Trégua.

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A água da piscina nunca pareceu tão quente para Daniel. Ponderava se o motivo era sua mente conturbada ou se o dia ensolarado apenas havia aquecido a água que costumava ser gelada. De qualquer forma, culpava seus pensamentos. Não era todo dia que Felipe Prior ia dormir de bom humor. E, principalmente, não era todo dia que o loiro era culpado por isso. Após ficar quase o dia todo na guarita posicionado ao lado do quarto do líder como castigo do monstro, o arquiteto já apresentava resquícios de cansaço e desidratação. Daniel observou isso assim que o viu indo em direção ao quarto de cabeça baixa. Decidiu então fazer um sanduiche para Felipe. O que conseguiu fazer foi apenas juntar dois pedaços de pão com uma banana amassada no meio, a xepa já não estava mais tão farta após um dia da compra.
- Prior, - Daniel chamou quando entrou no quarto, vendo o mais velho com o braço sobre a testa. – eu fiz um sanduiche pra você. Vai lá comer.
Felipe achou que era brincadeira, mas olhou de relance para o sulista, percebendo que não havia nenhum sinal de ironia em sua fala. Levantou tão rapidamente que sentiu a pressão cair. Daniel não percebeu, o que fez o arquiteto agradecer. Não gostava de demonstrar fraqueza e já bastava se sentir mal por não ter aguentado ficar mais tempo na guarita e ter deixado Babu sofrendo sozinho.
- Obrigado, Daniel. – ele falou, formalmente, quando os dois já estavam sentados na mesa. Em sua frente, estava o prato com o sanduiche e um copo de água, ambos preparados pelo ator.
- Capaz. Eu vi que você não tava muito bem.
Felipe comia o sanduiche com rapidez, o que fazia Daniel se preocupar e achar graça.
- Come mais devagar. Tu vai passar mal.
- Virou minha mãe agora, é, Daniel? – Felipe retrucou por força do habito, mas, assim que observou a feição do loiro, tratou de se retratar. – Foi mal. É costume.
E Daniel sabia disso. Um sanduiche não iria resolver as brigas que já tiveram. Mas se questionou se não quando Felipe o agradeceu novamente:
- Mas obrigado mesmo. Agora vou ficar pensando se voto em você ou não. Boa jogada. – o moreno brincou, como sempre fazia pois seu agradecimentos nunca iriam deixar de ser seguidos por uma piada para que o momento não ficasse tão sério.
Pena que Daniel não entendia muito bem as piadas.
- Eu só me preocupei. Não foi jogada nenhuma. – ele disse.
Felipe se desesperou.
- Eu tava zoando, Daniel. Relaxa. Eu sei que você se preocupou. – se justificou tão rapidamente que Daniel demorou um pouco para entender as palavras que haviam sido despejadas naquela mesa.
- Sabe? – o mais novo pergunta, meio em duvida por conta do tom de voz que, na maioria das vezes, estava presente nas falas de Prior.
- Sei, né, porra. Ou tu não tinha feito o sanduiche.
Ambos riram.
- É. – Daniel falou, por fim.
Mas Felipe se perguntava: por que Daniel se preocupou? Obviamente, não iria verbalizar esse questionamento que pairava em sua cabeça, então apenas muito de assunto.
- Tava bom o sanduiche. Tu é um bom cozinheiro.
O sulista deu risada. Sabia que Prior nunca iria conseguir falar sério com ele, sem ser nos momentos de brigas, ou quando um estava puxando a orelha do outro. Mas aquilo não importava pois pelo menos eles ainda estavam se falando; ambos sabiam que entre uma briga e outro, o momento em que não tocassem mais no nome um do outro poderia chegar.
- Eu vou dar uma folga pro Babu agora, mas valeu.
- Que!? – Daniel quase gritou. Felipe não poderia estar falando sério, né? – Não, né, Felipe. Tu tá pálido. Vai descansar um pouco.
- Que descansar, Daniel? Vou ajudar o Babu. O cara já é mais velho que eu, eu que tenho que ficar ali.
E ali estava aquela personalidade protetora de Felipe, junto também com essa mania que ele tinha de querer se provar o tempo todo.
- Só descansa um pouco, Prior. Depois tu vai lá. O Babu tá bem. Tu já ficou muito tempo no calor e em pé.
Prior se irritou. Não gostava de tentar ser limitado. Mas, pudera, o arquiteto nunca entendeu que tentar dar limites também é um jeito de gostar.
  - Para de encher o saco, mano.
  - Prior, eu to tentando te ajudar. Você nunca escuta.
  - Me ajudar? – o moreno o olhou com aquela feição já conhecida por todos na casa. Ele estava prestes a explodir. – Tu nunca nem gostou de mim. Entrou aqui e nem olhou na minha cara.
    Como tudo que envolve Prior, as brigas se intensificavam num piscar de olhos. Daniel o encarava – com a cabeça doendo e o coração batendo acelerado. O loiro odiava discussões, mas sabia bem que Felipe não é do tipo que foge de uma briga, por isso se surpreendeu quando a resposta para sua frase foi o silêncio.
  - Cala a boca, Prior. – foi o que o loiro se propôs a responder ao ouvir aquilo.
