TEMOR NA ALDEIA

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O sol invadiu a selva, seus raios penetravam em todos os restinhos de escuridão para espatifá-las. Ele simplesmente entrava dissipando o "Jakaira", a neblina que envolvia a floresta. Entrava soberano, e devagar ia tocando nas folhas molhadas pelo orvalho da madrugada. Acordava os animais, as aves e plantas e aos poucos ia aquecendo e clareando a Grande Mãe mandando embora a escuridão que sobrava da noite.

O orvalho evaporou, as flores foram despertadas e aos primeiros raios desabrochavam todas as cores ainda sonolentas, eram as orquídeas, chananas, e tantas outras, centenas, milhares talvez. Os pássaros já acordados cantavam antes do brilho do sol. Outros bichos com seus gritos e cantos diversos se encarregavam de acordar os dorminhocos. Eram lindas as canções entoadas nos bicos dos pássaros, todavia não existia nenhum igual ou mesmo parecido com o canto do uirapuru, um pequeno e raro pássaro com um canto lendário e suave, muito difícil de encontrar na mata. Diziam que você não o encontrava, mas ele encontrava e encantava você.

A floresta estava cheia de papagaios, periquitos, araras-vermelhas e azuis, tucanos, sanhaçus, bem-te-vis, patativas, cardeais, beija-flor, caburés, amarelinho, sete cores, galos, enfim. Kawã gostava de ouvir e observar o voo e o canto dos pássaros, o belo coral com várias vozes era apresentado diante de seus olhos todas as manhãs para seu prazer.

Na aldeia, alguns índios já haviam saído para caçar. Antes do sol nascer, um grupo de oito homens saiu em busca do sustento da tribo outros vinte desceram para as águas a fim pescar em suas ubás, nelas eles levavam arpões, zagais, arcos, flechas e muita esperança, de alguma forma, seja por terra ou pela água a provisão viria.

As mulheres ficavam e cuidavam da aldeia. Algumas plantavam macaxeira, milho, feijão-de-corda, outras aproveitando a vazante plantavam nas várzeas culturas que em pouco tempo já seriam colhidas. Outras faziam com a massa da mandioca o beiju, a farinha e gomas.

Eles comiam daquilo que a Grande Mãe oferecia e também do que plantavam ou coletavam dentro da mata, só usavam o necessário e, sabendo o quanto precisariam dela amanhã cuidavam bem da floresta hoje. O índio cuidava bem de quem o sustentava por gerações.

Naquele dia, Kawã desceu rumo ao lago próximo à aldeia, ele queria se refrescar um pouco, as manhãs na selva já acordavam quentes e o sol não tinha pena do couro dos manáos. No caminho, Acir foi ao seu encontro, pois queria contar-lhe algo importante.

— Vem comigo! Pediu ofegante o amigo.

— Para onde?

— Sem perguntas, depois te explico, não temos muito tempo agora, mexa-se!

Kawã correu assustado e curioso atrás do amigo.

Os dois já aprontaram dezenas de trapalhadas juntos. Uma delas foi ter usado a ubá do pajé Andirá sem a sua permissão e quando terminaram não a amararam e durante uma noite de forte chuva ela foi levada pelas águas, e nunca mais foi encontrada. Isso rendeu castigos físicos para os dois durante três dias e uma ubá nova para o pajé.

Acir levara Kawã para ouvir a conversa dos anciãos e os homens da tribo, e, era claro eles ouviriam à conversa toda bem escondidos. Assuntos como esse não seriam tratados à vista de todos, muito menos à frente dos jovens. Os dois correram em direção à maloca do cacique e ficaram atrás dela olhando pelas pequenas falhas na palha.

Com seus ouvidos inclinados e colados na palha da maloca, olhos bem abertos e atentos, viam e ouviam mais uma vez da grande preocupação que perturbava os homens da tribo. Os dois se acomodaram e ouviam achando que não seriam descobertos.

— Porque não foram aos Tucanos? Ou aos Carapanãs? Perguntou Moacir, pai de Acir. Seu tom de voz e a expressão do seu rosto era de completo desacordo com o rumo tomado pelos oito índios naquela manhã.

Saga Amazônica - Mistérios da Floresta - Livro IOnde histórias criam vida. Descubra agora