CAPÍTULO 5

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— De quem era aquele carro que te trouxe ontem? — Minha mãe pergunta quando eu desço para cozinha antes de ir para a escola. — Esqueci de perguntar ontem.

Ontem meus pais receberam uns amigos em casa, e, com toda a confusão para deixar tudo arrumado apesar de Gabriele fazer muita bagunça, minha mãe nem teve tempo para se lembrar de xeretar a minha vida.

— De um colega que tá me ajudando na investigação — respondo pegando uma maçã na fruteira.

— Ernesto ou Venâncio? — Ela sempre achou os segundos nomes dos gêmeos mais legais do que os primeiros.

— Nenhum deles, foi o Júlio F! — Respondo sorrindo porque já sei qual será a reação dela. — Ele é um valentão!

Minha mãe deixa a caneca encima da mesa e levanta a cabeça me encarando boquiaberta.

— E como ele é? — pergunta, animada. — Se eu tivesse estudado em Santa Cicília eu seria uma valentona, tenho certeza!

— Ele é como todos os valentões: cara fechada, usa sempre preto, diz o que pensa — dou uma mordida na maçã. — Tô saindo... Ah, mãe! — Ela volta a me encarar. — Se você tivesse estudado em Santa Cecília então você e o papai seriam o maior escândalo entre os grupos, e não o David e o Felipe!

Quando estudava, o meu pai era jogador de futebol.

— Eu nasci para estar na boca do povo! — Ela brinca.

Eu tinha plena certeza de que ontem ouvi o Souza Miranda me dizendo que o trabalho era para sexta-feira — eu juro que até fiquei acordado até tarde para fazer esse negócio, mas acabei dormindo antes de terminar —, mas quando entro em Santa Cicília e ele vem a toda velocidade na minha direção, começo a pensar que ouvi errado.

— Ei Gardênia, não preciso mais que você me faça o trabalho! — Ele diz sem encostar em mim, o que por si só já é muita loucura, e no fim ele está negando o trabalho? Me perdi todo agora!

— Oi? — É só o que eu consigo dizer.

— Não quero ninguém sabotando minha chance de passar de ano, pode deixar que eu mesmo faço! — Ele diz e sai como se nada tivesse acontecido.

É, vai ver que a união sentimental de David e Felipe realmente abalou todo o sistema da escola, eu bem poderia imaginar isso, mas não achei que fosse realmente acontecer!

Já passei em Português e Biologia então decido matar as primeiras aulas e ir para a sala do Clube AD terminar o curta sobre o Mingau junto com Catarina. Quando abro a porta, sinto o meu coração pulando até a minha garganta.

— David? — Digo alto, minha voz saindo meio estridente.

O meu primo está sentado junto à mesa que fica ao lado da porta, ao seu lado Felipe V segura em sua mão enquanto olha para frente, para a tela do computador.

— Oi Greg — ele responde sorrindo.

— O que você tá fazendo aqui? — Pergunto assustado.

E então de repente eu sei porque eles estão aqui: Catarina, Edgar e Vitor acabaram fofocando demais e o meu primo e Felipe sabem que eu estou investigando o namoro deles. Então David veio junto com Felipe para me dar uma dura. Ai meu Deus, Felipe V tem quase dois metros de altura, ele me detonaria com apenas um tapa na cara!

— Ei, sei que não faço mais parte do clube, mas eu fui líder antes de você, já se esqueceu? — David diz sorrindo.

Isso aí Gregório, dê mais motivos para ele pedir ao namorado para te bater!

— Claro que não... Eu é... Só não esperava te ver!

— Estamos montando um vídeo para a aula da saudade, tudo bem mexermos nos programas? — David fala, Felipe continua encarando o computador, como se não entendesse o que estivesse a sua frente.

— Claro que podem... A sala já foi sua... Quero dizer, a sala é toda de vocês!

Antes que eu possa dizer qualquer outra bobagem sigo meu caminho até a mesa no fundo da sala, onde Catarina está sentada.

— Quando eles entraram na sala eu jurei que sabiam sobre a investigação — ela sussurra para mim quando eu me sento.

Eu apenas balanço a cabeça concordando.

Eu não estaria no clube do Audiovisual sem David. Não, espera, deixa eu reformular essa frase: eu não conseguiria ter entrado no Clube AD se David não tivesse intercedido por mim.

Foi logo quando eu entrei em Santa Cicília, no sétima ano. David ainda não era o líder do grupo, mas quando me pediram para fazer um curta como teste para entrar no clube, e eu montei um vídeo com desenhos feitos em folhas de caderno, narração feita no ato da gravação e toda a produção sem nenhum corte — o vídeo se chamava Luca Louco por Livros — o líder do clube naquele ano não queria deixar que eu entrasse, mas David argumentou de que eu tinha muita capacidade criativa e vontade de aprender. O que sinceramente eu não tinha, eu só queria fazer parte do clube porque a única pessoa que conhecia em toda a escola era o meu primo.

Eu sempre associei David ao clube AD, ele sempre fora apaixonado por cinema, montava pequenos vídeos para passarmos nas festas de família e imaginar aquela sala sem ele era como imaginar Santa Cicília sem os grupos. No início do ano ele decidiu sair do clube para se comprometer um pouco mais com os estudos do último ano e tentar o vestibular, foi aí que eu me tornei o líder — no fim acabou que eu realmente aprendi muita coisa e até que tenho uma boa capacidade criativa.

Ainda assim, mesmo depois de sua saída, David sempre veio à sala para ver como as coisas andavam, o que estávamos produzindo ou para ajudar quando estávamos perdidos demais. Em todas essas ocasiões, a presença dele nessa sala nunca me pareceu estranha, como me parece agora enquanto ele monta um vídeo junto com Felipe V!

A Que Ponto Chegamos? 1 - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora