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Caía uma chuva torrencial, martelando as ruas e os telhados da cidade em uma tarde escura de terça-feira. Havia alguém esmurrando nossa porta da frente.

— Espere aí! — gritei.

Eu estava comendo torradas na sala. Abri a porta e lá estava um homenzinho meio calvo, de joelhos, completamente encharcado.

— Keith? — perguntei.

Ele me olhou. Deixei cair a torrada. A essa altura, Chris já estava atrás de mim.

— O que aconteceu? — perguntou.

O rosto de Keith estava coberto de tristeza. Filetes de chuva escorriam pelas suas faces enquanto ele se levantava devagar. Fixou os olhos na janela da nossa cozinha e disse, com um soluço entrecortando a voz:

— O Miffy. — Quase se desfez em pedaços de novo. — Ele está morto. No quintal.

Chris e eu nos entreolhamos.

Saímos correndo pelos fundos e começamos a escalar a cerca de qualquer jeito, enquanto a porta batia às nossas costas. No meio do caminho, eu vi. Havia uma bolota de lanugem empapada e imóvel caída na grama.

Não, pensei, ao aterrissar do outro lado. A incredulidade impediu meus passos, deixando meu corpo pesado e meu coração disparado.

Chris também alcançou o chão. Seus pés bateram na grama encharcada e, onde terminavam minhas pegadas, as dele começaram.

Ajoelhei-me sob a chuva torrencial.

O cachorro estava morto. Toquei-o.

O cachorro estava morto.

Virei-me para Chris, que se ajoelhara a meu lado.

O cachorro estava morto.

Passamos um tempo sentados ali, em completo silêncio, enquanto a chuva caía feito agulhas em nossos corpos ensopados. A pelagem castanha e fofa do Miffy, o lulu-dapomerânia que era um pé no saco, estava amassada e úmida por causa da chuva, mas continuava macia. Chris e eu o afagamos. Brotaram até umas lágrimas perdidas dos meus olhos quando me lembrei de todas as vezes que o leváramos para passear à noite, com fumaça a sair dos nossos pulmões e com riso na voz. Ouvi a gente reclamando dele, fazendo troça, mas, no fundo, a gente se importava com ele. Até o amava, pensei.

O rosto do Chris estava arrasado.

— Coitado do merdinha — disse ele, com dificuldade para falar.

Eu queria dizer alguma coisa, mas fiquei completamente muda. Sempre soubera que esse dia ia chegar, mas não havia imaginado que seria assim. Não sob aquela chuva torrencial. Não um amontoado patético de pelo congelado. Não com uma depressão do tamanho do que senti naquele exato momento.

Chris o pegou e o carregou para o abrigo da varanda, na parte de trás da casa de Keith.

O cachorro estava morto.

Mesmo depois que a chuva parou, a dor dentro de mim não cedeu. Continuamos a fazer carinho nele. O Chris chegou até a lhe pedir desculpas, provavelmente por todos os xingamentos que proferia quase sempre que o via.

Keith chegou um pouco depois, mas principalmente o Chris e eu é que ficamos ali.

Durante cerca de uma hora, permanecemos sentados ao lado dele.

— Ele está ficando duro — assinalei, a certa altura.

— Eu sei — replicou Chris.

Eu estaria mentindo se não dissesse que um risinho de mofa cruzou nossos rostos. Foi a situação, acho. Estávamos com frio, encharcados e famintos e, de certo modo, essa foi a derradeira vingança do Miffy contra nós — a culpa.

A garota que eu quero(camren g!p)Onde histórias criam vida. Descubra agora