Chave perdida

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Estava comendo o meu cereal de letrinhas enquanto mal conseguia me manter acordada, minha mãe já estava se aprontando para ir trabalhar, e o meu padrasto igualmente.
Eu estava pensando no quão chato e repetitivo é comer, sempre da mesma forma, põe na boca, mastiga, engole. Só temos alguns minutos de satisfação, que é quando o alimento está sendo triturado pelos nossos dentes, depois disso, acaba, e tudo o que teremos é a lembrança de comê-lo. É por isso que, comer nunca foi o meu forte.
Acordei dos pensamentos com os passos do meu padrasto descendo a escada e abrindo a geladeira ao meu lado. Ele questionou o porquê dele nunca ter visto uma amiga ou amigo meu.
Bem, eu sou extremamente introvertida, ninguém nunca sabe o que estou realmente pensando e às vezes é tão aleatório e confuso, que tenho medo de falar. Não me orgulho de dizer que não tenho ninguém como amigo, mas não é uma opção, e pra ser sincera, estou bem assim.
Antes deu responder qualquer coisa, a minha mãe passou pelo grande arco que havia na cozinha e o respondeu, dizendo que era porque sou diferente. Ele rebateu, afirmando que eu apenas sou antisocial e não sirvo pra ter amizades.
Eu não poderia discordar, em partes ele está certo e era exatamente aquilo que sou.

(...)

Já estava atrasada, memorizando todos os xingamentos que o meu padrasto disse ao ver o horário. Corri para o quarto buscar a mochila e o meu casaco, já que o dia tinha amanhecido gelado aquela manhã. Ao fechar a porta do quarto, percebi que a minha chave não estava no mesmo lugar de costume, mas não dei muita bola pra isso, até porquê, não tinha tempo.
Desci as escadas mais rápido do que as subi e cruzei a porta de casa, a fechando em seguida.
Meu padrasto já estava dentro do carro, buzinando violentamente.
Ganhei um beijo da mamãe, e logo depois um abraço de despedida, ela disse para eu "arrasar" no primeiro dia de aula. Vi a mamãe entrar no carro da Delilah, que acenou para mim. Elas saíram da minha vista bem rápido, e eu já sentia falta da minha mãe.
Lembrei de quando passava o dia em casa e podia ficar perto dela. Porém, isso acabou quando ela me deixou sozinha por 8 minutos e eu fiz da parede da sala uma tela de pintura, então lá se foram meus dias inteiros em casa, daí em diante, a mamãe pensou que eu ficaria melhor indo para uma creche.
Escutei a buzina do carro na minha cabeça mais uma vez, e lembrei que estava atrasada e atrasando ele.
Adentrei o carro, sentei na frente e coloquei a cabeça em cima do braço que estava apoiado na janela fechada, apenas observando as coisas começarem a se mover lentamente enquanto ele dava a partida no carro. Estava nervosa pelo primeiro dia depois da minha transferência, e aquilo estava me consumindo.
Meu padrasto me perguntou o porquê deu fechar a porta do quarto quando vou dormir. Foi daí então, que lembrei da minha chave desaparecida, fiquei mais nervosa do que já estava.
Respondi com outra pergunta, questionando como ele sabia desse pequeno detalhe.
Ele contou que ouviu eu e a mamãe falando disso antes de dormir, e reforçou que o escritório dele fica do lado do meu quarto, por isso tinha ouvido.
Não acreditei nem desacreditei. Apenas voltei a fitar as casas da vizinhança se movendo rapidamente do lado de fora do carro.
Tinha essa mania de apenas não ter opinião sobre algumas situações, ouvi-las ou vê-las, mas só depois ter realmente um pensamento sobre. Então, eu só o ignorei, porém ele me fez a mesma pergunta mais uma vez.
E respondi, já brava, dizendo que gostava assim, trancada.
Acho que estava aborrecido de "conversar" comigo, pois o meu padrasto se calou.
Eu também não queria conversar, na verdade, o meu objetivo era entrar e sair calada do carro, mas minha mente curiosa e minha boca ansiosa, me fizeram o questionar sobre a chave.
De início, ele me ignorou, ou só estava concentrado dirigindo, mas depois de uns 2 minutos, respondeu dizendo que não fazia ideia de onde ela poderia estar e que a chave perdida era um problema meu.

(...)

Ao chegarmos na porta da faculdade depois de uns 45 minutos naquele carro, a ideia do primeiro dia não parecia nem um pouco ruim em comparação.
Fechei a porta do carro, e fui em direção à entrada. Escutei a janela do carro abrindo atrás de mim e meu padrasto avisando que voltaria para me buscar quando acabasse a aula, virei-me para responder, mas escutei o chamado da polícia ecoar do seu rádio, dizendo algo como "temos um A02..." não sei o que significa e acho que falaram o nome de alguma rua, mas não consegui ouvir mais nada, pois ele saiu apressadamente para atender, acho que a rua estava perto, ou algo assim.

Ao passar pela entrada, senti muitos olhos em cima de mim, mas eu entendo, sou novata e as pessoas são curiosas. Caminhei pelo corredor grande e cheio de armários da faculdade, tentando ser rápida, até a direção.
Chegando lá, uma moça alta me pergunta o nome, e parece surpresa ao escutar June Vergewaltigt, de origem alemã e que ela nunca poderia esquecer, pois sou a enteada do delegado, e como a cidade é pequena, não tinha como fugir disto.
Ela fez questão de me acompanhar até a sala, e me apresentar pra todo mundo assim que passei pela porta. Bem, moça alta, agradeço aos teus interesses, que me pouparam a vergonha de ir pra frente e me apresentar por conta própria.

(...)

Estava dentro de uma caixa preta de ferro, fazia tanto calor, mas conseguia me manter em pé dentro dela, confusa e com medo eu começo a gritar por socorro, minha voz parecia nem sair de dentro dela, que fez um barulho alto por lá. De repente, ela começou a ficar menor e menor, meu desespero só aumentou e eu gritei mais e mais. Ela realmente não parava e eu já estava sem fôlego, sentei-me, pois não dava mais para ficar de pé. Me encolhi o máximo que pude e aceitei que iria ser o meu fim...

A professora me acordou, e avistei a diretora na porta, pedindo para que fosse até a sala dela. De início pensei realmente que seria porque eu tinha dormido no primeiro dia de aula, mas na verdade ela disse que o meu "pai" estava aqui para me buscar. Nada disso fazia sentido pois a aula não tinha acabado e eu só estava na faculdade fazia umas poucas horas. Mas a cara dela era triste, e as coisas pareciam estranhas. Fiquei confusa e cheia de perguntas, porém eu apenas concordei e o segui para o corredor em direção a saída.

O último vislumbre de esperançaOnde histórias criam vida. Descubra agora