プロローグ

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5 anos atrás

A brisa estava mais forte que o habitual. O sino dos ventos que ficava preso à porta tocava sua melodia constantemente, indicando que o dia não estava tão quente quanto os outros. Eu gostava assim, quando o dia estava mais ameno, mais balanceado. Esses dias me lembravam meu avô.

Decidi perambular pela casa e procurar por coisas que me fizessem lembrar dele, algo que tocasse meu coração. Não era difícil achar algo que me remetesse a ele, já que o mesmo sempre trazia um presente de cada viagem que fazia quando se aventurava pelo mar no seu cargo de marinheiro. Os presentes estavam todos pela casa, em lugares diferentes, que faziam nosso lar ainda mais único. Tínhamos todos os tipos de conchas, corais, estrelas do mar e até mesmo peixes diversos e coloridos que outrora viveram no aquário da sala de estar. Mas eu não queria nada disso. Procurava algo especial e sabia exatamente o que era. Foi quando que, fuçando em uma gaveta de uma cômoda, o encontrei. Era um colar de conchas. Me lembrava muito bem dele. Vovô trouxera de uma viagem longa. Dissera que ele mesmo tinha feito, embora eu tivesse minhas dúvidas. As conchas eram pequenas e coloridas em um tom gasto, presas a um cordão. Pensando bem, era bem possível que ele mesmo tivesse confeccionado o objeto, porque olhando-o um pouco mais velha do que quando o recebi, percebi que não parecia nem um pouco industrializado.

Precisei conter as lágrimas diante daquela pecinha tão bem concebida que tanto me lembrava de algo que eu não podia mais ter ㅡ se vovô realmente o preparou, devia tê-lo feito com todo carinho do mundo.

Me lembrei das noites de sexta-feira, quando todos nós nos reuníamos para contar histórias depois do jantar. Eu era sempre a primeira e adorava contar sobre como meu dia tinha sido, coisas novas que eu tinha aprendido e minha avó gostava de contar histórias sobre sua mocidade. Vovô, por outro lado, gostava de contar aventuras tenebrosas e até um pouco fantasiosas de suas viagens pelo alto mar, onde, é claro, ele sempre terminava como herói.

Eu ri sozinha com a memória dele gesticulando e interpretando diversos personagens enquanto narrava. Apertei o colar de conchas sobre o peito, tentando novamente desviar das lágrimas quentes que brotavam aos poucos nos meus olhos. Vovô jamais contará qualquer uma dessas histórias e não há um dia em que eu não me arrependa por não ter gravado ao menos uma em minha mente, mas crianças não costuma ter uma boa memória. É mesmo uma ironia dolorosa que vovô tenha partido para a última viagem em uma sexta-feira. Lembro-me dele pedindo desculpas e dizendo que traria muitas novas histórias para compensar. Mas vovô nunca mais voltou. A embarcação dele sumiu, a polícia constatou o sumiço dele como morte por naufrágio, porque apenas alguns destroços foram encontrados. Vovô partira, e levara com ele nossa esperança. Nós ficamos arrasadas. Até hoje, as sextas-feiras parecem um pouco mais frias. Ainda assim, mesmo não sabendo como ele se foi, tenho certeza de que acabou sendo o herói da história.

Vovó não deixou que isso acabasse com a gente. Ela nunca gostou de tristeza e clima ruim. A partir do dia em que meu vô se foi, ela nunca mais deixou que alguém fechasse as cortinas. Ela queria que a claridade entrasse e revivesse a casa. Minha avó era a pessoa mais iluminada que já conheci. Mesmo quando as coisas ficaram difíceis no restaurante da família, ela encarou a situação de cabeça erguida. E eu só tenho a agradecer por tê-la comigo.

Me levantei com o colar na mão e me dirigi à cozinha, onde sabia que ela estaria. Quando alcancei o cômodo, senti o cheiro de sopa preencher o ar. Ela estava preparando o jantar. Me detive no batente, observando a velha mulher mexer nas panelas enquanto cantarolava uma música.

ㅡ Vovó? ㅡ chamei a atenção dela, que me olhou de imediato.

ㅡ Akami, querida, já está com fome? ㅡ ela me encarou com um sorriso ㅡ Está quase pronto.

ㅡ Não, na verdade, eu... ㅡ suspirei, tomando coragem. Estendi o colar e continuei ㅡ Acordei com saudade do vovô hoje. Será que a senhora poderia me responder uma pergunta?

ㅡ Oh, querida ㅡ minha vó desligou os fogões e pôs na pia o pano que trazia no ombro. Ela puxou uma cadeira e se sentou, indicando que eu fizesse o mesmo ㅡ Mas é claro que sim. Vá em frente, diga.

ㅡ Gostaria de saber o que é amor para você ㅡ eu já tinha perguntado aquilo diversas vezes à vovó, e por mais que soubesse de antemão a resposta, eu ainda não entendia.

ㅡ Você sabe que minha resposta continha a mesma, docinho ㅡ ela me lançou um olhar terno e desandou a contar-me toda a história de como conheceu o vovô. Dizia que eram apaixonados desde moços e que almejavam seguir seus sonhos. Repetiu também a história de como construíram a casa de praia, como descobriram aquele lugarㅡ Na hora que vi, soube que era perfeito. Era perto do mar e seu avô possuía um espírito livre. Mais tarde ele se tornou marinheiro como você bem sabe. E eu, realizei meu sonho de ter meu próprio restaurante, que ficava perto da costa. Era como se fosse feito para nós.

ㅡ E...?

ㅡ E a resposta continua a mesma de sempre, querida. Para mim, amor é quando você tem alguém para te dizer boa noite dia após dia.

ㅡ Por quê? ㅡ questionei.

ㅡ Porque isso significa que a pessoa escolheu ficar ㅡ disse, de modo simplista.

ㅡ Então... ㅡ resolvi finalmente perguntar o que estava preso na minha garganta ㅡ Então você perdeu o amor quando perdeu o vovô?

ㅡ Akami, querida, eu nunca perdi o amor. Porque seu avô continua aqui ㅡ ela pôs a mão sobre o peito, com um olhar intenso ㅡ E ele permanece nessa casa, em cada canto dela. Não há um lugar que você vá que não possa senti-lo. Não? ㅡ Ela piscou e eu assenti.

Eu finalmente entendi. Ela estava certa. Vovô ainda estava aqui, presente na casa, nos nossos corações e até no mar, eu ousava dizer.

Nós jantamos como de costume e, naquela noite, antes que cada uma entrasse no seu quarto, eu decidi fazer algo que nunca tinha feito antes.

ㅡ Vó?

ㅡ Sim, querida?

ㅡ Boa noite.

Ela deu o sorriso mais genuíno que eu já tinha visto.

ㅡ Boa noite, meu amor.

𝐆𝐎𝐎𝐃 𝐍𝐈𝐆𝐇𝐓 ;; 𝐋𝐄𝐄 𝐌𝐈𝐍𝐇𝐎Onde histórias criam vida. Descubra agora