Aquela foi a última vez que vi o meu pai. Momentos após à discussão chamaram uma ambulância que lhe levou. Um ataque cardíaco levou a pessoa que eu mais amava. Eu era a sua princesinha e ele o meu rei.
Graças à sua morte descobri que ele, desde pequeno, sempre teve problemas de saúde. Talvez foi mais um motivo que a minha mãe teve ao escolher o seu marido.
Quando era novo, as febres eram algo habituais e desde algum tempo os médicos já vinham a desconfiar de que ele estivesse a desenvolver algum tipo de cancro. Só não percebo porque é que não me puderam contar mais cedo. Eu sei que não tinha o poder de lhe curar, mas sou a sua filha, e isso deve contar para algo.
O funeral ocorreu dois dias após à sua morte. A igreja estava cheia. Fiquei maravilhada com a quantidade de gente que gostava do meu pai. Notava-se pelas suas caras que não foram obrigados, estavam realmente tristes. As minhas amigas também foram e ficaram sempre ao meu lado. Fiquei tão contente por puder contar com elas numa situação como esta, só provaram que a nossa amizade é verdadeira. A minha mãe é que fez uma triste figura e negou-se a levar o caixão, mas foi sempre atrás dele com altos choramingos, sempre agarrada à tia Guilhermina. Já estava a prever. O transporte do caixão coube a mim e a uns amigos do meu pai, quer do emprego, quer de infância.
Já passaram dois anos desde a morte do meu pai e continuo a sentir muito a sua falta. Já não sou a mesmo miúda, mas ainda há momentos em que mal consigo estar no mesmo lugar que a minha mãe, mas foi ela que ficou com a minha posse e mesmo agora com dezoito anos completados tenho pena de a deixar sozinha. Ok, lá no fundo gosto dela, pois querendo ou não foi ela que me deu à luz e é impossível de fingir que não é verdade, visto que sou a sua cara chapada.
Mas às vezes é difícil. Após a morte do meu pai, ela mudou completamente o seu comportamento. Tornou-se naquilo que apenas eu desconfiava que fosse o seu verdadeiro eu. As pessoas achavam, que esta mudança fosse apenas graças à morte do marido. Mas não podia concordar.
Desfez-se das roupas do meu pai, escondeu as suas fotos. Aliás, a únicas fotos que ficou em que ele aparece estão no meu quarto. Uma foi tirada numa viagem que fizemos em família, onde fomos visitar a Inglaterra, à quatro anos atrás, em que aparecemos os três no London Eye. Outra foi tirada no dia em que nasci, onde apareço ao seu colo. A terceira e última foi tirada dias antes da sua morte e é a mais recente de todas as fotos em que ele entra.
De resto as outras mudanças foram a nível psicológico. Sai à noite para ir a bares com as amigas (ou melhor, com “amigos”) e passa os dias nas compras. Mas, há novidades.
A primeira é que ela arranjou um trabalho. É na empresa de marketing do seu pai. Como se considera uma pessoa com bom gosto, lá conseguiu convencer o meu avô a arranjar-lhe um emprego. Tecnicamente, apenas diz se gosta ou não, se vende ou não. Vai lá três tardes por semana, mas acaba por ficar cansada para o resto da semana. Ao menos essas tardes, para mim, são como o paraíso.
A segunda é que arranjamos uma empregada, chama-se Glória e é da idade da minha mãe. Como era eu e o meu pai que cozinhávamos, graças à sua morte perdi a vontade de apenas fazer o jantar apenas para nós as duas. Apesar dos quilos que está sempre a falar que tem de perder, acho que morrer à fome não faz parte dos seus planos.
A terceira e última notícia é que finalmente acabei a escola. Acabei o 12º com uma média de 18,3. A minha mãe ainda me tentou convencer a ir para medicina para se poder gabar que a sua princesinha andava a estudar para ser médica, apesar de saber perfeitamente que a dança é a minha paixão. Eu apenas respondi-lhe que não iria desperdiçar anos de treinos por uma profissão que está a ficar tão esgotada como todas as outras e que a escola para mim acabou e que não queria passar mais anos a estudar arduamente. Com esta resposta, apenas a deixei amuada.
Agora, graças aos cursos e às aulas de dança que tive, consegui um diploma que me deixa dar aulas e é a isto que agora me dedico. Foi a única maneira que consegui de fazer o que gosto, sem abandonar a minha família. Pelo menos não agora, ainda estão sentidos com morte do meu pai.
Consegui um emprego numa escola a quinze minutos de casa e trabalho de segunda a sexta, em horários variados.
A minha mãe outro dia veio com uma conversa de que iria fazer umas mudanças no jardim e que já tinha umas ideias. Eu concordei, pois não quero ficar zangada com a minha companheira de casa e esta foi a última ideia boa dela desde que nasci, por isso tínhamos de aproveitá-la. O jardim já não era o que era desde falecimento do meu pai. Tinha uma pequena horta nas traseiras da casa, actualmente seca, que fora eu e o meu pai que criámo-la. Ainda tem o baloiço e umas plantas, mas se olharmos para a casa quando nos encontrámos no exterior, graças ao jardim, parece que está abandonada.
Por isso é que esta ideia veio com bons olhos.
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Uma Vida (Des)complicada
ChickLitEra uma vez a rapariga perfeita. Ela tinha tudo! Era rica, tinha uma família feliz e muitos amigos. De um dia para o outro perdeu tudo... Será que conseguirá sobreviver?