Um

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QUANTAS VEZES JÁ HAVIAM SIDO? Kagome não ousava sequer numerar, afinal, que bem uma dúzia de números poderia lhe trazer? Nenhum, certamente. Então, ela fez como sempre, empurrou aqueles sentimentos ruins para algum lugar, bastante abarrotado, bem no fundo de si.

Há dois anos ela havia conseguido retornar, quando InuYasha a abraçou e tomou seus lábios nos dele, ela se regojizou pelo amor correspondido, pelo desejo, por fim, tornando-se mais que uma expectativa. Não houve qualquer cerimônia matrimonial, como, talvez, houvesse tido, se estivesse em seu tempo. Nada como uma festa de noivado, alianças, casamento ou mesmo, papéis a serem assinados. Na realidade, ela já havia abandonado aquelas ideias, todos no vilarejo sabiam o que eles eram um para o outro e o mais importante, eles sabiam, então, um punhado de papel e um aro dourado não deviam ser tão importantes assim, pelo menos, era o que lembrava de ter pensado, agora, já não tinha tanta certeza.

Ela se sentia cansada, estava bastante abatida, seu animo já não era como outrora, as vezes parecia mais morta que aquela que InuYasha buscava todos os dias e noites. O hanyo, provavelmente pensava que ela era uma tola. Tola o suficiente, para não notar as vezes que ele se sentava ao seu lado após o sexo e desviava o olhar para um canto qualquer, parecendo um pouco arrependido e triste. Ela também já o havia visto inúmeras vezes próximo a árvore onde um dia esteve selado, em algumas dessas vezes, ele parecia chorar. Kagome não era tola, com certeza não, ela apenas suportava demais, sendo forte de uma forma que não deveria ser.

Seus lábios ardiam, era um péssimo hábito aquele que ela havia adquirido, ela mordia os lábios com força demais, até que todo o reboliço sentimental estivesse cuidadosamente contido.

Um leve toque em seu braço a lembrou da presença de Sango. Kagome, fitou a amiga de lado, no olhar da outra, ela viu preocupação, havia um pesar mudo ali. Todos as vezes que a exterminadora tentava iniciar uma conversa sobre o atual dilema da miko, essa era rápida em inventar qualquer desculpa para fugir. Kagome não se sentia pronta para expor seus sentimentos para ninguém, ela se sentia em parte envergonhada, tinha medo do que os outros diriam, com isso, preferia continuar a lidar com tudo sozinha, como já vinha fazendo nesses últimos anos.

— Kagome...- Sango iniciou, a jovem miko, logo distinguiu o que aquele tom de voz significava, diante disso, não tardou em interrompê-la.

— Eu estou bem, estou apenas ansiosa.

— Suas regras ainda não vieram?- O tom da amiga havia mudado, havia agora uma animação mal contida e aquilo fez seu estômago embrulhar.

— Sim.- Seu tom mal passou de um sussurro.

— Essa é uma noticia maravilhosa, talvez, dessa vez, você e InuYasha logo tenha um bebezinho para mimar.

Kagome apenas sorriu, um sorriso nada verdadeiro, como suas palavras. A realidade era que suas regras já haviam vindo e ido e ela certamente não ficaria gravidá tão cedo, não por ser infértil ou algo semelhante. A miko, apenas não conseguia deixar de tomar os pequenos comprimidos que trouxera aos montes de sua era. Dois anos já haviam se passado e seu estoque, estava apenas na metade. Ela não sabia nomear ao certo o que lhe detinha quando pensava em abandonar as pílulas, Kagome já tentou, não uma ou duas vezes, mais de uma dezena, certamente. Mas, todas as vezes que o via, ali, sentado ao seu lado, encarando um vazio qualquer, perdido e triste, no dia seguinte, antes de qualquer outra coisa, Kagome tomava uma das pequenas pilulas e fazia uma prese silenciosa para que fosse eficaz.

