Parte 1ー A maldita buzina

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"Não lutes uma vida inteira por obter chaves onde não há portas."

Havia lido isto em um livro, com oito anos. Hoje ele morava em minha escrivaninha, como meu porto seguro. Nunca havia entendido aquela frase.

Mas até aí, eu não havia entendido coisa alguma.

Não bastou muito para que o som dos animais agitados acordasse a mim, e a minha tia da mesma maneira. Parecia que algo os havia assustado. Por um instante, me fiz de surdo, me virei para o lado e tentei voltar a dormir.

No sonho, eu estava deitado em um terreno totalmente composto por grama. Formigas subiam em meu tornozelo, mas eu não me importava. De alguma forma sabia que elas não me fariam mal algum. Erguia um pouco a coluna, apenas de ver o céu eu poderia saber que eram exatamente 7 horas. Não havia árvores no horizonte, só grama. O terreno era regular como se fosse possível que o mundo fosse perfeitamente redondo. Eu respirava fundo, e o aroma de camomila me acalmava, como remédio.

Era até suspeito que nada se fizesse ali, apenas eu e a mim mesmo.

Mas logo esse meu sonho foi quebrado por uma buzina, estrondosamente alta. Franzi o cenho, não queria acordar. Queria prosseguir deitado, como se problemas fossem uma piada que a muito já havia perdido a graça.

Foi quando então senti bigodes coçando minha mão. Eram o motivo de minha tia bater na porta do quarto também.

ーBuongiorno Ettore, está acordado?ーperguntou com seu incrível sotaque italiano.

ーAgora estou.ーmenti.

Ela costumava entrar e me dar um beijo na testa, mas depois que passei a cuidar de uma ratinha que dormia na parede do meu quarto, entrar em meu comodo virou um desafio. Tive que aprender a limpar meu próprio quarto sozinho, mas a ratinha não gostava muito do som alto do aspirador de pó. Minha tia é tão carinhosa que apenas o pensamento de que daqui 4 anos eu faria 18, lhe deixava sem ar. Então ouvi a buzina de novo.

ーVocê chamou alguém para nos visitar?ーme sentei na cama, levemente contráriado, não gostava de pessoas em casa, exceto os familiares.

A ratinha estava em cima de minha cama, brincando com meus dedos. Me perguntava como ela havia subido.

ーNão, bambino.ーouvi um ruído estranho, então resolvi supor que a mesma arrumava alguma coisa.

ーDe quem é a buzina?

Por um momento, ela fez silêncio. Imaginei que tivesse chamado alguém que eu não gostasse, ou estivesse preparando uma festa surpresa. Talvez os dois. Mas então ela disse:

ーQuerido, não tem ninguém buzinando.

Ouvi a buzina mais uma vez.

ーVocê tem certeza?

ーAcho que você ainda está sonhando.

Mas meus sentidos me diziam o contrário. Meus sentidos, e a ratinha, que se esgueirava em minha coxa toda vez que ouvia o som. Talvez minha tia não estivesse ouvindo direito, as paredes eram bem grossas de qualquer forma e meu quarto era um dos únicos com uma janela virado para frente da casa. O outro era o quarto de hóspedes.

Mas não iria contrariar a Tia Ma.

ーTalvez sim. Estou com sono.

ーTudo bem, quando era mais nova, sonhava que meu cachorro, Thomas, estava latindo, e então acordava e ele estava-

ーDormindo. Ainda não acredito que o nome do seu cachorro era Thomas.

ーEu tinha um livro sobre um aventureiro chamado Thomas quando tinha sua idade. Ele havia descoberto uma cidade em que os moradores cheiravam a ovo e queriam sacrifica-lo para os deuses. Então, para se libertar-

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