ANTES DO CAOS, NADA

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Antes do caos, nada. E nada. Depois do nada, o caos. Queria voltar ao nada. Abrira mão de tudo de bom que vivera no caos apenas para desfrutar mais um segundo no nada, antes de tudo. Antes dos vícios. Antes das noites de prostituição. Antes do caos. E sacrificaria tudo de bom que vivera apenas para ser uma adolescente de novo. Queria brilhar como uma moeda nova, como uma lâmpada flourescente.

Oh, diria à pequena Flo para não se entregar aos garotos que pagam em dinheiro e não em amor e atenção. Não cederia aos amigos que insistiam que ela desse um trago ou um gole. Não baixaria a cabeça para todas as garotas que tentavam deixá-la atraente aos olhos e não à alma.

Mas agora já é tarde demais. Restou apenas o caos. Teria  que sobreviver. Teria que mergulhar aquela podridão escura e achar seu núcleo fluorescente. Sentia o calor apoderar-se de si enquanto chegava mais perto de si mesma. Viu o brilho de sua alma refletido no meio daquela escuridão. Como seria de novo? Como poderia polir sua alma? Gastaria sua vida e mais outra para ser o que era. Não iria aguentar mais noitadas. Nem drogas seriam capaz de deixá-la animada para isso. Contudo não sobreviveria sem aquilo.

E chorou. Não sabia o que fazer. Não havia nada o que fazer. Sentia que nada nunca seria do jeito que havia planejado. Nada fazia mais sentido e não podia se enterrar naquele caos e esperar que tudo se ajeitasse por si só. Chorava e se lamentava por tudo sem sequer tentar fazer algo.

Quando finalmente levantou a cabeça, cansada de chorar, seu olhar fixou-se num velho objeto que havia esquecido: a chave da velha van que há muito não usava. Naquele momento começou o big bang, os horizontes de Flo se expandiram de maneira tão rápida e quente que tudo parecia um sonho. Não fez malas, apenas pegou as coisas nos braços e descendo alguns lances de escada os jogava na velha van. Subia e descia aquele trecho que parecia ter anos-luz milhares de vezes. Florence era o próprio caos para quem vivia ali e a conhecia, uma mulher fria e quieta, mas Flo nunca se sentira tão viva e tão em ordem como agora com o novo Universo que dentro dela surgia.

Não ligava a mínima para o que pensavam de si, afinal já tinha uma péssima reputação, não? Talvez alguns minutos, talvez muitas horas se passaram até que girasse a chave na ignição. A verdade é que o tempo não importava, deveria fazer aquilo no agora, no agora daqui a cem anos ou no agora há milhares de anos atrás. Não tinha hora, não tinha nenhum lugar pra ir, não tinha ideia do que estava fazendo ou se tudo não passava de um sonho. Tudo que importava era que estava acontecendo, principalmente dentro. Então apenas ligou o automóvel e partiu sem rumo pela densa escuridão.

A estrada lhe dava uma tranquilidade nunca sentida, uma nostalgia que a rejuvenescia cada vez que o vento lhe acariciava o rosto. Deu um pequeno grito, precisava aliviar a euforia crescente. Deu outro e outro, gostou da sensação de ser livre. Livre... Nunca imaginaria que sentiria ou pensaria isso de si. Mas sim, liberade foi o que sentiu. A liberdade.

A liberdade e mais nada.






fim

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