Talvez ela estivesse sento egoísta, mas ela era apenas humana, pensar em ter uma criança com um macho que amava um fantasma, que sequer sabia se poderia vir a amar a vida inocente que criariam... ela simplesmente não podia. Kagome apertou mais uma vez os lábios entro os dentes, o gosto ferroso logo tomou seu paladar, seu peito estava apertado, ela se sentia sufocando.

— Kagome? Kagome, esta me ouvido?- Sango disse mais alto e novamente, seu tom mudou.

— Desculpe, acabei me distraindo.

Sango segurou seu braço e a puxou com um pouco de força, toda a preocupação estava lá novamente, entretanto, agora havia também certa irritação.

— Pare com isso!

— Ao que está se referindo?- Kagome desviou o olhar, desde quando tornou-se tão covarde, ao ponte de não poder encarar outro alguém? Ela não sabe, ela nunca foi assim.

— Você sabe bem ao que me refiro, Kah...- Sua voz suavizou, mas o aperto em seu braço não foi desfeito, Sango não a deixaria escapar daquela vez.- Olhe para os seus lábios, estão cheios de feridas, há olheiras em baixo de seus olhos, você esta magra demais, mas certamente isso nem de longe é o pior, cadê aquela menina de roupas estranhas, de temperamento esquentado e coração bondoso que conheci, aquela que tomei como amiga, irmã? Pensei que estar com InuYasha fosse o que você queria, realmente pensei que vocês fossem ser felizes juntos, mas quando falo sobre um possível filho, tudo que recebo é um sorriso pouco verdadeiro. Pensou mesmo que me enganou um segundo que fosse?- Sango suspira, seu aperto se desfaz aos poucos, quando ela fala novamente, Kagome tem vontade de chorar, mas tudo que demonstra é frieza.

"Sinceramente, talvez tivesse sido melhor que você não tivesse voltado, lá no seu tempo, pelo menos você não estaria se destruindo assim. InuYasha é para você, como as chamas de uma fogueira é para uma mariposa, uma atração que brilha forte e cativa, mas que no fim, apenas destrói."

Provavelmente foi o temperamento por tanto tempo contido que a fez agir por impulso, aquelas ultimas palavras a atingiram afiadas tal qual uma lamina, a medida que a feriram, também a irritaram e antes que ela pudesse pensar ou deter-se, seu corpo já estava se movendo, o tapa atingiu o rosto de Sango com um audível estalo, e mesmo a mão de Kagome ardeu com o impacto. Por um instante só houve choque e silencio, os olhos azulados bastantes irritados e feridos a encarrar os olhos castanhos, esses bastantes surpresos e magoados. Logo, quando o tempo voltou a correr, o arrependimento pela ação precipitada correu como veneno por seu sangue, mas já era tarde demais. Sango desviou seu olhar, então a exterminadora lhe deu as costas e partiu sem dizer mais nada. Kagome continuou ali, parada, sem saber o que fazer, para onde olhar, para onde ir, ela desejou apenas sumir.

Uma movimentação atraiu sua atenção, quando ela ergueu seu olhar, os deslizando pelo prado até onde se inciava a floresta, viu a menina de cabeleira negra e vestimentas alaranjadas, Rin vinha correndo animada e certamente alheia ao que aconteceu um momento antes. Kagome ergueu seu olhar um pouco mais e lá estava ele, o protetor de Rin, a seguia sem muita pressa, para sua surpresa, os dourados estavam atentos a ela e não a criança, foi quando Kagome teve certeza de que ele presenciou tudo e ouviu tudo e tal constatação, a fez se sentir subitamente envergonhada.

O certo era ela não ter se importando, afinal, nunca haviam sido próximos o suficiente para que a opinião do lord sobre ela pesasse quanto ao seu modo de viver, contudo, de certa forma, naquele momento havia sido diferente. Foi por isso que Kagome fingiu não ter os visto, fingiu não saber que Rin corria para lhe cumprimentar, enquanto praticamente corria para qualquer lugar que não aquele, nesse ínterim, ela desculpava-se inúmeras vezes com a criança em pesamento, por sua falta de maturidade e coragem. 

Travessia - ConcluídaOnde histórias criam vida. Descubra agora