  Esperou um novo xingamento, dessa vez um pior que "Vai tomar no cu". Mas não recebeu nada. Somente indiferença. Felipe riu e, realmente, calou a boca. Não por não ter argumentos – ele sempre teve a língua afiada – mas porque cansou. Cansou como um novato que acabou de fazer a primeira aula de musculação. Ou como alguém que não aguentava mais os olhares de desgosto e as palavras de quem não se importa. Mas era aí que o mais velho se enganava pois se tinha alguém que se importava era Daniel. Se importou no momento em que aquela frase maldita saiu pela sua boca pois já temia a resposta e se importou ainda mais quando ela não veio.
  - Vem, Dani. – Marcela, que assistia aos dois de longe, percebe que os nervos estavam alterados e chama o sulista. – Deixa pra lá.
  Felipe ri novamente. "Deixa pra lá? Puta que pariu. Virei um lixo mesmo nessa merda", foi o que passou pela sua cabeça. Talvez Flay estivesse certa, ele estava mudando. Há uma semana, ele retrucaria, inventaria xingamentos que qualquer bom católico iria se assustar, mas, naquele momento, optou por não falar nada. Terminou de beber a água que ainda restava no seu copo, lavou os utensílios que havia utilizado e seguiu em direção à guarita.
  Babu nem esperou Felipe se aproximar muito para mandar o paulistano descansar. O carioca se preocupava, também foi o único que percebeu a palidez e mau-estar de Prior. E Babu não era Daniel. Felipe ouvia Babu, então fez o que lhe foi aconselhado. Foi de passos curtos ao quarto que dividia com os homens da casa. Deitou em sua cama e ficou na mesma posição por um tempo até Daniel abrir a porta. O arquiteto virou e fingiu dormir.
  O loiro odiou aquilo. Deveria estar mais acostumado com a rejeição e a indiferença, visto que esses foram os motivos pelo o qual o mesmo decidiu sair de casa tão cedo. Mas olhando pra Prior que tinha os olhos fechados apenas para não reconhecer a sua presença, Daniel não conseguia assumir outra postura diferente da de decepção que ele havia adotado assim que olhou para a cama do arquiteto. E o pior: a decepção que ele sentia não era por causa de Felipe, e como isso podia ser possível? Desde que pisou no BBB, Daniel culpou o paulistano por tudo: pelas provocações, brigas, pelos paredões formados. Infelizmente, não conseguia culpar Felipe pelo o que sentia, e só o loiro sabia o quanto já havia tentado fazer isso várias vezes.
  Tentou falar alguma coisa mas gaguejou demais e o único que percebeu seu esforço foi Pyong que assistia à cena como telespectador de uma grande novela mexicana.
  - Deixa ele. – o mágico falou. – Amanhã vocês conversam.
  Pyong não entendia. A mente de Daniel não iria o deixar em paz até amanhã. O coração também não. Por isso, se aproximou de Felipe, mesmo sob o protesto silencioso da outra companhia do quarto que já previa outra briga entre os dois, assim como os telespectadores que assistiam àquele momento.
  - Felipe, posso falar com você? – observou o moreno a sua frente abrir os olhos e encara-lo.
  Prior apenas continuou o encarando e levantou uma das sobrancelhas como permissão para que o mais novo falasse o que gostaria.
  - Tu preciso entender que eu não te odeio. Eu fiz o sanduíche porque vi que tu tava mal. Que saco! Por que tu não entende?
  O arquiteto não pode impedir o sorriso de canto que insistiu em aparecer no seu rosto. Como podiam ser tão diferentes? Daniel tinha uma postura serena, passiva. Até bravo era calmo. Felipe não. Ele explodia, falava alto, apontava o dedo. E, observando essas características que por si já divergiam, ele resolveu dar uma trégua. Já havia admitido que tentou pegar Daniel. Agora, ele sabia que não eram pra ser. Sua mãe sempre lhe disse que pessoas muito diferentes nunca dão certo. E mães sempre estão certas, né?
  - Eu entendo, Daniel. Foi mal. Eu perdi a cabeça. – falou, com o orgulho ainda gritando em sua cabeça. Havia aprendido a pedir desculpas, mas nunca foi muito bom com elas.
  O loiro perdeu alguns segundos tentando processar o que aconteceu.
  - Então, tudo bem entre a gente?
  "Que sotaque ridículo", Prior pensou. Mas também se perguntava como aquele sotaque vestia bem Daniel.
  - Sim, Salsicha. Relaxa.
  E o sulista suspirou aliviado pois o apelido indicava que estava tudo bem. Nunca se sentiu tão feliz em ouvir aquela palavra sair da boca de Prior.
  - Tá então. Eu vou na piscina. Você quer ir? – Daniel percebe a careta que Felipe faz e logo lembra que o moreno não podia. – Não, esquece. Você não pode. Desculpa.
  - Vai lá, Salsicha. Vou descansar aqui.
  Daniel sai do quarto e Prior ri, comentando com Pyong:
  - Ele é todo atrapalhado, né? Nunca vi.
  - Nunca viu o que? – o mágico pergunta. Felipe não responde.

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