O noticiário

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Colégio estadual paulista: campos verdes.

Aquilo parecia mesmo uma piada! desde quando há  verdes, verduras frescas ou mesmo campos em São Paulo? Só se for em São José!
Em suma sua imaginação, pensou em um campo florido de lírios do vale, aonde poderia simplesmente se refugiar e sentir o cheiro da grama molhada e no mesmo cenário, árvores com gotículas de chuva recém caídas do céu... Pareceu um paraíso...

-PARE!- Um grito interveio em seus pensamentos.

Na mesma hora, abriu os olhos, e viu um garoto, cujo em sua testa parecia que havia uma denominação específica: babaca.

Maldita hora que ele tocou em sua bunda e levantou sua saia, logo pois, a tal menina de quem se aproveitou era tímida e alvo de várias chacotas na escola.

Ao ver o rosto da garota corar de vergonha e perceber seus ombros se curvarem de medo, a menina que assistia tudo apenas gritou:

- O que faz você achar que uma mulher é sua propriedade? - todos pararam pra ver, na cabeça dela estava tudo em câmera lenta e seu sangue pulsava em suas têmporas

- o que faz você achar que ela é vulnerável à você e uma saia e um corpo vai te dar a autorização de tocar-la...? Você não merece migalhas!

E pegou a mão da garota que então usava uma saia cor de rosa e sorriu para ela.

-obrigada...- fraquejando, morrendo, com pernas trêmulas de timidez e medo ela agradeceu com a voz fraca.

- É sempre bom ajudar.- O rosto de ambas se iluminaram em um sorriso.

Jogou a mochila em suas costas e foi pra sala de aula.
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Pintava com suas paletas especiais de cores pastéis em seu caderno, uma paisagem linda, de uma cerejeira em um lindo dia de inverno, uma menina japonesa segurando um guarda-chuva. Aquilo, porque amava outras culturas, porque admirava outras formas de expressão, e amava isto.
Mesmo que, se deliciando com cada rabisco, prestava atenção à cada sílaba que o professor falava.... Ouviu bem distante:

"E então, Pedro Álvares Cabral veio e descobriu a América... Eles ficaram alguns dias dentro do navio, para irem se acostumando com o novo solo. No começo, quando saíram, tiveram relações amistosas com os índios, logo após, faziam trocas: mão de obras por objetos desconhecidos por tal etnia.
Mas aí, ficaram cansados dos abusos e resolveram não trabalhar mais, o ponto chave para serem escravizados...."

Ela já sabia como terminaria essa história. Não terminaria com " os índios foram dizimados, estuprados, doentes, além de perder sua dignidade e territórios e os  negros tendo que substituir estes fazendo com que HUMANOS ficassem trabalhando no lugar de animais." Não. Terminaria com: já no século XXI, as pessoas continuam misóginas e a maioria dos índios e negros ainda discriminados, sem ter a dignidade necessária e depois de séculos e séculos, continuariam numa posição desfavorável. Perante a Deus? Não. Perante ao homem.

E o professor, a odiava porque pintava e não prestava atenção na aula.
Isso, era o que ele pensava.

O que a garota achava engraçado era a televisão no canto superior ao lado do quadro negro, usava apenas uma vez na vida e outra na morte, o que era icônico porque a televisão era de última geração.

Assim que terminou o desenho a garota encarou a televisão, como se olhasse para o nada, em busca de uma inspiração para preencher ainda mais seu caderno de desenho, que levava para todos os lugares.  Seus olhos estavam semicerrados quando o barulho da televisão a despertou do seu planeta de inspiração: era o noticiário.

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