Coberto de Cinzas e Sangue

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"Eu tive um pai, mas ele morreu;
Eu tive uma mãe, mas ela morreu para mim.
Eu tenho uma irmã, e vou ensiná-la a me amar;
Eu tenho um irmão, e ligarei nossas almas.
Eu vejo um mundo, e vou fazê-lo queimar."


01

      Eu estava andando pelo apartamento.

      Valentim ainda não tinha voltado do East River e eu estava desesperado para saber se o ritual de Conversão Infernal da espada de Raziel havia dado certo, se Jace estava do nosso lado e se Hodge tinha finalmente revelado onde se encontrava o Espelho Mortal.

      Precisava me distrair; fui até a sala de armas, desembainhei a brilhosa Heosphoros, caminhei de volta à sala de estar e comecei a polí-la.

      Já tinha se passado dez minutos quando meu pai adentrou o Portal, coberto de cinzas e sangue. A expressão rígida demonstrava frustração e, sinceramente, não combinava nada com ele.

      — Pelo seu rosto, vejo que você perdeu mais uma vez, Valentim. — Sorri. Mais por provocação do que por estar verdadeiramente feliz.

      Meu pai subiu as escadas em silêncio. Larguei a espada em uma das extremidades do sofá e o segui, chegando a tempo de vê-lo trancar a porta na minha frente. Sorri novamente.

      — Ao menos fez meu irmãozinho vir para nosso lado? — Perguntei, encostando o rosto na porta cromada do quarto de Valentim.

      — Você não o está vendo aqui, está? — O tom de irritação em sua voz me divertia.

      — Bom, pensando bem, eu conseguiria. — Provoquei.

      Provocar o meu pai era um passatempo interessante. Às vezes terminava com boas e falsas risadas, outras terminavam com o que ele chamava de "riscos da obediência".

      Valentim saiu tranquilamente, já limpo e pôs as mãos em meu rosto. Há essa distância, eu poderia ver as íris quase prateadas nos olhos negros. Ao mesmo tempo tão semelhantes e tão diferentes dos meus. Eu via em Valentim o espelho do que eu seria em alguns anos. Só que eu seria uma versão melhor.

      — Repita. — Disse ele, controlado como quase sempre.

      — Eu conseguiria. — Minha voz saiu deliciosamente lenta.

      Meu querido pai sorriu, fechou os olhos brevemente e me deu um tapa com o dorso da mão. Não doeu, apenas gargalhei. Esse era o dia dos riscos da obediência. Ele se afastou e ficou parado por um instante, olhando para mim com olhos inquisidores.

      — Mudança de planos. — Disse ele com o sádico sorriso de quem estava planejando algo diabólico. — Vamos à Paris.

      Eu adorava aquele sorriso.

⚜️⚜️⚜️

      Eu estava admirando a marca que o anel Morgenstern deixou em meu rosto e pensando naquilo que havia se tornado um mantra do nosso relacionamento paterno: riscos da obediência. Às vezes, algo em mim, lá no fundo, se perguntava se, caso Jocelyn estivesse conosco, seria diferente.

      — Jonathan, desça aqui! — Valentim gritou da sala de estar, me arrancando dos meus devaneios familiares.

      Desci as escadas devagar e percebi que ele estava com a Espada Mortal, Maellartach, nas mãos. Ao lado dele, havia uma mala, do tipo que usamos em viagens longas.

      — Diga, senhor. — Falei o mais debochadamente possível. Mas não estava com raiva porque ele me bateu, e sim por ter marcado meu rosto.

      — Vamos ao plano. — Disse Valentim, após me encarar por um curto espaço de tempo. Ele se levantou e se dirigiu até a cozinha. — Vou te levar a Paris, onde você vai conhecer um garoto chamado Sebastian Verlac, ele é um primo dos Penhallow, mas eles nunca o viram, segundo minhas fontes. — Ele abriu a geladeira moderna, tirando de lá uma jarra com um conteúdo branco. — Sua missão é se infiltrar em Idris através dele, conhecer tudo sobre ele.

      Assenti, eu já sabia como fazer isso.

      — E depois? — Perguntei e, quando ele me olhou com uma expressão de dúvida, revirei os olhos antes de explicar. — E o que faço com ele depois?

      — Não é do meu interesse.

⚜️⚜️⚜️

      Após comermos, Valentim guiou o apartamento até a França e, pouco tempo depois, estávamos em Paris. Por mais tempo que fizesse, a magia do nosso apartamento não deixava de me intrigar. Claro que eu já havia feito alguns truques mágicos, e com o sangue de Lilith correndo nas minhas veias, ficava cada vez mais fácil. Ficamos em frente a Torre Eiffel durante um tempo, às vezes traçando planos para o combate, às vezes apenas em silêncio. Meu pai não era um homem de muitas palavras, pelo menos não quando não era necessário induzir alguém a algo. Valentim trajava um terno preto que eu sempre achei que combinava com ele, e eu usava uma camiseta vermelha que realçava a palidez que era formada pelos cabelos e tom de pele.

      — Está preparado? — Ele perguntou enquanto olhava a paisagem janela a fora.

      — Sempre.

      — Só mais uma coisa. — Valentim veio em minha direção, trazendo uma estela na mão esquerda, e desenhou uma iratze em minha bochecha. Senti o leve ardor familiar do objeto fazer com que a marca do anel sumisse. — Não estrague tudo.

      — Alguma vez estraguei? — Me esforcei bastante para parecer ofendido. Valentim apenas sorriu.

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