre fomos inseparáveis. Quando você era a capitã do navio, eu era sua marinheira, e viajávamos juntas por todo o pacífico. Eu nunca me sentia sozinha, até que você foi para o internato. Era o que você queria, e papai, que sempre satisfazia nossos desejos, não hesitou em lhe proporcionar essa experiência tão gratificante para você; se não tivesse estudado lá, afinal, nunca conheceria os irmãos Stanley.
Quando trouxe sua primeira amiga para dormir aqui a primeira vez, confesso que senti-me ameaçada. Eram suas férias de verão e eu não queria discutir com minha irmã mais velha, mas estava chateada por você não ter pedido minha permissão para hospedar alguém em nosso quarto por tantos dias. No entanto, mesmo com meus preconceitos de uma garota de onze anos, fui o mais polida possível com Agnes Courtenay; o que, como você sabe, não foi exatamente recíproco.
Miss Courtenay era uma garota pequena e esquelética, cuja franja preta parecia escorrer como uma cachoeira ao redor de seu rosto. Sua pele era pálida demais, sardenta demais, sem bochechas rosadas ou lábios fartos de cor de morango. Resumindo, ela não era nada como nós duas. Era uma completa estranha, uma ameaça para nossa irmandade.
Ao longo dos dias, eu percebi que a pequena e irritante garota sabia exatamente quem ela era. Ela parecia invejar nossos cabelos claros e cacheados, ou nossas peles macias e lábios naturalmente vermelhos. Você já tinha a altura de uma moça, mesmo com catorze anos, e seu corpo tinha mais curvas que o dela; pensei que, por essa razão, Agnes a invejasse mais, mas, na verdade, era eu quem ela não deixava em paz.
Agnes puxava conversa comigo todas as vezes que você não estava presente. Pareciam conversas inocentes, mas eu sentia o tempo inteiro que ela me fazia perguntas para zombar de mim, e isso me deixava constrangida. Ela era imprevisível, e eu não gostava do imprevisível. Seus sorrisos nunca vinham sem aquela malícia tão característica dela.
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Tempo de Cores (Contos LGBTQIA+)
Short StoryConjunto de Cinco contos de visibilidade e erotismo LGBTQIA+ através dos séculos, contados por cinco autores. "Porque há desejo em mim, é tudo cintilância. Antes, o cotidiano era um pensar alturas Buscando Aquele Outro decantado Surdo à minha humana...