o dia que o Cupido pousou na minha janela

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Era tarde, o sol se punha e eu chovia. Foi então que uma figura pousou na minha janela, um velho amigo. Ou talvez não, estava começando a odiar aquele cara... Ele sentou no parapeito com as pernas pra fora do quarto de costas pra mim, puxou um charuto e começou a fumar.

Suas asas se movendo calmamente a medida que respirava....Esse era o Cupido, e como sempre
irritantemente calmo.

-Você sabia que esses charutos vão foder com os seus pulmões não é? -Falei.

-Diz a garota apaixonada por alguém que nunca vai te amar da mesma forma, eu sou um anjo, meus pulmões se regeneram o seu coração não, cada um se fode a sua maneira hum?

Como quem leva um soco no estômago eu me contraí, o amor pode ser um belo filho da puta.

-O que está fazendo aqui? -Digo impaciente e segurando as lágrimas que queriam voltar a descer.

Ele deu os ombros e soltou a fumaça mais uma vez para dentro do meu quarto.

-Eu não gosto quando saem por aí falando mal do meu trabalho... e você anda fazendo isso bastante ultimamente.

-E EU TÔ ERRADA? Da próxima vez acerta OS DOIS então, que porra é essa de dar flechada só em mim?

Ele sorri entredentes, um sorriso sarcástico de quem é dono da verdade.

-Esse é o problema com vocês humanos, sempre procurando outros para culparem por seus próprios problemas. O que, você acha que eu quis que as coisas fossem assim? Eu não escrevo histórias de amor criança, eu apenas começo elas.

-Ás vezes preferia que você não tivesse começado...

-Você não sabe o que está falando menina...

-Eu sei exatamente o que estou falando! Sério o que você está fazendo aqui?

Ele suspira quase com remorso.

-Você sabe o que eu vim buscar criança, não adianta mais fugir.

meu coração apertou, eu pude sentir ali: a flecha.

Se contorcendo no meu peito como um animal selvagem em cativeiro.

-Eu só posso leva-la com sua permissão, conhece as regras.

-Eu não quero...

Sinto meu rosto quente e não consigo mais segurar o choro.

O Cupido suspira, ele se vira pra mim me vendo pela primeira vez e para minha surpresa, apesar dos comentários cruéis, não havia nada naqueles olhos castanhos além de gentileza. Ele sorri, um sorriso familiar e doloroso que eu reconheceria a vinte metros de distância. Apaga o charuto e vem em minha direção.

-O primeiro passo pra superar é entender.

-Entender o que?

-Entender que o fim criança- ele limpa as lágrimas na minha bochecha- Pode ser um recomeço. Você não confia que vai sentir isso de novo e é esse medo que te sufoca, não eu, não o amor: O medo menina, paralisa, e pessoas paralisadas não estão em condições de amar.

A seta no meu peito se debatia com ainda mais força, ela não pertencia mais a mim, ela sabia e eu também. Segurar já não fazia mais sentido, assenti para o Cupido.

-Tudo bem...pode levar.

Com muito cuidado ele aproximou a mão e a retirou dali.

A primeira coisa que percebi foi que aquele pequeno pedaço de madeira pesava mais do que parecia. E me senti leve. Mas logo em seguida, nem tanto assim.

Minhas pernas bambearam e ele me segurou.

-Eu não sei como seguir seguir sem ela- desabafei.

O Cupido olhou a arma em suas mãos, ela se movia delicadamente como se estivesse respirando.

-As pessoas nascem sozinhas Clara, e elas morrem sozinhas. Independente de quantos amores tenham. Você vai reaprender a andar como sempre andou, um passo de cada vez.

A verdade desceu em seco, não era o que eu queria ouvir. Mas o amor nunca é.

-Você vai voltar? Um dia...

-Se você permitir... Mas vou te dar uma dica: Você me vê como quer ver, agora você considera o amor cruel, então eu sou cruel, quando você me achava bom, eu era bom pra você. Se você quer que as coisas sejam diferentes, você precisa estar diferente. Então da próxima vez, se estiver com o coração mais maduro e a cabeça mais decidida. Eu possa acertar em cheio hãn?

-E se você já acertou em cheio? E se era ela?

-Isso aí só o tempo dirá, e eu não tenho paciência pra aquele cara! Mas se serve de algum consolo, não importa o quão perdidas estejam, as flechas sabe? Elas sabem encontrar o caminho de volta pra casa...se quiserem.

-Promete não atirar ela em alguém tão cedo?

-Eu não deixo promessas, só vim leva-las.

-E você vai levar a dor também?
Pergunto.

Ele caminhou até a janela e disse:

-Não criança, esse é o trabalho da solidão.

E voou.

escrito entre 2/12/19 e 24/02/20

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