Capítulo I

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1869

AURORA

Caminhei lentamente até a sala de estar para conhecer o meu futuro marido, o jovem milionário Klaus Lennox, filho do nobre anglo-germânico Sr. Lennox, empresário da indústria ferroviária e portuária. Klaus era o pretendente adequado, um rico herdeiro com um sobrenome importante na alta sociedade de dois países. Tais atributos foram suficientes para que meus pais aceitarem prontamente o pedido de casamento realizado, alguns meses antes, por Sr. Lennox em nome do filho, que na ocasião estava na Alemanha cuidando dos negócios da família. Lembro-me perfeitamente do dia que recebi a notícia do meu casamento, era uma manhã chuvosa, mamãe entrou em meu quarto e me comunicou com seu tom autoritário:

- "Aurora, você tem um novo pretendente, não estrague tudo como fez com o Conde Philip..."

Naquele momento, fiquei assustada e sem reação, questionei quem era, mas ela apenas falou o nome "Klaus Lennox" e saiu do meu quarto ostentando sua postura rígida e fria. Klaus era amigo de meu irmão do meio Antony, os dois tinham a mesma idade e estudaram juntos no internato, mas tinha poucas lembranças dele, já que mamãe não permitia que eu ficasse perto de rapazes quando Antony os traziam a nossa casa.

Enquanto caminhava para conhecer pessoalmente meu noivo, sentia que minhas costelas iriam explodir dentro do espartilho, que mamãe apertou com força para deixar minha silhueta fina e adequada para os padrões vitorianos. Sentia que meus órgãos estavam presos em uma caixa rígida de ossos e gritavam desesperados por socorro, caminhar se tornava desconfortável a cada passo.

Não podia dizer que Klaus era um completo desconhecido, troquei algumas cartas com ele nos meses que antecederam nosso noivado, meu noivo tinha interesse em me conhecer com profundidade, já que ele estava na Alemanha cuidando dos negócios da família e nos veríamos apenas no dia do noivado. Ele demonstrava ser um homem gentil e inteligente pelas cartas que me enviava, mas não sabia o que sentiria quando o visse pessoalmente, o amor não era fundamental para um casamento, porém estava temerosa com o que aconteceu com meu último pretendente.

*

Conde Philip Campbell MacGyver era amigo de longa data do meu irmão Antony, ele demonstrou interesse em firmar compromisso comigo quando completei 17 anos. O conde era conhecido na alta sociedade como o "desprovido", devido a sua falta de beleza, quando o vi a primeira vez fiquei surpresa, Philip não era um homem atraente fisicamente, tinha um corpo franzino e era mais baixo do que eu, além disso tinha uma voz fina e parecia constantemente doente, com mãos frias e pele seca. Apesar do aspecto físico frágil ele era engraçado e amável, o que me fez criar afeto por ele.

Ele fez a proposta de casamento algumas semanas depois que nos conhecemos, o conde tinha urgencia em se casar, já que em breve iria se mudar para França e queria uma esposa inglesa. Apesar de não o achar bonito fisicamente e minhas amigas falarem que ele parecia um rato sem pelo, mamãe falava todos os dias que um bom casamento não era feito de amor ou de beleza, mas sim de uma excelente posição social e de companheirismo, o qual vinha com o tempo.

Repentinamente, conde Philip desistiu de nosso compromisso, tal atitude me surpreendeu. Na minha percepção seria difícil achar um novo pretendente que me aceitasse como minhas nuances peculiares. Naquela época, ouvia histórias pavorosas das minhas amigas mais velhas que tinham se casado, mesmo com pouco tempo de casamento, elas estavam exaustas dos seus maridos velhos, bêbados e mulherengos.

Conde Philip não falou comigo, apenas comunicou os meus pais que não faria o pedido de casamento e viajou no mesmo dia para Paris. Evidente que mamãe me culpou por perder um partido rico e com um título importante na alta sociedade britânica e francesa. Passei semanas pensando o que tinha feito de errado para que ele declinasse, mas não encontrava motivos plausiveis, provavelmente ele tinha recebido uma proposta de casamento melhor ou descobriu os problemas financeiros da minha família.

*

Entrei na sala e vi Klaus, um homem fisicamente privilegiado, ombros largos, alto e forte, olhos azuis e cabelos escuros como a noite, que fazia contraste com sua pele alva. Ele tinha olhos profundos e sedutores, compreendi o motivo dele ser o pretendente mais desejado pelas jovens da alta sociedade inglesa e alemã. Ao vê-lo meu coração acelerou e quase perdi o ar, o qual já estava limitado por causa do espartilho apertado. Para mamãe, me casar com Klaus, após Conde Philip desistir do nosso compromisso era um sinal divino, Deus havia ouvido suas orações.

Klaus me olhou fixamente e sorriu, senti algo queimar dentro de mim. A junção do homem que escrevia cartas gentis com conteúdo inteligente, com o homem fisicamente belo era o que eu idealizei em meus sonhos, mas nunca pensei que teria. Naquele momento, percebi que tinha sido abençoada pelo destino duplamente e não precisaria me casar com um viúvo velho amigo de papai.

Parei no meio da sala de estar e observei ao redor, estavam presentes no intimista noivado meus pais, meu irmão Antony e sua noiva Helena Brown, Sr. William Lennox e sua jovem e bela esposa Serena Lennox. Cumprimentei as pessoas na sala e ao me aproximar de Klaus me lembrei que estava nas minhas mãos a salvação financeira de minha família e dessa vez não podia falhar, os Lennox eram milionários e poderosos, apenas eles podiam nos salvar da falência, senti meu estômago revirar.

*

Papai tinha o título de Lorde, herdado de meu avô, que foi um homem influente entre as famílias abastadas de Londres. Nossa família era proprietária de minas de extração de pedras preciosas na África do Sul e tinha luxuosas lojas de joias em Londres, Paris e Madrid. Nos tempos de grande opulência estávamos entre as famílias mais ricas do Reino Unido, porém com a morte do meu avô e a falta de tato de meu pai para os negócios, bem como os gastos exagerados da nossa família, a fortuna adquirida por nossos antepassados, que parecia infinita, secou em menos de duas décadas. Atualmente, tínhamos apenas a loja de Londres e as minas estavam com a extração quase zeradas, uma situação que meu irmão Albert, há alguns anos, tentava reverter, tanto que ele foi morar na África do Sul com sua família para acompanhar os trabalhos de perto.

Sentei ao lado dos meus pais, enquanto Klaus se sentou em uma poltrona ao lado de Antony e próximo a lareira, aquele era meu lugar favorito na casa. Os dois acenderam charutos e as empregadas trouxeram os aperitivos que antecederam o jantar. Após aquela breve conversa seria realizado o pedido formal, o que me deixou nervosa e tremula. Mamãe percebeu que minhas mãos estavam ansiosas e carinhosamente pousou sua mão frias e grandes sobre as minhas e sorriu, um ato materno para as pessoas ao redor, mas na realidade significava que eu estava fracassando e ruindo perante o que ela tinha idealizado para aquela noite. Evitava olhar para Klaus, se me atrevesse, meu olhar ficaria presos naqueles olhos azuis penetrantes e sedutores. 

Aurora Russell Lennox - Um amor além do tempoOnde histórias criam vida. Descubra agora