E tudo bem.

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  No auge de seus 15 anos, Daniel beijou um rapaz. O nome dele era Lucas, ele era mais velho e tinha os cabelos compridos; Daniel lembra até hoje de puxar os cabelos do menino durante o beijo, mas lembra-se também como teve que solta-los quando seus colegas presenciaram aquele momento. A cena marcou sua memória. Era difícil assimilar o beijo como algo bom quando o que o seguiu foi um dos piores dias de sua vida: os berros de seus colegas com a palavra "viadinho", a bronca que levou da diretora por estar se agarrando com outro menino no banheiro da escola e o olhar que recebeu de sua mãe. Todo o medo que sentiu na época ele sentia quando olhava pra Prior. Sentia pois Prior o lembrava de Lucas. Eles não tinham nada a ver, na verdade. Lucas era ruivo, tinha olhos verdes e fazia ballet. Felipe tem dificuldade até pra sambar, é o oposto de delicadeza, e possui cabelos castanhos como chocolate. Mas, ainda assim, Daniel os comparava; ele apenas não conseguia entender o porquê.
  - Tá no mundo da Lua, é? – Gizelly chama sua atenção.
  - Tô. – responde o mais novo do grupo. "No mundo de Prior", a frase surge em sua cabeça mas logo ele a reprime. Isso não podia estar acontecendo novamente. Não no jogo e não justo com Felipe Prior que, por mais surpreendente que seja, não parecia ter tantas travas quanto ele. Afinal, o arquiteto já assumira que tentou o pegar, o que fez com que Daniel percebesse que os olhares que recebia por parte do mais velho não eram paranoias de sua cabeça. Mas até que ponto ele poderia levar o que Felipe dizia a sério? Até que ponto iam as piadas e começavam as verdades?
  Ele olha para o lado e vê Marcela. A médica era linda, inteligente, o defendia e se importava com ele. Daniel gostava dela, de verdade. Percebeu isso quando deram o primeiro beijo. Era indiscutível que a vibe dos dois batia mas Daniel sempre preferiu o famoso: "os opostos se atraem".
  - Que foi? – a loira pergunta quando percebe o olhar de Daniel demorando em seu rosto. Ele não conseguia achar nenhum defeito na mulher a sua frente. Então por quê se sentia tão perdido em seus sentimentos?
  - Você é linda.
  O loiro deposita um beijo em sua testa e outro em seus lábios. Observa o sorriso dela e sorri também. O que eles tinham fazia bem pra ele. Daniel não podia negar que tudo o que falaram durante sua estadia na casa de vidro foi o que o impulsionou a se aproximar de Marcela, mas ele realmente se apegou a médica, o que só complicava ainda mais. Como queria poder conversar com seu irmão agora; entre os dois, Daniel nunca ocupou o título de mais racional. Isso ficava evidente em todos seus relacionamentos passados que acabavam sempre da mesma forma: com o coração do ator partido. E ele poderia reverter essa situação, ele tinha Marcela, um início de relacionamento saudável. Mas, ainda assim, sua mente – e o que ele tentava negar a todo custo: seu coração também – fez morada em outra pessoa, uma que estava vestida com uma fantasia ridícula e dormindo em pé na guarita posicionada ao lado do quarto do líder.
  - Vou ver se o Prior quer uma água. – Daniel diz, levantando-se do sofá da área externa.
  - Não pode levar água lá não. – Gizelly responde, observando o rapaz já seguindo até o moreno.
  - Mesmo assim. – responde.
  - Ih, né que viraram amigos? – é a última frase que o sulista escuta.
  - Quem dera. – sussurra baixinho já podendo ver a figura de Prior com mais nitidez.
  Ele se senta na escada ao lado da guarita, se surpreendendo ao ver que Felipe não percebeu sua presença. Conseguiu notar o cansaço do arquiteto e quis poder tomar o lugar dele. Pyong disse pra Daniel se sentir vingado com aquele monstro mas, observando Felipe naquela condição, o loiro só sentiu vontade de cuidar do mais velho.
  - Que é, Salsicha?
  Daniel se assusta. Claro que o paulistano havia notado. Felipe ri e abre os olhos. O sorriso malandro de quem se acha mais esperto do que realmente é se opondo ao sorriso tímido do sulista que sabia que ainda tinha muito para descobrir sobre o mundo.
  - Vim ver se tu queria água, alguma coisa.
  - Não pode trazer água aqui.
  - Sim, eu sei, mas... – ele deixa a frase assim, o que dá a oportunidade perfeita para Felipe brincar como costuma fazer.
  - Entendi! Você sentiu minha falta.
  O loiro não responde, o que também era comum nas brincadeiras que Prior puxava. Daniel nunca foi do tipo rápido pra devolver na mesma moeda, então só se calava, principalmente quando o que era falado pra ele era verdade.
  - Ih, Salsicha, deixa de bobeira. Eu sei que não.
  - Você não sabe de nada. – toma coragem pra falar.
  - Que? Como assim?
  Felipe consegue ouvir Daniel soltando todo o ar que carregava dentro de seus pulmões. A mente do moreno estava a milhão – mais do que já costumava ser. Era como se todos os veículos do mundo estivessem se chocando dentro dele. Era bizarro, como o próprio diria.
  - Eu senti tua falta. – a confissão do sulista chocou ambos. Prior por não esperar e Daniel por ter conseguido ter sido tão honesto. – Tu nem dormiu hoje lá no quarto e tu sempre fica me zoando a noite. Eu acostumei. 
  Mas é claro que Felipe interpretaria errada a última frase.
  - Então você não sentiu falta realmente, né, bebê? Você só se acostumou comigo.
  Era segunda vez que Daniel ouvia o apelido "bebê". Ele, definitivamente, preferia "Salsicha".
  - Não, Felipe. – resmungou. Perder a paciência com Prior era muito fácil pra ele. – Eu senti falta mesmo.
  - Entendi. – repete Felipe. O arquiteto nunca foi bom com demonstrações de carinho; isso era nítido para qualquer um da casa. – Na próxima, eu ganho o anjo pra ninguém poder me colocar de monstro. Aí eu vou poder te encher o saco e você não vai sentir minha falta.
  Daniel ri. Isso era o mais próximo que poderia chegar de uma declaração de Prior. E como diziam alguns participantes da casa que adotaram esse bordão: e tudo bem. Ficar perto de Felipe era o suficiente para o sulista.

 

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