A Que Ponto Chegamos? 1 - DEGUSTAÇÃO

CAPÍTULO 4

Na hora do intervalo eu passo no banheiro antes de ir para mesa encontrar os outros nerds, quando eu me sento Catarina e os gêmeos se levantam correndo e vêm se sentar ao meu lado. Fica todo mundo na mesa nos olhando estranho, mas logo a atenção passa porque todo mundo aqui nessa mesa é um pouco estranho a sua maneira — Lauro Lopes que está sentado na quina da mesa está SEMPRE com alguma peça de roupa azul porque ele é fã de Power Rangers e diz que se fosse um, ele seria o Ranger Azul.

— Por que você estava conversando com o Júlio F antes de a aula começar? — Catarina pergunta.

— Uma garota do clube de canto viu vocês dois — Vitor explica.

— Ninguém deu atenção a fofoca porque ainda estão focados em Dalipe! — Edgar completa.

As fofocas correm mais rápido em Santa Cicília do que o cancelamento de artista no Twitter. O fato de ninguém estar falando sobre mim e Júlio apenas demonstra o quanto David e Felipe conseguiram abalar o ambiente escolar.

— Júlio ficou sabendo que eu estou investigando David e Felipe — me viro olhando para os gêmeos, no mesmo momento eles levantam as mãos e coçam atrás da cabeça, fingindo estarem com vergonha. — Agora, ele disse que vai me ajudar na investigação.

— Espera, você tá falando sério? — Catarina pergunta surpresa e eu balanço a cabeça dizendo que sim. — Por que ele não pergunta diretamente ao Felipe?

— Ele não disse, provavelmente pelo mesmo motivo que eu, para não parecer um enxerido. A única coisa que ele me disse é que quer entender porque o Felipe nunca comentou com ele que se interessa por garotos.

Rola um momento de silêncio enquanto os três processam o que eu acabei de falar.

— Ei, a gente vai ajudar vocês na investigação! — Catarina diz animada.

— É isso aí, vocês serão os investigadores de campo e nós a equipe de apoio — Edgar fala se juntando a animação de Catarina.

— Pode contar com a gente Greg — Vitor fala sorrindo — fofocas vinte e quatro horas por dia, nada vai passar por esse grupo.

Reviro os olhos e sorrio para eles.

Como eu disse, Júlio F tem uma aparência marcante. Mas ele me parece ainda mais marcante quando no fim da aula eu o encontro no estacionamento da escola sentado no capo do seu Chevette vermelho 1987 restaurado.

— Tá pronto? — Ele diz pulando do capô.

— Menos do que gostaria — digo.

Ele indica a porta do passageiro e eu ando até ela.

— Você já pode dizer aonde vamos? — Pergunto quando já estou dentro do carro. O assento de couro é bem confortável.

Ele arranca com o carro e eu vejo Catarina e os gêmeos na porta da escola assistindo enquanto saímos do estacionamento.

— Na Deli-Gardênia — ele diz enquanto liga o som do carro sem tirar os olhos da rua.

— O quê? Por quê?

A Deli-Gardênia é a delicatesse da tia Pami, na verdade ela era da minha bisavó, mas só a minha tia teve interesse pela loja depois que a bisa morreu.

— Felipe trabalhou lá no mês passado — Júlio explica — nós sempre achamos estranho ele ter conseguido um emprego lá, mas ele sempre desviava das nossas perguntas.

Meu Deus, faz realmente muito tempo que não vou à delicatesse, nunca fiquei sabendo sobre isso.

— Você acha que foi assim que o Felipe se aproximou do David?

— É o que vamos descobrir.

A Deli-Gardênia parece uma lanchonete americana de um filme sobre cidade pequena: as paredes são feitas de madeira e vidro o que deixa todo o interior exposto para todos os passantes. Quando eu era criança achava a loja superlegal, mas depois eu cresci.

Júlio estaciona o carro no fim da rua e nós seguimos em direção a delicatesse pela calçada.

— Compra alguma coisa que eu pergunto a atendente sobre o Felipe como quem não quer nada — ele diz antes de entrarmos na loja.

— Comprar o quê? — Eu pergunto nervoso, de repente me parece muito real que estejamos fazendo uma investigação!

— Qualquer coisa, algo que sua mãe compraria!

Ele entra na loja e eu o sigo. O lugar está vazio, a atendente — uma garota de mais ou menos 25 anos — sorri para nós dois.

— Olá garotos, como posso ajudá-los?

Eu e Júlio ficamos em silêncio, a encarando. De repente sinto uma mão em minhas costas e Júlio me empurra em direção ao balcão.

— Eu quero queijo — digo.

— Qual tipo de queijo?

Ai meu pai amado, por que eu não pedi mortadela defumada?

— Brie? — Ai eu to realmente muito nervoso, quando me viro para Júlio ele me encara como se perguntasse "que merda é essa?".

— Quanto você quer? — A atendente pergunta, acho que ela está ficando desconfiada.

— O suficiente para fazer um sanduíche.

Ela me encara ainda mais desconfiada, acho que não dá pra fazer sanduíche com queijo brie. Ainda assim ela tira um queijo com uma camada branca do balcão transparente e começa a cortar.

— Ei, tem muito tempo que você trabalha aqui? — Júlio pergunta, como ele consegue fazer isso com tanta naturalidade?

— Quase um ano — a garota responde enrolando a fatia do queijo em um pedaço de papel pardo.

— Então você foi colega de trabalho do Felipe V?

— Ah não, o Felipe trabalhou em um horário diferente do meu. Na época ele era colega de trabalho do Aquino Gonzalez. Quinze reais pelo queijo!

Tiro a carteira do bolso e entrego o dinheiro para ela.

— Obrigado! — Digo pegando o queijo.

— Por nada, voltem sempre! — Ela responde.

Eu e Júlio saímos da loja e voltamos para o carro.

— Precisamos conversar com o Aquino! — Júlio diz quando já estamos dentro do carro.

— Vou pedir para Catarina e os gêmeos descobrirem os horários dele — Aquino Gonzalez faz parte do time de Handebol de Santa Cicília — aí podemos procurá-lo quando estiver no intervalo do treino e longe das outras patricinhas.

Júlio se vira me encarando.

— Você vai envolver sua galera na investigação?

— Eles já estão envolvidos, você não conhece meus amigos!

Ele balança a cabeça e acho que repuxa os lábios em um sorrisinho, mas não tenho muito certeza. Será que os valentões sabem sorrir?

— Me diz onde é sua casa, vou te levar até lá.

— Valeu! — Eu digo e coloco a fatia de queijo encima do painel do carro. — Pode ficar com isso, se quiser.

— E fazer um sanduíche? — Ele diz debochado.