TUDO EM ORDEM NUM BURACO NEGRO

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Estava tão absorta no teto mofado e no medo de que ele realmente desabasse sobre si, que acabou por surpreender-se quando foi sugada pelo buraco negro que nele formara-se.

Sua respiração ainda continuou presa por muito tempo até se dar conta de que lá dentro, no ápice de todo o caos, no centro do buraco negro, tudo estava em ordem. Era a velha e conhecida crise da meia idade. Tudo ficaria bem, não ficaria?

Ali, dentro da singularidade negra, tudo parecia mais leve, seu passado não era o mais bonitos, mas gostaria de vivê-lo novamente, aproveitá-lo antes que se tornasse o que era agora. Nele, foi tocada, beijada, cortejada, como era antes. Parecia uma vida incrível: sem regras, vivendo do prazer do sexo e das bebidas, mas no fundo era só, era só mais uma, só mais uma pessoa só. Tudo que queria era alguém legal como quem conversar, alguém que a olhasse de verdade, que tocasse seu mais profundo eu, que a visse como uma mulher e não como um objeto para si satisfazer. Se tivesse a chance trocaria todos os vícios por um amigo, alguém que não se aproveitasse dela.

Revirou-se na cama e não havia mais ninguém ali. Sabia que estava apenas numa crise e sabia que todas passaram por isso e sabia que tudo iria passar. Nada dura para sempre, nem a alegria, nem a tristeza. Tudo iria ficar bem.

Ou apenas pioraria com a chegada dos seus 40 anos. Talvez não teria mais forças para as longas noites e as madrugadas curtas. Não teria mais nada si para dar, não teria mais nada Florence naquele corpo mal nutrido que sobrevivia de migalhas de carinho e pouco dinheiro.

Mas o futuro não existe e ela estava a salvo dentro daquele caos que era, permaneceria dentro do buraco negro, escondida de tudo, deixando que lhe tocassem por inteiro com exceção da alma. Deixaria que lhe roubassem, com exceção de sonhos. E sobreviveria.

Nunca imaginaria, mas ali dentro de si mesma, havia tanta e tanta beleza, que nunca havia visto por medo de olhar-se e encontrar tudo que mais temia, mas os buracos negros absorvem toda a luz. Florence era apagada por fora, velha e nada charmosa, mas por dentro era fluorescente. Suas estrelas perfeitamente ordenadas em constelações de lembranças de todas as vezes que fora feliz.

Florence era fluorescente.





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