IX - Convenções Bélicas

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A neblina cobria a Colina Meio-Sangue, fazendo-a parecer estar envolta em chamas gélidas, como num beijo da deusa Quione. Poucos foram aqueles que tiveram o privilégio de beijar essa deusa. Ela possuía coração tão frio quanto seus domínios. Porém, sempre escolhia a hora certa para se meter numa confusão colossal. Talvez tenha sido este o motivo que fez Quíron pensar nela a noite inteira.

Antes mesmo que o céu ganhasse um tom acinzentado, o centauro levantou-se, preparou uma xícara de chá e sentou-se em sua cadeira de rodas na varanda da Casa Grande. Ele se perdeu em devaneios observando a fumaça fina e frágil que a quentura de sua bebida produzia. À sua frente, estendia-se o que poderia ser seu maior legado: o Acampamento Meio-Sangue. Todas aquelas crianças inocentes, que repousavam profundamente em seus chalés naquele momento,  ocupavam um espaço em seu amolecido coração. Ele nunca foi do tipo frio e sem sentimentos à superfície e pagava seu preço por isso. Sua idade denunciava quão partido seu coração estava com as perdas que já tivera.

Entretanto, nesta madrugada, o que o inquietava era este inesperado convite de Hécate para uma conversa em seu santuário. Como Quione, esta deusa também não era fácil de digerir. Provavelmente, a maior diferença entre as duas era que Hécate podia ser calorosa dado seu humor do dia. "É claro que isto era o esperado de uma deusa da encruzilhada", pensava Quíron. "Tamanha bipolaridade em suas bênçãos também exigia um preço". Mesmo assim, apesar de ser bastante tolerante, ela nunca se envolvera em nenhuma briga diretamente. Por isso o centauro valorizava tanto seus conselhos: ela era imparcial.

Esta questão o levou à Quione, que, há muitos éons, fora sua amante. Naquela época as coisas não eram tão complicadas e a tirania dos deuses não existia. Entretinha-o vê-la tomar decisões no lugar de seu pai e chamá-lo de velho babão. "Mas isso foi em outra época", concluiu.

Ele se levantou e trotou até o limiar entre o mundo selvagem, por assim dizer, e o mundo seguro para seus jovenzinhos.

- Voltarei logo - sussurrou, repousando rapidamente a mão nos galhos do grande pinheiro que uma vez abrigara uma garota tão brava quanto ele mesmo.

***

Chegar nos domínios de Hécate não fora um problema, seu maior incômodo fora a distância. Contudo, ao chegar em seu destino, ele se deparou com nada mais do que quatro cães infernais que pareciam famintos.

Este santuário de Hécate localizava-se numa ilha ao leste de Montauk, escondida pela névoa. Para chegar lá era necessário um sacrifício de sangue. Isto é, quem quisesse chegar à deusa ou às suas sacerdotisas precisava encontrar a gruta correta banhada pela maré e deixar cair algumas poucas gotas de sangue à luz da lua, dizendo em voz alta sua intenção. Qualquer arma ou instrumento que pudesse se tornar uma, deveria ser deixado na gruta. Feito isto e recitando umas poucas palavras em grego antigo, o devoto seria envolto pelas águas e levado ileso até a ilha.

É evidente que ninguém esperava encontrar cães infernais assim que pisasse na areia fofinha, até porque eles deveriam responder aos comandos de Hades. Quíron não estava ciente de nenhuma aliança entre ele e Hécate, mas ali estava ele, cercado por quatro cães infernais, indefeso.

- Aquietem-se, bestas - sussurrou uma voz feminina que soou quase etérea aos ouvidos do centauro. - Seja bem vindo, lorde Quíron, Domador de Heróis - uma garota caminhava em sua direção, coberta por um véu roxo acinzentado que brilhava nos últimos raios lunares.

- Estávamos à sua espera, meu senhor - sussurrou em mesmo tom um garoto que apareceu atrás de Quíron, sobressaltando-o com a aproximação. - Não tema, vamos levá-lo à lady Hécate - o garoto também estava coberto por um véu, mas o dele era azul marinho. As vestimentas destes garotos não deixava pele nenhuma à vista.

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⏰ Última atualização: Feb 10, 2021 ⏰

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