Boêmia e Paetês.

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Conto de MaPotyer20

Essa é a história de um homem comum, que teria uma vida comum, se não fosse por uma pessoa.

Ou talvez, aos seus olhos, nada desse encontro foi extraordinário. Mas acredite, quando se empurra os limites do mundo, nem que seja um pouco, qualquer vida pode ser absurdamente incrível.

Gaspar chegou à cidade do Rio de Janeiro no início dos anos sessenta, com suas roupas surradas, sua mala gasta, e sem um mísero tostão nos bolsos. Assim como a massa do êxodo, o garoto de dezenove anos, desejava uma vida melhor, e cheio de sonhos e uma enorme força de vontade, estava disposto a dar tudo de si, para conquistar seus objetivos.

Criado pelo pai, um pescador, em uma pequena cidade litorânea do estado do Rio de Janeiro, o jovem não tinha muito estudo, ou experiência de vida. Tinha uma visão limitada do mundo, e muito embora tivesse uma beleza praiana singular, com a pele morena e olhos cor de carvão, nunca fora rodeado de garotas ou amigos. Ele se sentia confortável e de certo modo feliz em ser um cara reservado e quieto, não gostava de pessoas ou coisas chamativas. Seu pai sempre dizia: "prego que se destaca, leva martelada".

Gaspar então aprendeu, que é melhor observar do que ser o observado.

Na chegada, com a indicação de seu tio Aníbal, antigo morador da cidade, conseguiu um emprego em um armazém de cereais e bebidas no bairro da Urca, e com o indicação do novo patrão, o Sr. Gregório, arrumou uma vaga para morar no pensionato de dona Mirtes, uma conhecida viúva que alugava quartos para jovens solteiros.

A senhora era ríspida e dura, mas em contrapartida, também era carinhosa e amável. Foi fácil para Gaspar gostar dela, foi fácil se acostumar rápido com aquela casa grande e barulhenta.

No entanto, um pouco mais difícil para o jovem, foi se habituar aos outros pensionistas. Os rapazes da cidade grande eram muito diferentes para o garoto, engomados demais, falantes demais. Talvez por isso, se sentisse ligeiramente intimidado por eles, mantendo mais conversas com Miro, seu colega de quarto.

Miro era como ele, falava pouco, era reservado e também viera do litoral. Os dois se deram bem logo nos primeiros dias.

Gaspar não podia dizer o mesmo de Carlito, o mais antigo pensionista do lugar. O rapaz não gostou do sujeito no primeiro olhar, e quanto mais ele o conhecia, menos ele gostava.

O garoto achava Carlito um homem convencido, irritante e bagunceiro. Dona Mirtes se aborrecia todos os dias com ele, que insistia em hábitos despudorados pela casa.

Para a satisfação de Gaspar, a recíproca era real, pois Carlito também não parecia gostar nada dele, o evitava sempre que podia, e quando não era possível, agia de forma idiota.

Ainda que Gaspar e Carlito não tivessem qualquer apreço um pelo outro, a convivência na casa era pacífica de um modo geral. O jantar era servido pontualmente às oito, e todos comiam juntos de dona Mirtes. Essa era uma das exigências da senhora, e muito embora os rapazes geralmente chegassem cansados de seus respectivos serviços, todos sem exceção, deixavam seus quartos para a refeição noturna.

Nessas ocasiões, o jovem observava atentamente todos os que ali partilhavam dos deliciosos pratos de dona Mirtes. A conversa era pouca nesse momento, todos concentrados demais em matar a própria fome. É claro, para o descontentamento de Gaspar, o mais falante sempre era Carlito. Contando causos do trabalho na sapataria, rindo entre uma garfada e outra, caçoando dos outros pensionistas.

Tudo em Carlito irritava Gaspar, sua gargalhada alta, seu sorriso arrogante, com aquelas covinhas ridículas, o tom de voz grave que sempre soava como superior à todos. Sua indiscrição ao perambular quase pelado pela casa, como se quisesse mostrar ao mundo a beleza que fazia questão de dizer que tinha. Para Gaspar, a simples existência de alguém tão pretencioso, já era desagradável.

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